sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Poema da Semana - Luís de Camões



Oh, lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
como vivem no campo sossegados!

Dá-lhes a justa terra o mantimento,
dá-lhes a fonte clara a água pura,
mungem suas ovelhas cento a cento.

Não vêm o mar irado, a noite escura,
por ir buscar a pedra do Oriente;
não temem o furor da guerra dura.

Vive um com suas árvores contente,
sem lhe quebrar o sono sossegado
o cuidado do ouro reluzente.

Se lhe falta o vestido perfumado,
e da fermosa cor assíria tinto,
e dos torçais atálicos lavrado;
se não tem as delicias de Corinto,
e se de Pário os mármores lhe faltam,
o piropo, a esmeralda, e o jacinto;
se suas casas d'ouro não se esmaltam,
esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
onde os cabritos seus, comendo, saltam.

Ali amostra o campo várias cores,
vêm-se os ramos pender co fruto ameno,
ali se afina o canto dos pastores:
ali cantara Títiro e Sileno.

Enfim, por estas partes caminhou
a sã justiça para o Céu sereno.

Ditoso seja aquele que alcançou
poder viver na doce companhia
das mansas ovelhinhas que criou!

Este, bem facilmente alcançaria
as causas naturais de toda a cousa:
como se gera a chuva e neve fria;
os trabalhos do Sol, que não repousa;
e porque nos dá a Lua a luz alheia,
se tolher-nos de Febo os raios ousa;
e como tão depressa o Céu rodeia;
e como um só, os outros traz consigo;
e se é benina ou dura Citereia.

Bem mal pode entender isto que digo
quem há-de andar seguindo o fero Marte,
que traz os olhos sempre em seu perigo.

Porém seja, Senhor, de qualquer arte,
que, posto que a Fortuna possa tanto,
que tão longe de todo o bem me aparte,
não poderá apartar meu duro canto
desta obrigação sua, enquanto a morte
me não entrega ao duro Radamanto,
—se para tristes há tão leda sorte.

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