sábado, 17 de junho de 2017

País quer fazer mais pela natureza, mas falta-nos um bom retrato da biodiversidade

Recuperação de atrasos na monitorização será essencial para o sucesso da nova Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade, que vai para discussão pública.


Portugal vai ter até ao final do ano uma nova Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade. O documento, que entra em discussão pública na segunda-feira, coloca o país perante um compromisso mais exigente do que as metas internacionais de curto prazo, que propõem o estancar da extinção de espécies vulneráveis e da degradação dos habitats, e ambiciona conseguir, até 2025, “uma recuperação e valorização do património natural”. Um caminho difícil, tendo em conta o desconhecimento, assumido, do estado em que se encontram muitas das espécies a proteger e os respectivos habitats.

“Os últimos anos foram tempos muito duros para a conservação da natureza em Portugal”, nota o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, assinalando que só recentemente foram lançados os concursos para a elaboração da cartografia dos habitats e dos planos de gestão dos 60 sítios da Rede Natura 2000, abrangendo 22% do território e 90% das áreas protegidas.

Atrasos de anos
Estes trabalho é essencial para a definição de prioridades, metas específicas de curto e longo prazo e modelos de gestão destes espaços. Segundo a ENCNB, o quadro de referência na caracterização dos habitats naturais em Portugal tem cerca de 20 anos, e pelo meio o país investiu muito pouco na monitorização, o que significa que os dados estão desactualizados. A gestão das áreas protegidas assenta em instrumentos de planeamento também com mais de duas décadas, e Portugal já leva um atraso de seis anos na constituição das Zonas Especiais de Conservação, um novo estatuto de protecção para os Sítios de Interesse Comunitário identificados na Rede Natura 2000.

A ENCNB 2025 assenta em três eixos estratégicos, a partir dos quais são sistematizados 30 objectivos que se desdobram numa centena de medidas. Tem como propósito fundamental a melhoria do estado de conservação de habitats e espécies, mas considera que tal será difícil de atingir sem “a apropriação dos valores naturais e da biodiversidade pela sociedade, aos mais diferentes níveis” e sem o reconhecimento do valor do património natural.

Na estratégia europeia para a diversidade, de 2011, estimava-se, por exemplo, que os serviços ambientais prestados pelas zonas da Rede Natura 2000, cuja manutenção custava 5,8 mil milhões de euros por ano, podiam chegar aos 300 mil milhões de euros por ano.

Matos Fernandes argumenta que o país não pode centrar-se em visões do passado e continuar a articular o verbo conservar, isoladamente. “É preciso cuidar e valorizar também”, insiste, considerando que sem investimento na designada Economia Verde, sustentada nos recursos existentes nas áreas protegidas, o país dificilmente conseguirá estancar o processo de despovoamento do interior que, insiste, acaba por ter consequências negativas na biodiversidade.
Portugal perdeu 10% da população nos chamados territórios de baixa densidade, mas nas áreas sob protecção, essa perda foi de 20%, argumenta Matos Fernandes.

Entre os 30 objectivos da futura estratégia Nacional contam-se, no primeiro eixo a consolidação do sistema nacional de áreas classificas e da sua gestão; a melhoria do estado de conservação dos habitats e a tendência populacional das espécies protegidas; a aprovação de intervenções de âmbito nacional nesse sentido; o reforço do controlo de invasoras; a promoção da diversidade genética animal e vegetal; o reforço da regulamentação legal e das condições para o seu cumprimento; o reforço da investigação orientada para os objectivos anteriores; a monitorização continuada do estado de conservação dos valores naturais e o aumento da visibilidade destes, bem como da percepção pública dos serviços prestados pelos ecossistemas.

No segundo eixo, o do reconhecimento do valor do património natural, a ENCNB prevê o mapeamento e avaliação dos ecossistemas e medidas para melhorar a sua capacidade de fornecer serviços de forma durável. Abre-se a projectos que ajudem a pôr em evidência a economia da biodiversidade, assume a necessidade de um maior investimento público na conservação deste património natural e da criação de instrumentos fiscais que incentivem a sua exploração sustentável. Estes, propõe, terão de ser contrabalançados com o fim de apoios a actividades que possam ter um impacto negativo para os valores naturais a proteger.

No terceiro e último eixo, que procura fomentar a apropriação dos valores naturais e da biodiversidade, entram todas as medidas que permitam aprofundar os contributos da agricultura, da silvicultura, das pescas e outras actividades que utilizam os recursos marinhos e os recursos em rios e águas interiores para a conservação da natureza e a preservação das espécies. Inclui também medidas que, permitindo ao país cumprir as metas do clima, mitiguem o impacto estimado das alterações climáticas nos ecossistemas, e pretende assegurar que a exploração de recursos minerais respeita a biodiversidade.

Aposta no biológico
Esta incorporação dos valores naturais na actividade humana não deixa de lado a aposta no turismo de natureza e o aumento da oferta de produtos e serviços integradores do património natural e cultural. E abarca também a necessidade de assegurar a sustentabilidade da utilização de recursos genéticos marinhos ou terrestres por sectores da biotecnologia ou a investigação científica.

Neste eixo, o plano aborda também a necessidade de mitigar a ausência de conectividade entre habitats (adaptando, se necessário, as vias de transporte que cortam o território) e a cobertura adequada, em termos de telecomunicações, das áreas protegidas, como forma de dinamizar a visitação e assegurar um rápido socorro em caso de acidentes. Um projecto em linha com este objectivo está a ser levado a cabo no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A nova estratégia vai para discussão pública, mas alguns dos instrumentos que contribuem para o seu sucesso estão em fase mais adiantada. O Conselho de Ministros aprovou ontem, numa reunião com uma agenda dedicada ao ambiente, o Plano de Acção para a Economia Circular, que, visando incentivar práticas de reutilização de produtos e a incorporação de resíduos na produção de novos bens diminui a necessidade de matérias-primas e a pressão sobre os ecossistemas.
O Governo aprovou também a Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica e o Plano de Acção para a produção e promoção de produtos agrícolas e géneros alimentícios biológicos, tendo em vista um aumento do consumo e o fomento da exportação.
Ao mesmo tempo é criado o Observatório Nacional da Produção Biológica que tem como principais funções avaliar e apresentar propostas de revisão da estratégia.

Milhões para educação ambiental
Outro diploma que saiu desta reunião do Conselho de Ministros foi a Estratégia Nacional para a Educação Ambiental (ENEA), com um pacote de investimento de 18,2 milhões de euros, até 2021. O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, destacou o facto de a ENEA incluir a possibilidade de realização de actividades destinadas a empresas e respectivos funcionários, não se quedando pelas medidas destinadas ao público escolar.
Os três grandes eixos temáticos da ENEA são a descarbonização da sociedade (com implicações em sectores como os transportes ou a energia), a economia circular e a questão da valorização do território. A maior parte das verbas disponíveis são do Prograqma Operacional para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos, sendo o restante alocado a partir do Fundo Ambiental. Segundo o ministro as organizações não governamentais e os privados vão poder candidatar-se já em Julho a uma linha de apoio a projectos, no valor de 1,5 milhões de euros, provenientes deste fundo. 


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