O ano de 2022 foi marcado por uma sequência de fenómenos meteorológicos extremos de grande impacto, originando uma evidente mudança na perceção das pessoas face às alterações climáticas. O ano de 2023 consolida essa perceção. Na Califórnia, o termómetro subiu aos 56 °C, na China atingiu 52 °C, na Sardenha 48 °C. De acordo com os climatologistas, julho terá tido o registo mais quente de sempre. No verão de 2022, foram cerca de 62.000 as mortes na Europa devido ao calor. Compreende-se a afirmação do secretário-geral da ONU, António Guterres: “O mundo já não está na era do aquecimento, mas na era da ebulição.”
Estes dias assistimos a uma imensa tragédia no Hawaii. Os incêndios florestais que assolam Maui mataram dezenas de pessoas, arrasaram a cidade histórica de Lahaina e causaram enormes prejuízos. O governador do arquipélago concluía a sua conferência de imprensa relacionando os incêndios com o aquecimento global: "As alterações climáticas estão cá e estão a afetar as ilhas".
Os oceanos atingiram a temperatura mais quente alguma vez registada, com implicações terríveis para a saúde do planeta. A temperatura atingiu 20,96 o C, muito acima da média para esta época do ano. Os oceanos são um regulador climático vital: absorvem calor, produzem metade do oxigénio da Terra e ativam os padrões climáticos. As águas mais quentes têm menos capacidade para absorver dióxido de carbono, o que significa que permanecerá na atmosfera maior quantidade deste gás que aquece o planeta. Por outro lado, também pode acelerar o degelo polar, levando ao aumento do nível médio das águas do mar. Os oceanos mais quentes e as ondas de calor perturbam as espécies marinhas, como os peixes e as baleias, que se movem em busca de águas mais frias, pressionando a cadeia alimentar.
Em 2015, o acordo de Paris definia o objetivo de limitar o aumento da temperatura abaixo de 2 °C e, se possível, a 1,5 °C até ao final do século. Oito anos mais tarde, aumenta a distância entre a consciência das consequências da crise climática na produção de alimentos, no abastecimento de água, na saúde humana, nas economias nacionais, na sobrevivência de grande parte do mundo natural, e nas respostas à crise: os compromissos dos Estados colocam o planeta perante uma trajetória de aquecimento de 2,5 °C até ao final do século, ou mesmo 2,8°C se as políticas atuais continuarem.
A transição ecológica apela a uma inexorável mudança de modelo económico. Nos últimos anos, foram dados pequenos passos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa - a principal causa do aquecimento global, mas são visivelmente insuficientes. Lamentavelmente, são muitas as contradições! A agência internacional de energia anunciou em julho que o consumo global de carvão, a maior fonte de emissões, deve atingir um nível recorde este ano. A procura mundial de petróleo deverá atingir um novo pico em 2023. Os subsídios estatais aos combustíveis fósseis nunca foram tão elevados, sendo que as grandes empresas de petróleo e gás estão a obter lucros extraordinários desde a guerra na Ucrânia. Invoco mais uma expressão de António Guterres: "O ar é irrespirável, o calor é insuportável. Os níveis de lucro dos combustíveis fósseis e a inação climática são inaceitáveis.”
Helena Freitas, Diário de Coimbra 15.8.2023
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