quinta-feira, 19 de maio de 2022

Animais homossexuais – Uma questão de irracionalidade?


Para os animais, não há sequer a expetativa do “assumir” da sua orientação sexual, ao contrário dos humanos, pressionados socialmente por essa mesma palavra, como se se tratasse de alguma responsabilidade de notificação da sociedade, satisfazendo uma necessidade mesquinha de julgamento alheio. Eles são simplesmente aquilo que são, sem qualquer dilema moral ou complicação a nível social
No passado 17 de maio, celebrou-se o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, tendo sido alcançados 32 anos da remoção da homossexualidade enquanto doença classificada da Organização Mundial de Saúde. Este momento de celebração recordou-me, que pela altura do meu nascimento, o estigma social dirigido a homossexuais – e “por defeito” a todas as pessoas que hoje se identificam enquanto LGBTQI+ – era ainda promovido pela referida entidade.

Tudo isto me reavivou memórias de várias conversas e discussões, quer em ambiente escolar, quer em convívio entre amigos, conhecidos ou familiares. Naturalmente, inúmeros disparates – baseados em preconceitos ou pura ignorância – são proferidos em catadupa quando tratamos estes temas, que gostamos de afirmar como sendo “fraturantes”. A partir de algumas dessas considerações decidi escrever este artigo, sobre o qual vos convido a refletirem.

Há alguns anos, apanhei-me numa discussão com amigos e conhecidos. Entre imperiais, debatia-se a expressão “escolha”, no que respeita à orientação sexual de uma pessoa. Comecei por expor que a orientação sexual não seria uma escolha, mas que independentemente da mesma, determinado indivíduo poderia escolher ter uma relação homossexual por qualquer motivo que lhe aprouvesse. A conversa foi então desbravando caminho até ao ponto em que alguém afirmou: “escolha ou não, comportamentos homossexuais não são naturais”. Perante esta afirmação, retorqui: “Quer comportamentos homossexuais, quer orientação homossexual, são algo de natural. Na medida em que existem transversalmente na natureza, não são um fenómeno exclusivo dos humanos.”

De facto, independentemente de se tratarem de animais gregários ou solitários, a homossexualidade e comportamentos homossexuais estão descritos em variadas espécies do Reino Animal, desde besouros a chimpanzés bonobo, ou até mesmo em golfinhos e elefantes. Já em 1999, Bruce Bagemihl, na obra intitulada “Biological Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity” (Exuberância Biológica: Homossexualidade Animal e Diversidade Natural – tradução livre), descreve a prevalência de comportamento e/ou orientação homossexual como praticamente universal no reino animal, tendo sido observada em mais de 1500 espécies de animais, com sólida documentação em mais de 450 das mesmas. Portanto, é no mínimo algo de frequente e comum entre as diferentes espécies animais.

Após ser escutado com alguma atenção, reparei num revirar de olhos e sorriso condescendente da parte de alguém, acabando por me dizer: “Mas os outros animais são irracionais. Nós, seres humanos, somos racionais”.

Confesso que ainda hoje preciso de respirar fundo sempre que ouço aquela frase, seja naquele contexto, seja noutro qualquer. O que me incomoda mais, na verdade, é a forma e não tanto o conteúdo, pois trata-se sempre de uma “declaração”, como se não houvesse qualquer espaço para uma teoria ou proposta diferente. Efetivamente, é um lugar comum abordarmos o tema da racionalidade enquanto domínio exclusivo dos humanos, até mesmo por pessoas altamente letradas. É uma questão cultural que acredito estar intimamente relacionada com crenças religiosas, mais concretamente com as que assentam parte da sua construção dogmática no antigo testamento. Ora, segundo a Bíblia Sagrada (Génesis), Deus terá criado a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, no jardim do Éden. Ao “homem” era permitido alimentar-se de todas as árvores, com excepção da sagrada Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.

Não querendo ser muito exaustivo e também por se tratar de uma história sobejamente conhecida, em suma, Eva cedeu à tentação quando se deixou encantar pelo discurso de uma serpente, seduzindo Adão seguir-lhe o gesto.

Deixando para segundo plano a trama bíblica, além das consequências reais mais óbvias destes escritos – a culpabilização crónica da mulher e a demonização das serpentes – vale a pena debruçarmo-nos sobre a consequência exclusivamente associada ao consumo do fruto proibido. Ou seja, Adão e Eva acederam à fonte do conhecimento, apercebendo-se automaticamente da sua condição de nudez e ganhando a noção de vergonha. Por simples que possa parecer, este é o momento chave, ditado biblicamente, que nos torna seres racionais, ao invés dos restantes animais criados por Deus e que nunca provaram daquele fruto.

À parte destas crenças, não há fundamentos científicos para afirmar a irracionalidade das restantes espécies animais, fazendo com que esse argumento, associado à sua potencial expressão homossexual, seja inválido, pura e simplesmente. Os animais podem exibir comportamentos homossexuais tanto pela sua orientação, como pela simples procura de prazer, ou até mesmo em busca de vantagens sociais.

Quando me perguntam se acredito não haver diferenças entre nós e as restantes espécies, reconheço que evoluímos no sentido da elaboração de sociedades, da definição de regras e da criação de instituições, procurando garantir a prosperidade da nossa espécie. No entanto, perdemos a simplicidade que caracteriza as pequenas comunidades de animais, onde coisas como a orientação sexual são simplesmente irrelevantes, não por irracionalidade, mas sim por racionalidade. Para os animais, não há sequer a expetativa do “assumir” da sua orientação sexual, ao contrário dos humanos, pressionados socialmente por essa mesma palavra, como se se tratasse de alguma responsabilidade de notificação da sociedade, satisfazendo uma necessidade mesquinha de julgamento alheio. Eles são simplesmente aquilo que são, sem qualquer dilema moral ou complicação a nível social.

Enfim, talvez possamos aprender algo com os ditos “irracionais”…

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