terça-feira, 30 de novembro de 2021

Polvos, caranguejos e lagostas são seres sencientes, e não devem ser cozidos vivos, pois são capazes de sentir dor

Fonte: aqui

Até aqui, estes animais não eram vistos como capazes de sentir dor, por serem invertebrados. Mas agora são considerados seres sencientes, e cientistas ingleses pedem o fim de práticas dolorosas para os animais

De acordo com o relatório, estes animais são capazes de sentir dor e sofrimento. A descoberta levou o Governo do Reino Unido a adicionar estas espécies animais à categoria de ‘seres sencientes’, protegidos por um diploma legal que está em vias de ser aprovado no país.

O âmbito do Projeto de Lei do Bem-Estar Animal foi assim alargado para reconhecer os crustáceos decápodes e moluscos cefalópodes como seres sencientes, abrangidos pela proteção deste diploma legal, anunciou o Governo britânico. O Projeto de Lei do Bem-Estar Animal já reconhecia previamente como seres sencientes todos os animais vertebrados.

Fundamental para a inclusão destes animais na categoria de seres sencientes foi a descoberta de que têm sistemas nervosos centrais complexos. O relatório utilizou oito critérios diferentes relacionados com a função neurológica e comportamento dos animais, para medir a sua senciência. Aferiram, por exemplo, da capacidade de aprendizagem, presença de recetores de dor, ligações entre os recetores de dor e certas partes do cérebro, resposta a analgésicos e anestésicos, e ainda comportamentos como o equilíbrio entre ameaça e oportunidade de recompensa, ou proteção contra lesões ou ameaças.

Os animais que preencheram mais requisitos foram os polvos. Os cientistas encontraram provas “muito fortes” de senciência em polvos, e provas “fortes” em relação à maioria das espécies de caranguejos. Para os restantes animais destes grupos, como lulas, chocos, lagostas, etc. foram encontradas provas “substanciais”.

No entanto, os investigadores admitem que esta diferenciação entre as provas encontradas se prende com algumas limitações dos estudos efetuados. “A atenção científica tem vindo a ser dirigida a alguns animais em vez de outros por razões de conveniência prática (por exemplo, que animais podem ser mantidos em laboratórios) e geografia (por exemplo, que espécies estão disponíveis perto dos laboratórios). Devido a esta situação, pensamos que seria inadequado limitar a protecção a ordens específicas de cefalópodes e de decápodes”, pode ler-se no relatório.

A iniciativa já vinha sendo discutida, na sequência de um relatório publicado pela ONG Conservative Animal Welfare Foundation (CAWF), que reúne evidência científica de que estes animais são capazes de sentir tanto dor como prazer, bem como de analisar opções para para evitar predadores, conseguir alimento e evitar ambientes indesejáveis. A organização argue que a definição do que é um ser senciente deve ser revista – antes, o argumento para não classificar os decápodes e cefalópodes como sencientes prendia-se com o facto de estes não serem vertebrados – algo que a ONG vê como uma visão demasiado “antropocêntrica”, que “não capta o que significa para um animal ser senciente”.

“Acreditamos que as provas são suficientes para mostrar que estes animais experimentam de facto prazer e dor”, pode ler-se. “Dada a força das provas e o vasto número de animais envolvidos, é importante que ultrapassemos a questão de saber se estes animais podem sofrer, para a exploração de como podemos aliviar o seu sofrimento”.

O documentário da Netflix intitulado “A Sabedoria do Polvo” também contribuiu largamente para trazer para o centro do debate a questão da senciência e sensibilidade destes animais, que são capazes de atos tão ‘humanos’ como sonhar ou resolver puzzles.

O relatório agora publicado enuncia ainda recomendações em relação a algumas práticas comerciais, como a remoção das pinças, no caso dos caranguejos, lagostas e lagostins, transporte e abate dos animais, entre outras. É mencionado, por exemplo, que o atordoamento dos animais através de “descargas elétricas segundo parâmetros adequados para a espécie pode induzir um estado semelhante a convulsões em decápodes relativamente grandes, o que diminui, sem abolir totalmente, a resposta do sistema nervoso à água a ferver”. Os cientistas recomendam que sejam realizados mais estudos sobre a adequação desta medida no abate destes animais.

Recomenda-se ainda que certos métodos de abate sejam abandonados, como a imersão em água a ferver ou a separação da cabeça ou abdómen do tórax (no caso dos decápodes), e são indicados métodos mais humanos que devem ser usados em alternativa – preferencialmente, precedidos do atordoamento com recurso a descargas elétricas.

No entanto, trata-se apenas de recomendações: o projeto de lei não ambiciona implementar mudanças obrigatórias nas práticas de pesca e captura destes animais, nem na indústria da restauração. O projeto de lei tem antes o objetivo de “assegurar que o bem-estar animal é considerado em decisões futuras”, segundo o Governo britânico.

De acordo com Zac Goldsmith, Ministro do Ambiente e Clima, do Bem-Estar Animal e Florestas do Reino Unido, “a Lei do Bem-Estar Animal fornece uma garantia crucial de que o bem-estar animal é adequadamente considerado ao desenvolver novas leis. A ciência é agora clara, e diz que os decápodes e cefalópodes podem sentir dor e por isso é justo que sejam abrangidos por esta peça vital de legislação”.

Sem comentários: