Para quem acreditou que o ambientalismo era uma moda passageira no início da década de 90, o palpite foi infeliz. No divisor de água representado pela Eco-92, o Brasil e o mundo testemunharam e protagonizaram o pensamento ecologista que se tornaria um movimento essencial. O dia 5 de junho é o dia Internacional de Meio Ambiente e recheia-se de enredos, tramas e temas, muitas vezes trazendo mais controversas do que consensos.
Aceita tardiamente pela academia, como na maioria das vezes a vanguarda vem de fora das ciências, o ecologismo hoje é uma pauta presente nos discursos científicos. Brown & Toadvine (2003) são dois fenomenólogos americanos que debatem a importância da filosofia ser mais pragmática e menos metafísica face à urgente necessidade de mudança dos padrões de vida da sociedade.
Entre os grandes teóricos, o legado de Nietzsche trouxe contribuições para fomentar a necessária ruptura contra uma ontologia dualista, buscando suavizar as dicotomias entre a objetividade e a subjetividade; homem e mulher; cultura e natureza; e outros pares binários que segregaram mundos. Embora Heidegger teimasse em considerar a natureza como um objeto de exterioridade, ele percebeu que era necessário mudar os valores consumistas para que o pensamento ambiental trouxesse uma linguagem multidisciplinar (Brown & Toadvine, 2003, p.122). Embora não falasse em ambientalismo, o pensamento de Bachelard foi precioso em evidenciar os quatro elementos, assim como sua contribuição poética ao devaneio onírico de sonhadores ecologistas. Foi com Merleau-Ponty que o pensamento ecologista ganha dimensões experimentadas, “nas vozes das coisas, ondas e florestas” e na orientação de que os humanos necessitavam admitir a existência intrínseca dos não-humanos no mundo vivido dos sentidos.
Os ecologistas não conseguem ser pessimistas, e nossos discursos são recheados de desejos de mudanças do mundo. Os filósofos garantem, todavia, que tais mudanças exigem um novo desenho que obriga que a humanidade reinvente os pensamentos, atos e experiências, propondo uma guinada nos modelos estabelecidos, principalmente na noção desenvolvimentista da economia. É nesta emergência que foi preciso escrever uma Carta da Terra, e em Mato Grosso, pelos sonhos da educação ambiental.
A Conferência Internacional da Carta da Terra realizou-se em Cuiabá, em 1998. Particularmente para a América Latina, os avanços foram significativos. Incluímos itens importantes à nossa história, como a criação de um fundo internacional para o combate à fome e à miséria, a taxação do capital internacional, a taxação do capital das indústrias bélicas, a efetivação adequada das políticas de transferência de tecnologia e a renegociação da dívida externa, além do respeito à todas as formas de vida.
Mas o nascimento da Carta da Terra é anterior a conferência, surgindo entre o DESENVOLVIMENTO sustentável e as SOCIEDADES sustentáveis, durante a Eco-92, que trouxe seu momento histórico, ao abrir para o mundo a possibilidade de erradicar a miséria com a incorporação da preocupação ambiental. Enquanto os representantes do governo assinalavam a Agenda 21 como estratégia ao século XXI, a sociedade civil demarcava uma espécie de contraforum, orientando a tática das sociedades sustentáveis no Tratado de Educação Ambiental. O nascimento da versão preliminar da Carta da Terra, documento que ficou vários anos como rascunho para só depois ser perene [após esgotar as discussões com representantes mundiais], originou-se também no debate sobre a internacionalização do cuidado ético com a Terra.
O documento traz a sua valiosa colaboração para uma interlocução mundial, por meio das ações e reflexões para que Governos e Sociedade Civil busquem a necessidade de mudanças para os cuidados com a Terra, começando com a postura individual de cada habitante deste planeta. A articulação central ancora-se no sentido ético das ações humanas para a manutenção da biosfera, ampliando os espaços para as ciências, à Filosofia, à educação, além de outras expressões como as artes, religiões ou políticas. A Carta da Terra possui 16 princípios gerais orientados pelo respeito e cuidados com as comunidades de vida; da integridade ecológica; da justiça social e econômica; e da democracia pela paz e não violência. Das diversas experiências realizadas pelo mundo, e a Educação Ambiental é sublinhada como uma alavanca nos processos de sensibilização e internalização de seus princípios.
A mudança do paradigma que destrói a Terra é emergencial, e obviamente, não é nenhuma tarefa fácil. O horizonte temporal para que a Terra continue existindo, contudo, tem pressa, pois a destruição é avassaladora. A Carta da Terra é um convite para que cada habitante deste planeta consiga rever o modo de pensar e agir, respeitando a teia de vida que liga mundos particulares aos universais. Sobremaneira, é essencial pensar que a responsabilidade pertence à humanidade, e que esta deva estar consciente de que só existe vida se conjugada a tantas outras formas de vida não-humanas, além de todo sistema de matéria e energia que fluem e confluem no bater de asas da esperança.
PARA SABER MAIS
BROWN, Charles & TOADVINE, Ted (Eds.) Eco-Phenomenology: back to the Earth itself. New York: State University of NY Press, 2003.
Contributos de Heidegger para a Fenomenologia Ecológica (crónica)Postagens BioTerra sobre a Carta da Terra (aqui)
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