sexta-feira, 13 de junho de 2025

Compromisso de Nice declara "vitória" mesmo sem Tratado fechado sobre águas internacionais


A maior conferência de sempre sobre Oceanos não teve uma declaração vinculativa, dando força à necessidade de aprovar compromissos em diversas políticas oceânicas. O Tratado do Alto Mar está mais próximo da entrada em vigor, em janeiro, e há um grupo de 20 países que também fazem pausa na mineração do mar profundo.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, começou a gritar "vitória" ainda a Conferência dos Oceanos estava a começar. Com a presença de 64 chefes de Estado e de Governo, 115 ministros e 12 mil delegados, a organização partilhada entre França e Costa Rica esperava dar um impulso a diversas frentes negociais na diplomacia dos oceanos. Mas apesar da mobilização, a declaração de Nice não tem metas nem é vinculativa e a reunião não foi suficiente para chegar às 60 ratificações do Tratado do Alto Mar, que deve regular 64% do oceano global.

Cinquenta Estados já depositaram os seus instrumentos de ratificação e mais seis países terminaram os seus processos nacionais nesse sentido. O comunicado final revela que 12 Estados adicionais "comprometeram-se a depositar os seus instrumentos de ratificação" do Acordo sobre Biodiversidade Além da Jurisdição Nacional até à Semana de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2025. A cerimónia que marca a concretização das ratificações tem até data marcada: 23 de setembro em Nova Iorque.

A entrada em vigor deve acontecer 120 dias depois, ou seja, no final de janeiro. Com este Tratado, arranca um processo vinculativo de decisão com as COP (Conferências das Partes) semelhantes às mediáticas Conferências do Clima, ambas no domínio das Nações Unidas. A COP 1 do Alto Mar poderá ser organizada em Setembro de 2026.

Campeões dos Oceanos
No final da Conferência de Nice, contabilizam-se 37 países que aprovaram uma pausa preventiva à mineração no fundo do mar, defendendo que é preciso investigar, em primeiro lugar, os ecossistemas antes de explorar os seus recursos. Portugal foi o primeiro país a transformar esta moratória numa lei aprovada na Assembleia da República, com os votos contra do Chega e abstenção da Iniciativa Liberal.

Vinte e três países publicaram uma declaração conjunta para mobilizar a comunidade internacional neste sentido, contando também com o apoio de alguns bancos que anunciaram que não deverão financiar mais projetos de mineração nessa área.

No total, foram identificados 20 Estados-membros considerados "campeões dos oceanos" por terem ratificado o Acordo BBNJ e apoiado a moratória sobre a mineração no fundo do mar. Este grupo de países pretende mobilizar a comunidade internacional para uma governança ambiciosa dos oceanos.

Portugal está entre os 20 países deste grupo, a par do Chile, Chipre, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Fiji, Finlândia, França, Grécia, Ilhas Marshall, Letónia, Malta, Micronésia, Mónaco, Palao, Panamá, Eslovénia, Tuvalu e Vanuatu.

Plásticos e Áreas Protegidas
O combate à poluição registou diversos compromissos, sobretudo uma declaração subscrita por 96 países de apoio ao tratado global para combater a poluição por plástico, a negociar em Agosto. 19 Estados anunciaram planos nacionais para proteger e restaurar ecossistemas oceânicos e gerir os resíduos costeiros, incluindo os plásticos. Menos significativo foi o avanço em relação a métodos de pesca destrutivos, com a Dinamarca e França a assumirem liderança da proibição da pesca de arrasto de fundo.

Nice trouxe também uma muito ligeira aproximação ao objetivo de proteger 30% das terras e mares até 2030. Passou de 8,4% para mais de 10% de áreas protegidas, embora muitos careçam de planos de gestão para evitar que sejam apenas "áreas de papel".

A nível científico, Nice assistiu à assinatura de uma declaração para a criação do Centro Internacional Mercator para o Oceano, com 12 Estados europeus, incluindo Portugal. Haverá um segundo congresso "One Ocean Science" em 2028 para avaliar o cumprimento das recomendações transmitidas no congresso que se realizou em Nice nos dias que antecederam a Conferência da ONU, com dois mil cientistas de todo o mundo.

Pescas e Portos
Nice permitiu ainda aumentar o número de ratificações do acordo "Fish 1" da Organização Mundial do Comércio, que limita os subsídios à pesca ilegal, à pesca de espécies esgotadas e às embarcações que pescam sem regulação no alto mar. São agora 103, incluindo 14 ratificações este ano, ainda curto para chegar às 111 necessárias para a entrada em vigor do acordo.

O objetivo de melhorar a segurança a bordo dos navios de pesca está também mais próximo. 23 países já ratificaram o "Acordo da Cidade do Cabo" da Organização Marítima Internacional, com 2.935 navios elegíveis, ainda longe das 3600 embarcações necessárias para entrar em vigor, previsivelmente no final do ano.

A China ratificou também o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA) da FAO, que conta agora com 82 partes, de acordo com o chamado Compromisso de Nice. Costa do Marfim e Bélgica juntaram-se a outros 22 países que se comprometem-se a garantir condições de trabalho dignas aos trabalhadores do setor das pescas, aprovando a Convenção de 2007 da Organização Internacional do Trabalho.

Falta dinheiro para o Mar
Vários acordos regionais foram apresentados, destacando-se o primeiro Pacto Europeu para o Oceano, com cerca de mil milhões de euros investidos em diversas facetas desta Pacto. Ao nível dos Parlamentos, foi criada a Coligação Interparlamentar para a Proteção dos Oceanos (ICOP), anunciando um "pacote legislativo para o oceano" que cada membro se compromete a levar ao seu próprio parlamento.

Ao contrário da expressão popular, falta "atirar" bastante dinheiro ao mar. No plano do financiamento, a presidência francesa da Conferência reconhece que há sub-financiamento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 para a defesa da vida marinha. Apenas 10 mil milhões de dólares foram investidos quando as necessidades para a sustentabilidade dos oceanos situavam-se em 175 mil milhões de dólares entre 2015 e 2019. Por isso, foi criado o programa One Ocean Finance, plataforma que junta governos, instituições financeiras, Nações Unidas e sociedade civil para dar um novo impulso no financiamento azul.

No entanto, a organização prefere sublinhar o compromisso de milhares de milhões de euros das empresas e fundações privadas, na ordem de 8,7 mil milhões de euros para os próximos 5 anos, metade dois quais com origem no setor filantrópico.

Os ativos sob gestão das instituições signatárias do Compromisso de Financiamento Oceânico "BackBlue "ultrapassam os 3 mil milhões de euros. 20 bancos públicos de desenvolvimento, representando 7,5 mil milhões de dólares por ano em investimentos em finanças azuis sustentáveis, uniram-se para formar a Coligação Oceânica das Finanças em Comum. 80 organizações de 25 países, representando um volume de negócios combinado de 600 mil milhões de euros e empregando 2 milhões de pessoas, aprovaram o apelo "Negócios no Oceano".

Um dos pontos mais sensíveis diz respeito à descarbonização total do transporte marítimo até 2050. O acordo nesse sentido foi reafirmado pelos países e armadores presentes em Nice e deverá mobilizar 100 mil milhões de dólares nos próximos dez anos para combustíveis limpos, transição energética marítima nos países do Sul e desenvolvimento do transporte por propulsão a vela.

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