sexta-feira, 11 de novembro de 2022

John Clare - um poeta maior


Se já é duro ser poeta contemporâneo de Blake, Byron, Burrns, Coleridge, Keats, Shelley e Wordsworth, imagina então frequentar o terreno lírico proveniente da ralé interior. Esse é, sem tirar nem pôr, o drama de John Clare (1793-1864).
Nasceu em Helpston, este The Northamptonshire Peasant Poet. Começou a trabalhar na agricultura ainda em criança, depois foi garçon no bar Blue Bell. Também trabalhou como jardineiro, acampou com ciganos, foi queimador de cal. De saúde precária, mal alimentado, socorreu-se nas paróquias locais. A leitura de The Seasons, de James Thomson, levou-o a escrever os primeiros poemas. Em 1820, sai o seu primeiro livro: Poems Descriptive of Rural Life and Scenery. Não podia ter um título mais adequado. É precisamente isso o que caracteriza grande parte da poesia do primeiro dos três bardos antologiados e traduzidos por Ricardo Marques em Três Bucólicos Ingleses (Elysium, Setembro de 2020): uma poesia descritiva da vida rural, com suas cenas, paisagens, lugares, pessoas, trabalhadores, com sua fauna e flora, as Lebres a brincar, A raposa, a Névoa nos prados, os Estudantes no Inverno.

Clare foi muito elogiado pelos seus poemas iniciais. Casou-se nesse mesmo ano de 1820. Dividido entre os saraus literários londrinos e o analfabetismo da vizinhança, passou por graves momentos de depressão. Perdeu a aura inicial, afogou-se em álcool, procurou refúgio num asilo para doentes mentais. Dizia-se Lord Byron, dedicando-se a reescrever os poemas deste. Também dizia ser Shakespeare, o génio da Renascença, mas no magnífico poema Eu sou!, é perceptível a frustração: «Eu sou o que se consome com os seus problemas». Sentia-se desprezado e abandonado pelos amigos. 

Como referi a sua vida foi um verdadeiro desfile de tragédias e misérias. Primeiro as económicas - família pobre, sem recursos sequer para propiciar-lhe uma educação formal razoável -  depois as afetivas, novamente económicas, até as sociais - internado num asilo em 1837, aí e permanece por quatro anos, fugindo em julho de 41 ("He walked the 80 miles to Northborough, penniless, eating grass by the roadside to stay his hunger", diz a sempre contida Encyclopeadia Britannica);  no final desse ano, é declarado louco e passa os últimos 23 anos de vida num hospício, escrevendo com impulso lírico estranhamente insaciável, algumas das suas melhores poesias.

Teve a Natureza como tema central em seus poemas, sempre louvando-a ou lamentando a sua destruição. Seria um activista ambiental nos nossos dias.

Publicou três livros em vida, nenhum dos quais chegando a render muito, nem crítica ou dinheiro.

Foi redescoberto no séc. XX por Arthur Symons, que em 1908 incluiu-o numa seleção de poetas britânicos. A sua fama e mérito e respeito foi aumentando. Um dos poemas de John Clare serviu de inspiração para a Sinfonia da Primavera de Benjamin Britten e, em 1989, 125 anos após sua morte, ele foi homenageado com uma placa no Poet's Corner, na Abadia de Westminster.



 Aqui Patrick Stewart lê o poema "Ao Outono" junto da casa onde John Clare viveu.


E-Livro: Clare´s Poems, by Norman Gale (1901)

Biografia
John Clare [wiki]

Sem comentários: