“1,5 graus não é uma meta, mas sim um limite físico”, afirmou Johan Rockström, director do Instituto Potsdam para o Estudo do Impacto do Clima (PIK, na sigla alemã), na conferência de imprensa em Sharm el-Sheikh.
Rockström faz referência ao Acordo de Paris, que estabeleceu em 2015 o compromisso de limitar o aumento global da temperatura a menos 2 graus Celsius, preferencialmente 1,5 graus. A ideia é que não se veja este número apenas como um objectivo desejável, mas sim uma barreira concreta, bem documentada pela ciência, a partir da qual a adaptação torna-se cada vez mais difícil (se não impossível). “Nós não podemos negociar com o planeta, nem com a atmosfera”, disse Johan Rockström.
O aumento do nível do mar, que pode fazer desaparecer países insulares como Tuvalu, ou mesmo o calor extremo, que pode fazer colapsar o corpo humano, são exemplos de limites rígidos à nossa capacidade de adaptação. “A adaptação em circunstância alguma pode substituir a mitigação”, frisou o cientista.
A luta contra a crise climática desdobra-se em duas vias: a mitigação e a adaptação. As sociedades tentam hoje controlar aquilo que provoca a mudança do clima através da redução da emissão de gases de efeito de estufa (mitigação). Paralelamente, esforçam-se para enfrentar os efeitos actuais e futuros do aquecimento global (adaptação).
Assim sendo, encerrar uma central a carvão é um exemplo de mitigação. Já garantir sistemas de ar condicionado a uma comunidade vulnerável constitui uma forma de adaptação. As duas frentes devem avançar em paralelo e com muita urgência – contudo, segundo o documento agora divulgado, persiste a ideia de que podemos sempre recorrer a uma “adaptação infinita” à medida que os termómetros do planeta disparam.
“Quanto menos mitigarmos, mais teremos de nos adaptar”, avisou Simon Stiell, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla inglesa), no início da apresentação do relatório “alarmante” que vem “confirmar aquilo que já sabíamos”.
A edição deste ano do documento Dez Novas Visões sobre a Ciência Climática foi elaborada por 65 autores de 23 países. Esta equipa foi convocada pelas redes internacionais Future Earth, The Earth League, World Climate Research Program, num esforço conjunto de produzir um documento que traduza para os decisores políticos, de forma clara e objectiva, dez mensagens essenciais para formular planos de acção climática baseados em evidência.
Os autores organizam em dez pontos o que diz a ciência hoje sobre os desafios climáticos, descodificando as interacções complexas entre as mudanças climáticas e outros factores de risco, como conflitos, pandemias, insegurança alimentar e desafios de desenvolvimento. Abaixo, resumimos as dez mensagens essenciais a reter para a acção climática.
Embora o ser humano tenha uma admirável capacidade de adaptação – fomos capazes de habitar zonas geladas e desérticas, por exemplo –, “seremos cada vez mais confrontados com os impactes intoleráveis da mudança do clima”, refere o relatório. Em resumo: a adaptação tem limites e, por isso, apesar de continuar a ser uma vertente essencial da acção climática, não pode substituir uma redução drástica da emissão de gases de efeito de estufa.
Estima-se que 1,6 mil milhões de pessoas vivam hoje em áreas vulneráveis. “Somos capazes hoje de identificar estes hotspots de riscos socioeconómicos. Este número – 1,6 mil milhões – vai dobrar até 2050 se continuarmos a queimar combustíveis fósseis. Isto equivaleria a quase um terço da população mundial”, afirmou Johan Rockström, director do PIK.
A crise climática é também uma questão de saúde pública. O aquecimento global tem efeitos negativos na saúde humana, animal e ambiental (trata-se de “uma só saúde”, uma vez que os ecossistemas estão interligados). A mortalidade causada por ondas de calor, o aumento do risco de novas pandemias e os fogos florestais a afectar a saúde física e mental são alguns dos exemplos citados.
Kristie Ebi, professora de Saúde Climática da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, lembrou na conferência de imprensa que já temos hoje “pessoas a morrer” em decorrência de eventos climáticos extremos. E que, por isso, a saúde ambiental deve estar “no coração das negociações da COP27”.
O aumento da intensidade e da frequência de eventos climáticos extremos, assim como dos impactes lentos mas nefastos – a salinização dos solos, por exemplo – vai provocar cada vez mais migrações involuntárias e deslocamentos.
“Podemos hoje dizer com um alto grau de confiança que as alterações climáticas têm afectado os padrões de mobilidade humana. E, para as populações mais desfavorecidas, a própria crise climática pode dificultar a possibilidade de adaptação através da mudança”, afirmou ao PÚBLICO Barbara Sedova, co-autora do relatório e responsável pelo FutureLab do PIK, numa videoconferência.
As alterações climáticas exacerbam as vulnerabilidades existentes na segurança humana, podendo abrir caminho para conflitos e contextos de violência. Mais uma vez, os cientistas acreditam que uma “mitigação eficaz e oportuna”, combinada com “estratégias de adaptação”, é essencial para manter as populações seguras e garantir a segurança nacional. “A mudança do clima não causa necessariamente conflitos, mas amplifica-os”, Johan Rockström.
A gestão dos solos deve estar focada no aumento da produção agrícola através de práticas sustentáveis, evitando assim as transformações de áreas verdes e biodiversas em terrenos de cultivo. Isto pode trazer benefícios como a segurança alimentar, a integridade do ecossistema e soluções climáticas. “No entanto, à medida que o planeta aquece, esses co-benefícios do sistema são menos prováveis de continuarem a existir”, lê-se no relatório.
As chamadas práticas sustentáveis no sector financeiro não estão a cumprir o principal objectivo, que é o de acelerar mudanças sistémicas profundas em direcção a uma economia verde e descarbonizada. De acordo com o relatório, isto acontece porque as iniciativas sustentáveis ainda estão a ser desenhadas por forma a se encaixarem no modelo de negócios actual, que é muito dependente dos combustíveis fósseis. Assim, o fluxo de capital não se está a deslocar para a área da mitigação, como seria desejável.
Os impactes negativos de eventos climáticos extremos já são uma realidade, sendo que a passagem do tempo só vai acentuar as trajectórias actuais. Uma mitigação urgente e uma adaptação adequada são indispensáveis para prevenir maiores perdas e danos em países expostos e vulneráveis. Embora estas perdas possam ser calculadas em termos monetários, há uma porção não quantificável que deve ser estudada e melhor compreendida. Uma política global e coordenada de compensação climática é “urgentemente necessária”, refere o relatório.
A resiliência climática depende de escolhas sociais que vão muito além das decisões políticas que ocorrem nos gabinetes ministeriais. Envolver a comunidade visada em todos os processos de decisão conduz a desfechos mais justos e produtivos. Apesar disso, os esforços de inclusão feitos até agora “têm sido insuficientes para fazer face às necessidades tanto da acção como da justiça climática”, refere o relatório.
A transformação socioeconómica necessária para “uma mitigação profunda e rápida” tem sido travada por sólidas barreiras estruturais. O obstáculo principal é uma economia alicerçada na exploração de recursos e na manutenção do status quo. O progresso social continua a ser medido através do crescimento do produto interno bruto (PIB), por exemplo, o que só favorece o aumento da emissão de gases de efeito de estufa.
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