Hoje o Jornal de Negócios traz-nos uma notícia que parece ter sido escrita pelo departamento de marketing de uma federação patronal e que tem um título que dispensaria a leitura do resto do artigo: Mercado pede um OE com mais PRR e menos impostos.
Não vou maçar-vos com comentários ao ‘pedido’ do ‘mercado’ de mais PRR. O Nuno Serra, por exemplo, já tratou convenientemente o enviesamento implícito desta converseta.
Também vou poupar-vos a comentários acerca das confusões teóricas ali abundantemente servidas a propósito do conceito de poupança, confusões essas com convenientes implicações práticas de curto prazo para o setores financeiro e segurador, porque já o fizemos, por exemplo, aqui.
Quero antes começar por recordar, como faz David Fickling nas páginas da Bloomberg, que se passaram oito anos desde que os governos da OCDE se comprometeram com uma ação coordenada de repressão da utilização de paraísos fiscais com o objetivo de minimizar os impostos sobre as empresas e subtrair aos Estados receitas que lhes pertencem.
Um compromisso que não podia ser mais meritório. Só assim se podem impedir as políticas fiscais do tipo beggar thy neighbour, ou seja, de empobrecimento do vizinho, numa tradução pobre porque não captura a falácia de composição que estas políticas encerram, políticas que minam a soberania nacional, desequilibram as contas públicas, as contas externas e a distribuição do rendimento nacional, prejudicando, no fim do jogo, todos os países envolvidos e, neles, sobretudo, quem vive não de lucros, mas do seu trabalho presente ou passado.
No entanto, como sói dizer-se, de compromissos e piedosas intenções está o inferno cheio. Se alguma coisa mudou no regabofe que dura há 4 décadas, o que é hoje diferente é ainda pior. Fazendo fé na caixa de Pandora que se abriu recentemente ao sempre maçador escrutínio público, os espertalhões facilitadores deste mundo, entre eles, o Morais Sarmento, o Vitalino Canas e o Manuel Pinho, continuam, impunemente, a colocar o carcanhol ao fresco enquanto, substantivamente, os países que se comprometeram a tomar medidas para impedir esta fuga à tributação nacional mais não fizeram do que descer a taxa de impostos sobre os lucros.
É a fotografia da corrida para o fundo onde todos, menos os que fogem aos impostos, perdem. É um quadro com caixilho neoliberal de onde os tais mercados, com lugar sempre garantido na opinião publicada, vão deixando claro que, se as ‘distorções’ não forem removidas, se as políticas não forem ‘amigas da poupança’, se os impostos não baixarem, se o país não for ‘fiscalmente competitivo’, dizem-nos veladamente, a massa acaba num qualquer paraíso fiscal, ou seja, no inferno da soberania nacional, do Estado Social e de quem, vivendo do cheque ao fim do mês, não pode, evidentemente, pagar de modo chorudo a um qualquer ‘consultor’ para que este lhe coloque o salário nas Bahamas.
Consequentemente, como bem se pode compreender, com impostos cada vez mais baixos, as empresas retêm cada vez mais lucros e com lucros a pesar cada vez mais no rendimento nacional, os salários pesam cada vez menos.
Sucintamente, como chegámos a esta bandalheira? Como também afirma, bem, David Fickling “as pessoas encarregadas de redigir as leis e tratados [os tais Sarmentos, Canas e Pinhos deste mundo, digo eu] que sustentam os fluxos internacionais de capital têm muito a ganhar com a atual configuração. Enquanto uma quantidade irracional de riqueza e poder estiver concentrada nas mãos de alguns indivíduos e empresas, eles procurarão formas de transferir bens para qualquer lugar que prometa tratá-los de forma mais clemente” (...) “[e]m última análise, o problema reside nos fluxos desenfreados de capital que se deslocam pelo globo desde o fim, nos anos 70, do sistema de Bretton Woods” e, assim sendo, “[s]e os governos quiserem abordar a causa da evasão fiscal em vez de aplicarem infindáveis pensos rápidos aos sintomas, essa decisão [a livre circulação internacional de capitais] deve, em última análise, ser revista”.
Um comunista lunático, este tipo da Bloomberg, só pode. E no entanto, obviamente, para mudar este irracional e imoral estado de coisas não basta reconhecer que "a natureza de curto prazo e a volatilidade inerente dos fluxos globais de capital são problemáticos” e cruzar os braços; de facto, para além da evasão fiscal e das suas consequências distributivas, as razões para abandonar a livre circulação de capitais são muitas e, parece-nos, claras.
Para finalizar, e para agrado de alguns dos nossos estimados leitores e desagrado de outros, cá estamos novamente perante a questão das vestes do monarca, ou seja, da questão da União Europeia, onde a pertença depende da aceitação da livre circulação de capitais, uma das 'quatro liberdades' que obrigam os seus membros. Liberdades para uns, servidão para outros, como se vê.
Fonte: aqui
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