As Corporações Multinacionais constituem-se como um conjunto de empresas em rede dispersas por múltiplas áreas geográficas e países mas com um centro de controle. Implicam novas formas de gestão através de complexas modalidades de terceirização, conciliando a centralização do capital com a descentralização das operações. As empresas deste tipo ligam-se através de sistemas baseados em contratos dentro da cadeia de valor em processos de verticalização, o que representa uma forma eficiente de descentralizar o processo decisório e diminuir os custos da administração sobre unidades dispersas mantendo, ao mesmo tempo, o controle centralizado sobre a cadeia de valor.
Como aponta Cohen (2007), a Corporação não é mais do que uma rede de contratos e outros documentos legais que unem uma multitude de empresas a um centro de controle bem determinado. A descentralização da estrutura permite que a Corporação cresça pelo mundo e se espalhe em unidades produtivas, sem deter a propriedade destas e sem os limites estruturais administrativos. Esta forma de organização destas entidades permite um controle estratégico centralizado, mas com a produção ou comercialização descentralizada.
É assim que o núcleo de controle consegue determinar a margem de lucro das empresas que lhe estão conetadas contratualmente sendo desta forma, que se apropria do valor criado nos outros elos da cadeia (Sawaya, 2019). Sintetizando, o controle é centralizado, mas a estrutura operacional pode estar espalhada estrategicamente em qualquer país ou continente, além de que a empresa que controla o coração da cadeia de valor é que impõe os preços de compra e venda dos produtos fabricados ou comercializados, mas é importante ainda salientar que a crescente dimensão e lucro das Corporações Multinacionais, e a consequente acumulação de capital, assentam na produção contínua de produtos supérfluos, assentes no valor de troca e não do uso, com danos crescentes na biodiversidade e no funcionamento dos ecossistemas.
Os processos de fusão e aquisição e joint ventures entre empresas de vários países ou continentes é que acaba por lhes conferir um caráter multinacional. Por isso, tornou-se difícil definir se uma Corporação específica é europeia, chinesa ou norte-americana. Aliás, as 500 maiores Corporações mundiais são todas transnacionais com os seus escritórios de controle centralizados na Europa e EUA. Essas grandes Corporações controlam um enorme conjunto de subsidiárias, ligadas ao setor produtivo ou comercial, espalhadas pelo mundo. Em 2015 faturavam US$ 30 triliões, cerca de 40% do PIB mundial (Sawaya, 2019).
Destaca-se o papel dessas instituições na estruturação da ideologia neoliberal, designadamente dentro das próprias Universidades, subordinando os estudantes, docentes e investigadores à lógica do processo mundial de acumulação de capital e ao seu processo de centralização. Os intelectuais orgânicos formados nas grandes universidades da Europa e EUA, são essencialmente economistas mais ou menos ortodoxos que atuam como vetores de propagação das políticas económicas sob o controle do grande capital transnacional. Os principais executivos administrativos, CEOs, proprietários, políticos e intelectuais formados nas universidades de maior prestígio, sejam portugueses, alemães ou brasileiros, principalmente economistas, beberam nesse neoliberalismo, e com mais intensidade desde os anos 1980. Foi assim possível construir um consenso neoliberal que invadiu os aparelhos de Estado, a partir das universidades, mas cuja ideologia se enraíza na própria estrutura burocrática dos Estados.
As Multinacionais segundo Safarti (2008) para defenderem os seus interesses contam ainda com o seu poder brando. Este é definido pela capacidade de se conseguir os resultados de sua preferência cooptando as pessoas ao invés de as coagir. Portanto, o poder brando é a capacidade de exercer poder e obter lucro pela atração e sedução. O poder brando é mais que persuasão e pode vir da imagem da Multinacional, habilmente produzida através do marketing e construindo uma identificação com o público em geral. Assim, o poder brando mais reconhecível das Multinacionais é a identificação do consumidor com a marca da empresa, o que advém do designado brand awareness.
Fundamentalmente, as empresas buscam tornar as suas marcas reconhecidas, pois isso cria uma diferenciação em relação às outras empresas possibilitando não só a sobreposição à concorrência, mas também a garantia de credibilidade junto ao consumidor, para que as linhas futuras de produtos, geralmente supérfluos, sejam continuamente adquiridas. Outra estratégia institucional usada em escala global, associada ao poder brando é direcionar recursos para a filantropia, o que todos os magnatas realizam.
Essas Multinacionais atuam com grande eficácia em todo o Mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 200 países (Dowbor, 2017), o que lhes confere poder para interferir política e ideologicamente em cada Estado. Todavia, quando os Estados periféricos escapam ao controle das mãos das Corporações transnacionais, estas utilizam meios mais radicais como apoio ou fomento a golpes de Estado, sendo a América Latina o espelho destas imposições do capital. Os países periféricos, como Portugal, perderam a sua autonomia ao inserirem-se de forma subordinada no circuito global do ciclo do capital e ao se submeterem às políticas neoliberais defendidas pelas instituições que estruturam a ideologia e o comando político do mundo. Pior, é o neoliberalismo do lucro ilimitado que quer remover as barreiras de constrangimentos ambientais que se impõem às formas mais delapidadoras de extrativismo. Os Estados amarrados a esta doutrina impõem, por sua vez, limitações à reconversão energética e à aplicação das decisões das sucessivas Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COPs), considerando mesmo o limite do aumento de 1,5º C até ao final do século como um empecilho a ultrapassar.
Como salienta Chomsky referindo-se à Europa (2017): “Os programas neoliberais da geração passada concentraram riqueza e poder num número bem menor de mãos ao mesmo tempo que arruinaram a democracia vigente (…) A democracia acabou sendo debilitada à medida em que a tomada de decisão se deslocou para Bruxelas (…), o poder efetivo de moldar os eventos foi em larga medida deslocado das mãos dos líderes políticos nacionais para o mercado, as instituições da UE e as grandes Corporações”.
Referências
CHOMSKY, N., 2006. Os Estados fracassados: o abuso do poder e o ataque à democracia. Rio de Janeiro, Bertrand.
COHEN, E.D, 2007.Multinational Corporations And Foreign Direct Investment: Avoiding Simplicity, Embracing Complexity. New York, Oxford.
DOWBOR, L., 2017..A Era Do Capital Improdutivo: A Nova Arquitetura Do Poder;Dominação Financeira, Sequestro Da Democracia E Destruição Do Planeta, Outras Palavras, 2, São Paulo.
SAFARTI, G. 2008. Os Limites do Poder das Empresas Multinacionais – O Caso do Protocolo de Cartagena. Ambiente & Sociedade, n. 1.
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