Precisamos sim não de um choque tecnológico mas ideológico, mais de acordo com a Carta da EcoPedagogia .
Com bem defende e descreve o Pimenta Negra,a EcoPedagogia trabalha com a fundamentação teórica da cidadania planetária cuja ideia é dar sentido para a acção dos homens enquanto seres vivos que compartilham com as demais vidas a experiência do planeta Terra. Ou seja, constitui-se um verdadeiro movimento político e educativo cujo projecto é mudar as actuais relações humanas, sociais e ambientais. A promoção das sociedades sustentáveis e a preservação do meio ambiente depende, de acordo com a ecopedagogia, de uma consciência ecológica e a formação dessa consciência depende da educação.
Mais de 10 anos a resisitir e a sonhar ...e tanto desinvestimento na Educação em geral e sobretudo no meio rural.
É triste.
Escola Rural: Fonte de Insucesso ou Pólo de Desenvolvimento?
Por Rui d’Espiney, dirigente do ICE-Instituto das Comunidades Educativas
A ameaça que há muito pairava vai concretizar-se: centenas de pequenas escolas rurais serão encerradas. A longo prazo serão milhares: todas as que tiverem menos de vinte crianças. Já no próximo ano fecharão as portas mais de quinhentas.
Para o viabilizar, o Ministério da Educação quis o aval das autarquias e nesse sentido – em ordem a melhor legitimar a sua medida – levou a Associação de Municípios a apor a sua concordância num acordo protocolado.
Argumento invocado, e que esta associação invoca para justificar o seu aval, a ideia de que há uma relação directa entre o insucesso e a dimensão da escola.
Antes de nos debruçarmos sobre as consequências sociais, culturais e mesmo políticas desta opção, gostaríamos de nos deter sobre o argumento invocado e fazê-lo à luz de duas questões:
- Será que a pequena escola rural é fonte de um dramático insucesso, como nos querem fazer querer? E será que a concentração de escolas funciona, efectivamente, como um remédio para esse mal?
Comecemos pela primeira questão.
É verdade que sobre a pequena escola rural pesa um conjunto de situações que a colocam em desvantagem face à grande escola urbana.
Desde logo e em primeiro lugar a sua descapitalização. Uma viagem pelas escolas rurais do nosso país mostra-nos a pobreza de recursos que a caracteriza. Na sua grande maioria não têm cantinas, não dispõe de ATL’se, acham-se degradadas e é escasso o material pedagógico que possuem. Não todas, que algumas há que, mercê de uma forte dinâmica e espírito reivindicativo, conseguiram apetrechar-se. Mas, repita-se, na maior parte dos casos prevalece o desinvestimento.
Em segundo lugar, a mobilidade do seu corpo docente. Em particular as que se acham mais isoladas e distantes dos centros urbanos, mais não são do que pontos de passagem dos professores na sua caminhada para uma escola maior, à beira de casa. Mais uma vez, nem a todas acontece tal: dotadas de um projecto, muitas escolas vêem os seus docentes lutarem pela continuidade. Mas de uma forma geral pode, de facto, dizer-se que a pequena escola rural tem por característica a instabilidade do seu corpo docente, havendo casos de isolamento extremo em que as crianças conhecem vários professores ao longo do mesmo ano.
Finalmente, a inadequação dos currículos. Os programas em vigor não foram concebidos de forma a terem presente a especificidade do meio rural, do que resulta, nos casos em que o ensino acontece a partir de programa, uma forte descontextualização das aprendizagens, isto é, a impertinência dos conteúdos e das actividades propostas.
Todos estes factos, sendo reais não são, no entanto, suficientes para implicarem uma baixa significativa do nível de aproveitamento dos alunos das pequenas escolas do meio rural: a intensidade do acompanhamento pedagógico que resulta do pequeno número de crianças acaba por quase compensar as desvantagens enumeradas e que, no fundo, nos remetem para razões que nada têm a ver com a dimensão da escola em si mesma. Um estudo que fizemos sobre o insucesso em 2002/2003 no conjunto das escolas do Alentejo Litoral – abrangendo 3060 crianças e quase 100 estabelecimentos de ensino – mostra que assim é.
Na verdade, o fosso no aproveitamento das crianças de escolas que nesse ano lectivo tinham vinte ou mais alunos e das que possuíam menos de vinte alunos era de apenas 0,9% (91,6% contra 90,7%), diferença irrelevante se ainda por cima tivermos em conta o facto, sabido, de a avaliação dos alunos tender a ser mais rigorosa e exigente quando o seu número é reduzido.
Significativamente, no caso das escolas rurais envolvidas em trabalho de projecto – como as que se encontram implicadas no projecto das escolas rurais animado pelo ICE – a taxa de aproveitamento foi nesse ano 3% superior ao das escolas urbanas da região, o que necessariamente nos obriga a pensar no sucesso escolar não como uma variável dependente da dimensão da escola mas em correlação com a natureza do trabalho pedagógico realizado.
A verdade é que o argumento invocado pelo Ministério da Educação e subscrito pela Associação de Municípios não colhe. Diríamos mesmo: esconde outras razões que nada têm a ver com o insucesso. Se assim não fosse, como se explicaria que na listagem das escolas a abater já no próximo ano lectivo – designadamente no Alentejo Litoral – se incluíssem várias em que a taxa de aproveitamento nesse ano foi, vejam só, de 100%?
Não sendo a pequena escola factor de insucesso, será que o seu encerramento, que a concentração em grandes escolas, traz sucesso às crianças deslocadas? Estamos em crer que, bem pelo contrário, uma tal medida acentua o insucesso. Dizêmo-lo por duas ordens de razão.
Em primeiro lugar, pelo tempo de afastamento das famílias que a deslocação das crianças implica. Uma investigação realizada hà cerca de 5/6 anos num concelho do Alentejo Litoral mostrou que a taxa de insucesso das crianças provenientes das aldeias que frequentavam o 2º ciclo do Ensino Básico apresentavam uma correlação perfeita com o tempo de afastamento do contexto de inserção e origem, atingindo precisamente o valor máximo (quase 60%) nas que, durante a semana, ficavam alojados na residencial de estudantes da localidade – apesar dos recursos pedagógicos especiais disponibilizados para estas crianças ou do estudo acompanhado intensivo de que beneficiavam!
Em segundo lugar porque, ao contrário das crianças do meio urbano que ao entrarem na escola se ressocializam mas não em ruptura com as práticas culturais que trazem de casa, as provenientes de meio rural ressocializam-se rompendo com o contexto de origem. Na escola urbana a criança de meio rural tende, de facto, a sentir-se periferizada, estranha num ambiente que não conhece, o que necessariamente pesa na sua relação com o próprio processo de aprendizagem. O insucesso que se registou e regista entre as crianças de meio rural que frequentam as escolas de 2º ciclo – onde a concentração é um dado incontornável – explica-se, não por um qualquer déficit de mérito dessas crianças mas pelo confronto cultural em que entram ao serem inseridas num Sistema e num contexto marcadamente urbano.
O encerramento das escolas tem, entretanto, um outro custo que nos remete para a crise de meio rural, a desertificação, o envelhecimento, as assimetrias que se vêm agravando, o abandono social a que vêm sendo votadas as populações de meio rural.
Há alguns meses, a propósito dos incêndios que grassaram no nosso país, defendiam as associações ambientalistas, como uma das medidas de combate a esse flagelo, a urgência de definição de uma política de incentivos à fixação das pessoas em meio rural. Encarada como uma das causas dos incêndios, a desertificação surgia, para essas associações, como um obstáculo à própria defesa do património rural, para já não falar do desenvolvimento.
Ora, pensar em fixar pessoas passa necessariamente por proporcionar qualidades de vida o que não se compadece com uma política de descapitalização, de encerramento de serviços... Não só de escolas, como de muitos outros serviços: de centros de saúde próximos e com capacidade de resposta a qualquer hora; de postos de correio; de transportes públicos; de centros de dia; de lojas de cidadão; enfim, do que possa proporcionar o bem estar de quem habita em meio rural.
É facto que a existência desses serviços não é, em si mesma, suficiente para induzir a fixação de pessoas. Impõem-se estratégias de animação, de promoção de iniciativas que contribuam para a requalificação do local e dos seus habitantes, recriando futuros ameaçados no presente. Mas se é preciso tudo isso, não se duvide que a existência ou não de serviços pode fazer a diferença.
A escola concretamente, constitui um foco potencial de desenvolvimento. Assumida – e funcionando – como um espaço comunitário, pode transformar-se num recurso da comunidade de inserção, animando iniciativas, ajudando-a a ligar-se ao resto do mundo, satisfazendo algumas das suas necessidades, potenciando, enquanto fonte de recriação de identidade, as relações intergeracionais – só possíveis se houver também crianças e não apenas idosos...
Dizêmo-lo com conhecimento de causa. Como se escreve num relatório sobre o Projecto Escola Rurais do ICE, a propósito da escola de Rio de Moinhos do Sado: a escola, único lugar de aldeia onde se exerce um serviço público tornou-se o espaço irradiador das iniciativas locais: aí vão ter as mulheres analfabetas para ler as cartas que chegam de longe; aí sempre regressam os alunos do passado, para recordar momentos, contar do presente; aí se detêm os avós, junto dos netos, sendo convidados a ficar e a revelar os saberes orais das culturas rurais; aí se procuram respostas para problemas quotidianos e aí se forjam projectos colectivos (Sarmento e Oliveira, p.24-25).
De uma forma geral, diga-se, a escola rural não vem assumindo este papel de pólo de animação. Como escrevemos em Dezembro de 2003:a escola que temos tido, pequena ou grande, é de facto irrelevante na superação da crise. Isso não significa que o seu encerramento não traga custos.
Antes de mais pelo seu valor simbólico. Para a aldeia em crise a escola é, na maior parte dos casos, o último traço de união com o resto do mundo. O seu desaparecimento constitui como que uma confirmação do seu não futuro, uma antecipação da morte que sobre ela pesa. Com a escola, desaparece a réstia de auto-estima e de esperança, acentuando-se o sentimento de isolamento e de perda que a própria crise implicava.
Grave também são os custos afectivos e culturais que representam a saída das crianças. Como dizia um idoso de uma aldeia do Nordeste Alentejano, confrontado com a possibilidade de encerramento da escola: uma aldeia sem crianças não tem alegria (Sarmento e Oliveira, p.38). Com a sua saída há com efeito uma dimensão afectiva que se quebra na aldeia, um sentimento de luto que se instala nos idosos que nela permanecem, ficando comprometida toda a acção de que as crianças podem ser sujeitos na comunidade: a sua animação, a desocultação dos saberes ocultos na memória dos idosos, a recriação dos traços de identidade que esta abriga.
Finalmente, deslocar as crianças, em particular nos casos das aldeias distantes dos meios urbanos, mais não significa do que obrigá-las, apesar da sua tenra idade, a gastar longas horas nos transportes que as levam e trazem da escola. Se com 10 ou 11 anos – como acontece no 2º ciclo – as crianças de meio rural se ressentem com o tempo de afastamento do seu meio cultural de origem o que não sucederá quando essas crianças têm ainda e apenas 6 e 7 anos!
O isolamento das aldeias e das escolas rurais é sem dúvida um problema. Combatê-lo, impõe-se. Mas não se quebra esse isolamento expoliando as aldeias das suas crianças, e desinvestindo no seu equipamento. Sim, investindo mais e apostando em estratégias de animação em rede, à semelhança do que se vem realizando no Projecto de Escolas Rurais do ICE que aposta precisamente no encontro regular entre aldeias e na promoção de novos recursos e práticas educativas.
Ler também:
ESPINEY, R. (2003) (In)fundamentos de uma Opção Política, Noticias da Amadora, n.º1560, Amadora
SARMENTO, M. e OLIVEIRA, J.M. (2005).A Escola é o Melhor do Povo, Profeedições, Porto
Entrevista a Rui d´Espiney na Página
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