A Inteligência Artificial é o maior engodo. Está à vista de todos.
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Se eu tivesse sido aluna com power points, IA, tinha fugido - podiam ter tentado medicar-me com ritalina, e aí talvez eu ficasse quieta, dopada. A única coisa que vale a pena nas aulas não é aprender a usar uma tecnologia (ou aprender a mentir sobre ela). É a paixão do conhecimento, é saber que algo era óbvio e afinal é irrelevante, que comichão se dá na barriga a essa hora, ou quando estávamos plenamente convencidos de um argumento e ele se demonstra muito mais complexo, é a ousadia de pensar algo que nunca foi pensado, é pensar juntos, que invenção, senhores, uma aula é uma relação colectiva. Face a face, em diálogo, não a olhar para um quadro, ecrã, é em relação, olhar a olhar, grande parte de uma aula, recorda Dejours, está no corpo, no olhar surpreso dos alunos, entusiasmado do professor, na postura inquieta dos colegas, tudo isso são sinais de sublimação (prazer, sim prazer hoje está associado ao sexo, mas prazer deve estar associado ao trabalho, desejo, desejo de saber mais, desejo de ensinar mais, desejo de criar depois de falhar, errar). Por isso as aulas em U são maravilhosas. Parem de nos enfiar pela goela abaixo - através da imposição de governos - o lucro do Zuckerberg.
As Plataformas foi a saída da Banca para a crise de 2008 e está a ser a saída prestes a rebentar numa bolha bancária mais apocalíptica. Entretanto, serviu para nos colocar a todos horas por dia a alimentar a IA, exaustos, como o nome de "modernização digital", impedindo-nos de ter serviços públicos. Tudo financiado com impostos nossos nos "fundos europeus" que são impostos nossos. Nada funciona, estamos exaustos, e o grosso da IA serve para uma coisa - indústria militar. É aí a sua mais eficaz aplicação. Estamos em coma, sem ver o óbvio. Na educação atingiu-se o ponto mais baixo de sempre - a mentira, o plágio, estamos a caucionar como docentes a legitimação da mentira social. Estamos a ensinar a mentir como um acto "normal".
Serviu para nos colocar em situação patéticas online, sem conseguir ser atendido, na educação é a completa catástrofe, na saúde os erros do algoritmo acumulam-se, recolhemos testemunhos de enfermeiras da saúde 24 que dizem "o resultado do telefonema é um algoritmo errado, nós sabemos porque estamos a falar com o doentes, mas temos x tempo e o algoritmo dá uma conclusão errada e ficamos ali, o que fazer?". Os médicos estão em sofrimento ético, cúmplices com estas práticas. Há robot maravilhosos a fazer cirurgias mas as maternidades fecham, com o financiamento a robots... Uma loucura! Há aeroportos bloqueados, serviços que colapsam.
E milhões de pessoas todos os dias obrigadas a alimentar estas plataformas, com a cumplicidade de directores "amigos", capatazes de serviço, que obrigam a que professores, médicos, enfermeiros, dentistas, advogados, jornalistas, designs, arquitetos, passem horas a alimentar com dados gratuitos a sua própria forca. Mais - as plataformas obrigam a que façamos erros, porque elas erram e porque é exaustivo, e esses erros são usados contra quem trabalha como ameaça pelos direcções. A IA, que tem meia dúzia de donos, trilionários, visa substituir o trabalho humano com garantias de qualidade zero ou perto disso - nada pode substituir o trabalho real, o engenho, a relação presencial, nem pelo trabalho em si, nem pelas pessoas, que se realizam no trabalho. O que se está a fazer é escravizar milhões.
A vida tornou- se um inferno, pós-covid. Passamos uma parte esmagadora do nosso dia a fazer tarefas inúteis que consistem em alimentar de dados as plataformas. A subir aulas online já prontas, a dar dados de alunos com avaliações, sumários detalhados, a colocar os trabalhos em detectores de plágio (como se fossemos polícias, e como se não soubéssemos quando eles copiam, mentem ou não sabem).Já houve colapsos em aeroportos, programação, o ChatGPT acabou de contratar uma equipa de criativos para vender a IA porque a IA não consegue fazer nada critativo. Trump, cujo apoio vem dos donos da IA e Plataformas, colocou esta semana um vídeo de IA a distribuir merda sobre os mais de 13 milhões de manifestantes. É este o estado a que chegámos.
Chamam-nos objectores de consciência. Quando eu peço a alunos para ler e escrever um ensaio, há 20 anos que o faço, sem qualquer IA, eu não estou a pedir que ele saiba, estou a fazer com que ele aprenda. Aprenda errando, falhando, juntos. Eu não estou a dar-lhe "competências" mas conhecimento. Ao fazer o ensaio ele vai-se deparar com a estrutura, como identificar o tema, o problema, como estruturar argumentos, como corrigir gralhas, como escolher um título, tudo isso é conhecimento que passa de mim para ele, e dele para mim porque é uma relação de ensino-aprendizagem.
Os donos da IA têm os filhos em escolas sem IA.
O que se está a fazer com os filhos de quem trabalha, com o dinheiro de quem trabalha, é um gigante processo de expropriação de conhecimento dos filhos de quem trabalha. Da mesma forma que não sabem pregar um prego, andar sem GPS, não saberão pensar, escrever, dialogar, criticar. E por isso não saberão relacionar-se, a violência no namoro não se resolve com uma missa de um power Point sobre respeito, resolve-se nas relações reais de cooperação. Deixo uma nota de optimismo, nas minhas aulas, há quase 20 anos, só avalio por ensaios, escritos e debate oral em seminário, e tenho quase zero de absentismo. Os alunos estão a fugir das aulas power-point. E os professores estão fartos. Só falta organizar esta gente toda para resistir a este colapso ético, e em breve, bolha sistémica. Lê-se copos dos milhões de lucros dos donos destas plataformas, que sugam recursos públicos recorrendo à pilhagem generalizada de direitos de autor. E à nossa exaustão. São ladrões, de facto.
O texto do Dejours chama-se O Teletrabalho à Luz do Corpo está no novo livro do nosso Observatório para as Condições de Vida - OCV Trabalhar e Viver no Século XXI (Humus)
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