sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Plantas silvestres: dez tesouros que crescem na berma dos caminhos

Encontramos plantas silvestres nos caminhos e nas estradas e é injustamente que lhes chamam daninhas e infestantes. Essas ervas e flores são muitas vezes património da flora portuguesa, criam biodiversidade e ajudam o solo a ser mais forte. E também se podem comer, com benefícios para a saúde. Conheça uma mão cheia desses tesouros das bermas.


Nas últimas semanas, Fernanda Botelho tem repetido apelos para que não se cortem as plantas silvestres que, nesta altura, enchem as bermas dos caminhos e das estradas. Para que as roçadeiras municipais que limpam as estradas deixem estar ali esses tufos verdes, polvilhados de flores de várias cores, com formas mais ou menos conhecidas de todos, algumas delas bem presentes nas memórias de infância, como o popular dente de leão. “Chamam-lhes ervas daninhas, infestantes ou invasoras, mas essas plantas além de serem exuberantemente bonitas e criarem jardins naturais, servem de alimento a insetos polinizadores, pássaros, répteis, anfíbios e toda uma cadeia de biodiversidade onde nós também estamos incluídos”, refere a herbalista e especialista em plantas medicinais, autora de vários livros sobre o assunto, entre eles “Uma mão cheia de plantas que curam – 55 espécies espontâneas em Portugal” (Dinalivro, 2015, PVP 20 euros).

Muitas delas são, além disso, comestíveis e detentoras de propriedades medicinais, além de serem tesouros da flora portuguesa. “Têm um nome botânico e pertencem a uma família”, sublinha. Podemos comê-las em saladas ou em estufados, cruas ou cozinhadas – como é o caso da mostarda brava, que se encontra por todo o lado. Estas plantas têm outras virtudes, sublinha Fernanda Botelho. “Servem muitas vezes para prevenir a erosão de solos ou melhorar a sua estrutura, com as suas raízes profundas, que servem para descompactar terrenos mais secos e argilosos”, assinala. Por fim, elas são também plantas forrageiras e azotantes, muito úteis para ajudar a terra em pousio a preparar-se para novas culturas.
“Nesta primavera covídica, tenho tido o imenso privilégio de desfrutar desta abundância de cores, formas, texturas, tamanhos e perfumes”, refere Fernanda, que passa muito tempo em caminhadas pela zona de Sintra, onde vive, e se dedica também a dar workshops sobre estas plantas, incluindo a chefs de cozinha que as utilizam nas suas receitas. Entre as muitas plantas comestíveis e com propriedades medicinais que se encontram nesses tufos bravios na beira dos nossa caminhos, Fernanda Botelho escolheu estas dez que descrevemos a seguir. “Podemos até transplantar algumas para o nosso quintal, se quisermos, para criar um jardim comestível”. Fica lançado o desafio… e ideias para enriquecer as saladas.

MOSTARDA BRAVA

(Fotografia: Fernanda Botelho)

Nome científico: Sinapis arvensis

Linda e exuberante, é uma planta da família das Brasicaceae, a mesma das couves, da rúcula e dos nabos. “Podemos dizer que é um antepassado silvestre das nossas hortícolas domesticadas”, refere Fernanda. Isto significa que podemos comer as suas flores e folhas, cruas ou cozinhadas, e ainda as suas sementes. Por ser picante, estimula a digestão. A mostarda brava encontra-se na beira dos caminhos, onde tem a função muito útil de ajudar a fixar os taludes, graças às suas grandes raízes. As borboletas e as abelhas adoram esta planta de ramos altos.

PAPOILAS

Nome científico: Papaver rhoaes

São plantas da família das Papaveraceae, onde se inclui também a chamada “erva do betadine” ou celidónia. A sua delicadeza icónica, que todos conhecemos, tem outra utilidade além de ser apreciada: as semente e as pétalas das papoilas podem ser comidas ou usadas em infusões, graças aos seus efeitos antiespasmódicos e sedativos. No Alentejo, ainda é comum um chá de pétalas de papoila contra a tosse para ajudar as crianças a dormir, sublinha Fernanda. Ela sugere que se adicionem as pétalas a saladas e que se comam as sementes, tendo o cuidado de ingerir uma quantidade moderada (menos que uma colher de café, por exemplo) porque são opiácias. As pessoas com diverticuloses devem, contudo, evitar esta e outras sementes pequenas.

MALVA

(Fotografia: Fernanda Botelho)

Nome científico: Malva sylvestris

“É muito comum e está particularmente exuberante nesta primavera covídica”, assinala Fernanda sobre as malvas – ou lavateras – que são grandes aliadas nas lavagens ginecológicas ou para bochechar para tratar aftas ou lavar os olhos inflamados. “Ela trata e alivia todo o topo de inflamações internas e externas”, refere a especialista. Mas também pode ser utilizada na culinária, já que se podem consumir todas as suas partes – como as flores, folhas, raízes e as sementes conhecidas por queijinhos, que têm um sabor semelhante a ervilha crua e textura de quiabo.

TANCHAGEM

Nome científico: Plantago sp

Existem várias espécies de tanchagem, planta de aspeto arisco muito comum nos campos. “Todos os Plantago são medicinais, comestíveis e deliciosos, com um sabor a cogumelo cru e bastante adstringente”, diz Fernanda, que sugere usar as folhas tenras em sopas e batidos. Era uma planta muito usada na Antiguidade: Alexandre o Grande designava-a de “governante dos caminhos” e os germânicos consideravam-na sagrada. É rica em sais minerais e ácidos gordos, tem propriedades anti-inflamatórias, calmantes e diuréticas e fortificante dos vasos capilares. E é muito eficaz quando esmagada e aplicada diretamente sobre a pele em picadas de mosquito.

PILRITEIRO

Nome científico: Crataegus monogina

É também conhecida por espinheiro-alvar, esta árvore de médio porte e tronco espinhoso enquanto jovem, comum nas sebes e montes, que é muito rica em propriedades medicinais – e que podemos plantar facilmente no nosso quintal. As suas flores brancas e pequenas são comestíveis, tal como os seus frutinhos vermelhos – os pilritos – que podem ser usados para fazer geleias, marmeladas e sobremesas. Com as folhas, as flores e os frutos podem-se fazer infusões para tratar problemas de coração, como arritmias, insuficiência cardíaca, ataques de pânico e de ansiedade. Existem à venda, aliás, vários tipos de extrato de Crataegus.

URTIGA

Nome científico: Urtica sp

Apesar de mal amada por muitos, a urtiga é a planta preferida de Fernanda Botelho, que diz ser uma das ervas silvestres mais completas que existem, a nível nutricional. “Podemos fazer sopas, guisados, queijos, cerveja, sumos, pão e tudo o que a nossa imaginação quiser. Usam-se as folhas, as inflorescências e as sementes. Convém não incluir os caules nas sopas pois são demasiado fibrosos. Podemos desidratar as folhas e moê-las num moinho de café para polvilhar sobre os alimentos”, refere Fernanda. “As urtigas são tão importantes que existe mesmo uma Confraria da Urtiga em Fornos de Algodres, à qual pertenço, que celebra a urtiga em todas as suas vertentes, medicinais, comestíveis, hortícolas, tintureiras, no fabrico de fibras”, refere. Os romanos fustigavam o corpo com ela para estimular a circulação; e na Polónia e na Escócia faziam-se roupas, lençóis e toalhas de mesa com a fibra das urtigas, que é muito resistente. Usa-se para tratar anemia, reumático, gota, alergias de primavera.

ROSEIRA BRAVA

(Fotografia: Fernanda Botelho)

Nome científico: Rosa sp

Integra a família das rosáceas, cujas flores são sempre comestíveis e adstringentes. Por essa razão, são úteis para tratar diarreia e para lavar e desinfetar feridas. “Na culinária, podem usar-se as flores mas sobretudo os bonitos frutinhos vermelhos que surgem no outono e são uma das maiores fontes de vitamina C disponíveis na natureza”, afirma Fernanda. Não é à toa que as rosas eram o ingrediente básico nos tratamentos de beleza da rainha egípcia Cleópatra e que o botânico e médico grego Plínio, o Velho, indicava 30 doenças tratáveis com rosas.

CHICÓRIA

(Fotografia: Fernanda Botelho)

Nome científico: Cichorium intybus

Tem alguns primos bem conhecidos esta planta da família das Asteraceae, onde se inclui o dente-de-leão e os girassóis. “É da raiz desta planta que se faz o café de chicória e as suas folhas tenras, assim como as flores de um azul delicado, também se podem comer”, diz Fernanda. Os antigos egípcios conheciam-na desde o ano 4000 a.C. -, comiam-na crua e usavam-na para tratar problemas hepáticos. No tempo dos faraós, misturava-se sumo de chicória com óleo de rosas e vinagre para aliviar dores de cabeça. Existe também em cor branca ou rosa, mas as flores mais comuns são as azuis. Prefere terrenos secos e argilosos e as suas raízes profundas ajudam a descompactar a terra.

SABUGUEIRO

Nome científico: Sambucus nigra

Pertence à família das Caprifoleaceae este arbusto ou árvore de médio porte, que prefere zonas húmidas e sombrias. As suas flores e frutos são muito apreciadas para fins medicinais e culinários. “As flores podem ser fritas com tempura, estilo peixinhos da horta, usadas em refrescos, champanhe, gelados e outras sobremesas, combina bem com pétalas de rosas”, sublinha Fernanda Botelho. A infusão da flor fresca ou seca ajuda a combater alergias, tosses, gripes e constipações, tem propriedades anti-inflamatórias e antivíricas. As suas bagas pretas são muito ricas em antioxidantes, vitaminas e sais minerais e apreciadas em geleias, doces e bebidas.

BORRAGEM

(Fotografia: Fernanda Botelho)

Nome científico: Borago officinalis

“Diz o ditado que a borragem dá coragem, porque as suas sementes são usadas na extração de um óleo vegetal rico em ómegas 3, usado para fortalecer o sistema nervoso, cardiovascular e para melhorar problemas cutâneos”, refere Fernanda. Os jovens soldados romanos tomavam uma bebida de borragem quando partiam para as batalhas, para terem mais ânimo e coragem. As flores em forma de estrela são comestíveis, com sabor a lembrar o pepino, e Fernanda sugere usá-las também na decoração ou colocá-las em cubinhos de gelo para as conservar. As folhas tenras mais junto da base podem ser consumidas panadas ou adicionadas a sopas e guisados. É uma planta desintoxicante do organismo.

A HERBALISTA

(Fotografia: Nuno Antunes)

Fernanda Botelho estudou plantas medicinais na Scottish School of Herbal Medicine. Viveu 17 anos em Inglaterra onde fez formações em Botânica, Fitoterapia e Pedagogia. Tem o curso de guia de jardim botânico da Universidade de Lisboa. É colaboradora do programa Ecoescolas e autora de uma coleção de livros infantis “Salada de Flores”, “Sementes à Solta” e “Hortas Aromáticas”. Publica anualmente desde 2010 uma agenda de plantas medicinais, escreveu “Uma mão cheia de plantas que curam – 55 espécies espontâneas em Portugal” e “As plantas e a saúde”. Organiza passeios e workshops de reconhecimento de plantas a convite de várias associações, escolas e municípios. É uma das fundadoras do grupo Sintra sem Herbicidas. Participa em blogues e revistas e é convidada regular da RTP. Gosta de fotografar, escrever e comunicar. Tem um blog chamado Malva Silvestre.

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