Em 2016, fui candidata à Presidência e Portugal vivia um momento singular. Tínhamos sofrido a troika e a política de empobrecimento. O país estava enfraquecido pela pobreza e pela emigração. Mas, logo depois da derrota da direita nas legislativas de outubro de 2015, Portugal já tentava abrir caminhos, entre ameaças europeias e vaticínios céticos contra a solução política que iniciou uma recuperação dos rendimentos das pessoas.
Esse fatalismo foi vencido e a política mudou. Na proteção das reformas e pensões, na recuperação dos rendimentos, no desenvolvimento de serviços públicos, impedindo novas privatizações, o país ganhou com o reforço da esquerda e com a mobilização popular. Foram dados passos importantes e festejei-os convosco.
A minha candidatura fez parte dessa mudança que quebrou o ciclo da austeridade e que permitiu ao país respirar e recuperar. Esta é uma candidatura das pessoas que à esquerda não baixam os braços e constroem soluções para o país. Uma candidatura de quem, como Maria de Lurdes Pintassilgo, acredita na força do diálogo. De quem acredita que podemos ter uma política diferente. Mesmo diferente.
Foi essa esperança que me propus representar nessas eleições de 2016. Fui ouvir as pessoas e fazer a campanha como gosto, junto delas, encontrando vontades e abraçando essa imensa energia de quem trabalha e não vive para truques, vantagens e podridão. Os votos que me deram foram de confiança nessa energia, de afirmação de uma esquerda que sabe o que quer.
Sabemos que hoje vivemos tempos diferentes, num contexto novo e ameaçador. Perante uma nova crise, a maior das nossas vidas, temos a responsabilidade de usar o que aprendemos nas crises anteriores, para proteger Portugal, a nossa casa comum, e para enfrentarmos os perigos que assombram todo o mundo, desde a destruição climática até à espiral de violência racista e discriminatória.
A pandemia acelerou a crise económica e social. Mas também é certo que não a inventou. Não foi a Covid que empurrou dezenas de milhares de jovens para cima de bicicletas e motas para serviços de entrega porta a porta, sem contrato e sem direitos. Não foi a Covid que criou os lares clandestinos, onde são maltratados tantos idosos. Não foi a Covid que inventou a soberba dos patrões que fecham a porta, despedem as trabalhadoras e abrem nova empresa ao lado. Não foi a Covid que inventou a violência sobre as mulheres ou as crianças. Não foi a Covid que inventou a corrupção ou juízes ao serviço de traficantes do futebol. Tudo isso já existia antes da doença e é outra ameaça sobre o nosso país.
Mas sei que a pandemia nos atingiu como uma tempestade e, apesar do heroísmo das e dos profissionais de saúde e de tantos outros trabalhadores (e nunca me esquecerei do que fizeram e do que estão a fazer), houve já quase duas mil mortes e dezenas de milhares de pessoas infetadas. Sei e sabemos que ainda temos tempos muito duros pela frente.
Vivemos uma crise sanitária e ela mostra-nos onde está a força do nosso país: na solidariedade e no cuidado, no profissionalismo e na humanidade. A força do país não está na riqueza, não está nas fortunas, não está no facilitismo, que só fizeram nascer corrupção e desigualdade. A força é o que é comum, a começar pelo Serviço Nacional de Saúde. A democracia é o que é de toda a gente, é a liberdade que cuida de toda a gente. Essa força é o meu programa: a democracia é o é que de todos, para todos e por todos.
E, por cima da crise sanitária, temos a crise social. Os seus efeitos recaem de forma desigual sobre a população, os mais pobres e os esquecidos são sempre as primeiras vítimas, o desemprego é uma praga, a vulnerabilidade cresceu. Em poucas palavras, Portugal está aflito.
É dessa aflição que vos quero falar. Ela tem razões imediatas e que serão superadas, mesmo que demore muitos meses, mas há outra doença que nos ataca e que nunca nos quer largar: é o nosso atraso, é o que nos falta nos centros de saúde e hospitais, é o abandono escolar, são as atividades poluentes, é o desemprego, é a falta de investimento que constrói qualidade de vida, é a fraude e a mentira.
Por isso vos digo que uma economia mais justa tem de assentar em transparência e respeito. Transparência no combate à impunidade dos financeiros, à corrupção das portas giratórias do poder, à fuga fiscal de quem mais tem. A resposta aos nossos problemas estruturais impõe medidas corajosas de controlo público, de reforço de incompatibilidades, de investigação e repressão do crime económico, financeiro e fiscal, de escolhas estratégicas pelo ambiente e pelo emprego.
Os que nada querem fazer e que estão satisfeitos com os seus privilégios vão ter-me pela frente. E, como sei que me perguntam o que quer a minha campanha, digo já com todas as palavras: se há os que querem Portugal parado, eu quero o meu país vibrante de jovens, de cultura, de respeito pelo trabalho, de solidariedade.
Eu não sou candidata para fazer vénias ao sistema ou a poderes que são os responsáveis pelo atraso de Portugal. Não aceito discriminações, não tolero a intolerância, não me calo perante o ressentimento e a ignomínia. A mentira e a grosseria, ou o aproveitamento da vulnerabilidade dos que sofrem, estão a tornar-se sistema. Há, de Trump à Europa, uma mistura de políticos em segunda mão com advogados de negócios, com especuladores, com saudades da impunidade, que procura embrulhar um programa de atraso com a violência contra os trabalhadores, os pobres, as mulheres, os imigrantes.
A todos eu digo que contem comigo: repito, a democracia é o que é de todos, para todos e por todos. As pessoas que têm orgulho de todas as cores da democracia são muitas, somos a maioria e não nos vergamos. Com a minha campanha, quero dar a voz a essa enorme maioria.
É por isso que vos digo que esta crise será vencida por quem venceu a última crise, há cinco anos. E quero dirigir-me a essa imensa maioria que, com o seu trabalho e a sua luta, todos os dias constrói este país.
Não encontrarão nesta candidatura o conformismo de quem quer que tudo fique na mesma. Encontrarão, isso sim, a força determinada de quem, convosco, vai à luta pelas soluções que protegem Portugal: a segurança do emprego e do salário, a garantia de uma democracia que queremos forte e de um país que queremos livre.
Em 1994, Maria de Lourdes Pintasilgo elaborou o relatório da Comissão Independente sobre População e Qualidade de Vida constituída pelas Nações Unidas. Deu ao documento um título original, “Cuidar o Futuro”, e nele explorou as várias dimensões da justiça económica, social e ambiental - sempre sob o prisma do compromisso entre gerações.
Pintasilgo não foi “apenas” a primeira mulher candidata à Presidência da República. Ela marcou Portugal com a sua mensagem de solidariedade - no modo como vivemos está já o modo como viverão os nossos filhos. Julgo que desse sentido de responsabilidade podemos retirar a melhor definição de país: uma comunidade capaz de se questionar hoje sobre o que quer ser amanhã.
Como Pintasilgo, sei que as eleições presidenciais não estão acima da política. Quem ocupar a Presidência não será um adorno nas escolhas decisivas que temos pela frente. Como Pintasilgo, sei que os princípios da nossa Constituição são guias essenciais que devem apontar caminhos a quem responde pela República. Cuidar o futuro é não temer as escolhas decisivas de hoje.
É por isto que aqui estou, neste momento difícil em que devemos afirmar a democracia, sem jogos de sombras.
Eu sou o que digo e o que faço e por isso me comprometo convosco.
Sei que não há liberdade sem pão.
Não há liberdade sem habitação.
Não há liberdade sem cultura.
Não há segurança sem saúde.
Não há segurança sem salário e sem contrato.
Não há segurança sem igualdade.
Não há segurança sem liberdade.
Liberdade e segurança, é a minha luta. Aqui estou para isso. Já me conhecem, chamo-me Marisa Matias e vou à luta convosco.
Obrigada pela vossa força.
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