sábado, 29 de julho de 2023

Rússia corrompeu agentes de Kyiv em 2014 e começou a planear invasão


O historiador Mark Hollingsworth afirmou à Lusa que a guerra em curso na Ucrânia está a ser planeada desde a anexação da Crimeia (2014), altura em que os serviços secretos russos conseguiram informações importantes ao corromperam agentes de Kyiv.

A situação é relatada no livro de investigação do historiador britânico "Manipulação - O KGB e as Democracias Ocidentais", recentemente publicado.

"A atual guerra (na Ucrânia) foi planeada desde 2014 [anexação da península da Crimeia] e, nessa altura, o FSB [Serviço Federal de Segurança, o sucessor do soviético KGB] conseguiu muita informação corrompendo os serviços de informações ucranianos e obtendo uma quantidade significativa de material que eu menciono com detalhe neste livro e esses factos são importantes para se perceber a invasão de 2022", disse à agência Lusa Hollingsworth.

"O que ainda é pouco conhecido", frisou o historiador britânico, é que os serviços de informações russos (FSB e SVR, os serviços secretos externos russos) em 2014 "corromperam, subornaram e intimidaram" agentes dos serviços secretos da Ucrânia e conseguiram ter acesso a documentos importantes de Kiev.

No entanto, apontou o historiador, a "fraqueza" dos serviços secretos da Rússia (desde 2014) foi o uso de ideias preconcebidas sobre o que eles próprios entendiam ser a verdade ou a realidade, tendo depois tentado encontrar os factos que podiam encaixar-se nessas mesmas ideias.

"Por outras palavras, em vez de enviarem agentes com a missão de descobrir qual era a verdade e sobre o que estava a acontecer na Ucrânia, limitaram-se a uma ideia preconcebida sobre o que eles pensavam ser a verdade para depois dizerem às chefias o que as chefias queriam escutar. Isto é o que eu penso que está a acontecer na Ucrânia", afirmou Mark Hollingsworth, referindo-se à invasão russa iniciada em fevereiro de 2022.

Segundo a teoria de Hollingsworth, e no que diz respeito à campanha militar em curso há mais de um ano no território ucraniano, a direção do FSB comunica ao chefe de Estado russo, Vladimir Putin, o que ele quer ouvir em vez de investigar os factos.

Para o historiador britânico, geralmente este tipo de situações são "um problema no mundo dos serviços de informações" porque ao deixarem-se controlar pelas ideias políticas - simplesmente para agradarem aos líderes -, "esquecem" os factos que marcam a realidade. 

Por outro lado, o historiador diz que ainda é cedo para relacionar a retirada desordenada das forças internacionais do Afeganistão (concluída no verão de 2021) e a invasão de 2022 da Ucrânia, mas, na sua opinião, "é provável" que Moscovo tenha acompanhado os acontecimentos em Cabul para estudar o comportamento dos outros países e moldar o tipo de operação militar.

Quanto à rebelião contra as altas patentes da Defesa russa chefiada em meados de junho pelo líder do grupo russo de mercenários Wagner, o historiador diz que ainda é difícil perceber o que de facto aconteceu porque Yevgeny Prigozhin ainda está vivo.

"Se a operação tivesse sido uma tentativa de golpe de Estado, o líder seria executado ou preso e pelo que sabemos Prigozhin ainda é um homem livre", frisou.

"Penso que a tentativa de progressão até Moscovo foi uma forma de mostrar poder. É possível que Prigozhin - e isto é pura especulação - tenha informação sobre a fortuna de Putin e talvez por isso Putin não tenha atuado contra ele. É um assunto que ainda tem de ser investigado. Até ao momento é especulação", ressalvou.

No livro agora lançado em Portugal, Hollingsworth evidencia o papel da "desinformação" dos serviços secretos da antiga União Soviética durante a Guerra Fria e analisa igualmente a campanha da Rússia na Ucrânia desde a invasão da Crimeia, assim como os novos sistemas utilizados pelo FSB.

Sobre Putin, a obra refere que o chefe de Estado russo foi um oficial do KGB que inicialmente se dedicava a identificar, ameaçar e prender opositores da União Soviética nos anos 1980 e que mais tarde, na ex-República Democrática da Alemanha, assistiu à "humilhação" da queda do Muro de Berlim.

"Ele nunca esqueceu isso. Nunca esqueceu a humilhação. O que o motiva é restaurar a União Soviética no sentido nacionalista. Ele não é um comunista, ele apoiou a União Soviética mas sem ser um comunista. Apoiava um Estado forte e centralista, muito autoritário e nacionalista sem acreditar no comunismo como o sistema que deveria conduzir a economia", referiu o historiador.    

Mark Hollingsworth é autor, entre outras obras, da investigação "Londongrad" sobre as atividades dos oligarcas no Reino Unido e do livro "Thatcher's Fortunes" sobre a fortuna da antiga chefe de Governo britânica e o papel do filho, Mark Thatcher, em vários conflitos em África.  

À Lusa, e sobre projetos futuros, o historiador admitiu que seria "um desafio" escrever sobre o papel atual dos serviços secretos da República Popular da China, mas adiantou que "talvez escreva um terceiro e difícil livro sobre a Rússia" sobre a fortuna de Vladimir Putin.

"Por outro lado tenho muito interesse em História e estou, por isso, muito interessado também em escrever sobre o Duque de Windsor que chegou a ser o rei Eduardo VIII que abdicou em 1936, no Reino Unido. Ele esteve em Portugal em 1939 e 1940, durante a Segunda Guerra Mundial e era pró-nazi. O que foi fazer a Lisboa? Seja como for, isso é outra História", concluiu.

A obra "Manipulação - O KGB e as Democracias Ocidentais" (Bertrand Editora, 325 páginas) foi publicada este mês em Portugal e inclui uma lista de falsificações do KGB durante a Guerra Fria. 

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