segunda-feira, 21 de maio de 2018

Estudo norte-americano mostra que produtos à base de glifosato são mais tóxicos do que essa substância isoladamente.

Estudo norte-americano mostra que produtos à base de glifosato são mais tóxicos do que essa substância isoladamente. É o caso do Roundup, herbicida líder de vendas
 Formulated weedkillers, like Monsanto’s widely-used Roundup, leave residues in food and water, as well as public spaces. Photograph: Rene van den Berg/Alamy Stock Photo


O herbicida mais famoso do mundo mata células humanas. É o que dizem os estudos mais recentes de pesquisadores ligados ao governo norte-americano, segundo uma reportagem publicada hoje no jornal britânico The Guardian (a matéria está neste link).

Os testes são do Programa Nacional de Toxicologia e trazem fortes evidências de que os produtos comercializados — como o Roundup, o herbicida mais famoso do mundo, produzido pela Monsanto há quatro décadas — são mais tóxicos para células humanas do que o seu princípio ativo sozinho. O princípio ativo é a substância que de fato produz os efeitos e, no caso do Roundup, é o glifosato.

Isso é um grande problema porque, embora ele componha herbicidas há mais de 40 anos, essa é a primeira vez que são feitos testes nos agrotóxicos formulados com essa substância — para a aprovação e registro, só se exigem testes com o próprio glifosato, isoladamente.

Seu uso é, há muito tempo, cercado de polêmicas — hoje, ele é proibido e restrito em alguns países. E os estudos foram solicitados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) justo depois que, em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc) classificou o glifosato como um provável carcinógeno humano. Na mesma ocasião, ela destacou preocupações sobre as formulações que combinam esse princípio ativo com outros ingredientes.

O coordenador do laboratório que conduz as pesquisas, Mike DeVito, disse ao Guardian que o trabalho ainda está em andamento, mas as descobertas iniciais já são bastante claras: o herbicida mata células humanas, enquanto o glifosato sozinho não o faz. O pesquisador ressalta, porém, que isso não significa necessariamente que os produtos causem câncer ou outras doenças.

Monsanto já sabia

Existe um importante impedimento à testagem adequada dos herbicidas nessa pesquisa: é o fato de que sua formulação é segredo corporativo, uma informação comercial confidencial. Ninguém sabe exatamente a fórmula do Roundup, nem como ela vem mudando ao longo dos anos.

Mas, em relação à toxicidade, a reportagem cita e-mails internos antigos da Monsanto que vieram à tona durante um julgamento no ano passado e indicam que a própria empresa já tinha alguma noção desse perigo, mesmo que ele não fosse mensurado. “Você não pode dizer que o Roundup não é um agente cancerígeno… Nós não fizemos os testes necessários na formulação para fazer essa declaração. Os testes nas formulações não estão nem perto do nível do ingrediente ativo”, diz um deles, de 2003. Em outra mensagem, de 2010, se lê: “Com relação à carcinogenicidade de nossas formulações, não temos esses testes realizados diretamente nelas”. E mais uma, de 2002, é clara: “O glifosato é OK, mas o produto formulado … Causa o dano”.
Situação no Brasil


O Roundup é o famoso “mata-mato”, amplamente pulverizado para matar ervas consideradas daninhas. É o herbicida mais usado no mundo, e líder de vendas no Brasil. Mas a confiança em sua segurança não é nada unânime e, aqui, sua reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se arrasta desde 2008. No ano passado, a agência estabeleceu que a análise toxicológica do glifosato — e não dos herbicidas à base dele — vai terminar no ano que vem. Só a partir daí haverá uma consulta pública e, depois, sua proibição (ou não) vai ser decidida.

Mas, muito antes disso, pode ser votado na Câmara o PL 6299/02, um projeto que veio do Senado e ao qual foram apensados vários outros ligados ao tema. O conjunto ficou conhecido como ‘Pacote do Veneno’. Não à toa. As propostas alteram a legislação referente aos agrotóxicos no Brasil, e este documento da campanha Chega de Agrotóxicos resume o que acontece se o pacote for aprovado. Por exemplo: o nome ‘agrotóxicos’ vai ser substituído por ‘defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental’, será criada uma Política Nacional de Apoio ao Agrotóxico, a aplicação de agrotóxicos no meio urbano vai ser facilitada, a fiscalização vai ficar mais frouxa e a aprovação de novos agrotóxicos vai ser acelerada, com brechas para que isso aconteça inclusive em relação a produtos que comprovadamente fazem mal à saúde.

Desde o fim de abril, está para ser apreciado em uma comissão da Câmara o parecer do relator deputado Luiz Nishimori (PR-PR) sobre o Pacote. Ele é favorável a essas mudanças. Havia outros projetos apensados que poderiam ser positivos — como três PLs relacionados à proibição ou reavaliação periódica de produtos contendo glifosato. Mas Nishimori os rejeita.

Nos últimos tempos, a pressão pela não aprovação está intensa. A campanha Chega de Agrotóxicos divulgou um manifesto assinado por 271 organizações que repudiam o texto. O Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST), do Ministério da Saúde, lançou nota se posicionando contra; a Fiocruz e o Conselho Nacional de Saúde também. E o Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomendou a rejeição. Além disso, o subprocurador-geral da República Nívio Silva Filho encaminhou ao Congresso uma nota técnica afirmando que há inconstitucionalidades no texto.

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