segunda-feira, 30 de março de 2020

Herman Daly e o mundo antropicamente cheio



Conhecer o trabalho de Heman Daly é fundamental para entender a situação econômica e ecológica atual

“O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante”
Herman Daly (2018)

O crescimento econômico e demográfico do mundo iniciou um processo de aumento exponencial depois do ano de 1769, quando James Watt patenteou a máquina a vapor, dando início ao uso em larga escala dos combustíveis fósseis (começando pelo carvão mineral, depois petróleo e gás). Em 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi muito maior do que em todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.

No início da Revolução Industrial e energética havia menos de 1 bilhão de humanos no Planeta e, em 2023, deve chegar a 8 bilhões. Este alto crescimento demográfico alimentou a economia internacional com trabalhadores e consumidores que foram se enriquecendo (de maneira desigual) e empobrecendo (de maneira geral) a natureza. Patões, empregados e políticos costumam entoar o mantra do crescimento, mesmo sabendo que vivemos em um mundo entrópico e que as leis da física mostram que é impossível manter um crescimento econômico infinito em um Planeta finito.

O crescimento das atividades antrópicas fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e está provocando um “crescimento deseconômico”, quando os “males” crescem mais rapidamente do que os “bens”, tornando-nos mais pobres, e não mais ricos, como mostrou o economista ecológico Herman Daly. Mas, infelizmente, as mensagens dos economistas ecológicos não são muito apreciadas pelo establishment econômico.

Conhecer o trabalho de Heman Daly é fundamental para entender a situação econômica e ecológica atual. Neste sentido, é muito bem-vindo o livro Herman “Daly’s Economics for a Full World: His Life and Ideas”, do professor Emérito e Acadêmico Sênior da Universidade de York, Peter A. Victor. O autor, nos convida a refletir sobre três questões que fomentaram a rejeição de Daly à economia neoclássica: “Qual é o tamanho da economia; quão grande pode ser sem desmoronar sua base ecológica, e quão grande deve ser?”

Herman Daly nos exorta a melhorar nossas contas nacionais de fluxos de materiais e buscar a eficiência – produzindo bens e serviços mais úteis para cada unidade de recursos e serviços ecossistêmicos que consumimos. Lamenta o desconhecimento proposital do conceito de economia de estado estacionário.

Porém, uma economia de estado estacionário se assemelharia à natureza. Isso nos permitiria buscar o desenvolvimento (artístico, espiritual, científico, etc.) em vez do crescimento. O nível atual de consumo da humanidade já excedeu a capacidade da Terra de sustentá-lo. Na atual economia linear “pegar-fazer-usar-resíduos”, as matérias-primas são extraídas para produzir bens que são usados ??e depois descartados como resíduos. 

Herman Daly (2014), no diagrama acima, mostra que a economia é um subsistema aberto que está dentro de uma ecosfera que é finita, não cresce e é materialmente fechada (embora receba energia vinda do sol). Quando a economia cresce, em termos físicos, incorpora matérias e energia da ecosfera para dentro de si própria. Pela 1ª Lei da Termodinâmica, há um desvio do uso natural dos materiais e energia para o uso antrópico. Assim, cria-se um óbvio dilema físico entre o crescimento da economia e a preservação do meio ambiente.

Não dá para o subsistema crescer mais do que todo o sistema. Para conciliar a economia com a ecologia é preciso caminhar para um Estado Estacionário (como definiu John Stuart Mill, em 1848). Na primeira figura a economia cresce de maneira desregrada e tende a destruir o meio ambiente, o que leva à destruição da própria economia. Na segunda figura a economia diminui rapidamente e, no limite, pode zerar sua presença na biosfera. Na terceira figura existe um equilíbrio entre a economia e a ecologia, com uma taxa de transferência equilibrada, com o uso de recursos materiais e energia sendo capazes de serem reciclados de forma a diminuir a entropia.

O crescimento das atividades antrópicas nos últimos 250 anos mudou a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da presença humana (planeta cheio) e diminuindo a proporção das demais espécies e da biocapacidade (planeta vazio). Herman Daly mostra que o crescimento econômico está ficando deseconômico e a natureza degradada já não fornece tantos serviços ecossistêmicos.

A solução atual passa pelo decrescimento das atividades humanas até o ponto que haja um equilíbrio sustentável entre a pegada ecológica e a biocapacidade. Portanto, é preciso reduzir a dimensão do modelo “extrai-produz-descarta”, para que as atividades antrópicas caibam dentro das Fronteiras Planetárias e para estabelecer um “espaço seguro e justo para a humanidade”, respeitando os ecossistemas e o equilíbrio entre as áreas ecúmenas e anecúmenas.

Tudo na natureza tem valor de existência intrínseco. O Planeta não pode ser banalizado pela racionalidade instrumental da sociedade anônima que precifica todos os “bens” ecossistêmicos. O mundo cheio precisa decrescer até atingir o Estado Estacionário, para alcançar convivência respeitosa entre os humanos, as espécies não-humanas e tudo que é inumano, mas tem direito à existência.

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