Um projeto-piloto implementado numa exploração de vacas maronesas, em Vila Pouca de Aguiar, quer ajudar a combater as alterações climáticas, reduzir o risco de incêndio, quantificar a produção de biomassa nas pastagens e os efeitos do pastoreio.
O projeto Life Maronesa tem um financiamento de cerca de dois milhões de euros, comparticipado em 55% pela União Europeia, e estende-se até 2025.
“Aqui, na área do Casal da Bouça, nós adquirimos experiência com estas práticas mais sustentáveis e que estão, de forma natural, mais adaptadas ao impacto das alterações climáticas”, afirmou à agência Lusa Juliana Salvação, da associação florestal Aguiarfloresta, coordenadora do projeto.
A gestora do projeto destacou ainda o contributo do pastoreio para a redução do risco de incêndio florestal e a importância de replicar as “boas práticas” em outros baldios que fazem parte do Life, em Mondim de Basto, Ribeira de Pena e Vila Real, concelhos que são “solar” da raça autóctone maronesa.
No Casal da Bouça, na aldeia de Souto, em Vila Pouca de Aguiar, o produtor António Moutinho tem 130 vacas e novilhas em regime extensivo, ou seja, os animais andam a maior parte do tempo ao ar livre entre a serra do Alvão e os lameiros.
Esta exploração transformou-se numa “área de demonstração”. Ali foi construída, há já uma década, uma manga de maneio dos animais que é considerada única na região e “anti-stress” para as vacas e, nos lameiros e na montanha, foram colocados cercados e gaiolas de exclusão (de monitorização da herbivoria).
Também ali está a ser quantificada, pela primeira vez, a biomassa consumida pelas vacas, por dia, o que permitirá, também, apurar o rendimento do animal, por dia, em serviços de ecossistema, ou seja, os benefícios desta raça para o ambiente.
Trata-se, segundo o investigador Carlos Aguiar, do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), de “um ensaio fatorial” onde foram introduzidas variáveis: num cercado não há pastoreio, em outro corta-se o feno e num outro corta-se o feno e há pastoreio.
“E nós vamos ver o que acontece à flora e à produtividade”, referiu.
Com este estudo pretende-se recolher dados científicos e números que, segundo o responsável, “nunca foram quantificados”.
“No final vamos ficar a saber quantos quilos de biomassa produz um lameiro, mas também quantos quilos consome uma vaca”, salientou.
Carlos Aguiar explicou que o Life Maronesa “tem várias frentes”, desde a recuperação da fertilidade das terras nos lameiros, através da aplicação de calcário magnesiano, medida que classificou como importante porque a “produção de feno e de pasto condiciona o número e animais” que os criadores podem ter.
Outra frente é a recuperação dos solos nas montanhas, devastadas pelos incêndios de grande severidade, apostando nos fogos controlados, de baixa densidade, associados à herbivoria, ou seja, à ingestão das plantas por parte dos animais.
Carlos Aguiar referiu que “as vacas podem trazer atrás de si mais animais e mais plantas”.
“O discurso que liga a criação de gado à libertação de metano e a carbono na atmosfera, ao aquecimento global, aqui não, é ao contrário”, salientou.
Por sua vez, o produtor António Moutinho explicou a manga de maneio, construída pelo próprio, que foi inspirada num modelo americano e que visa o bem-estar dos animais.
Ao longo de um cercado com três círculos os animais são conduzidos para uma espécie de tronco, onde entram individualmente e são manuseados “sem entrarem em stress”, o que facilita as intervenções veterinárias, de sanidade e o seu transporte.
“O projeto tenta replicar o que estamos a fazer nesta exploração para outros criadores no sentido de introduzir alguma inovação para tornar as explorações mais sustentáveis ambiental, económica e socialmente”, salientou António Moutinho.
Para levar visitantes ou técnicos ao terreno foi criado o percurso do Pastoreio Sustentável e da Gestão da Paisagem Clima +, onde ao longo de 13 quilómetros foram espalhados 32 painéis, entre o Casal da Bouça até à Serra do Alvão, que descrevem as várias etapas e iniciativas do projeto.
Os mentores do projeto acreditam que o incremento do consumo e do preço da carne de raças autóctones de montanha, criadas em extensivo, traduz-se em fogos de menor intensidade, mais carbono sequestrado no solo, maior diversidade de espécies e ecossistemas, ganhos de bem-estar animal e em rendimentos acrescidos dos criadores de gado.
“O número de animais e de produtores tem vindo a diminuir e é importante valorizar estas atividade enquanto motor de desenvolvimento rural e social e cativar novos pastores e produtores e gado para a região”, afirmou Juliana Salvação.
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