sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Marcas do grupo LVMH entre as piores no bem-estar animal (e não são as únicas)


Há dois meses escrevia empiricamente nesta coluna que o fim do pelo de animais nas marcas de luxo é mais uma adequação às tendências de consumo, do que uma ideologia consequente. Esta semana, um estudo internacional vai mais longe e confirma que o luxo é mesmo o pior segmento na indústria da moda, no que diz respeito ao bem-estar dos animais.

Antes de começar com as más notícias, justiça seja feita à marca Stella McCartney e à designer com o mesmo nome, que recusa o couro e as peles desde o início, em 2001 (em 2019 integra o LVMH, grupo com mais marcas entre as piores, já lá vamos). O posicionamento dá-lhe a liderança da tabela das 10 marcas que ‘dão prioridade aos animais’, com uma avaliação de 90%, numa escala de 0% a 100%. É a única no luxo, segmento que nem sequer chega ao nível intermédio (o top 10 das que ‘estão a melhorar’), segundo o relatório Animal Welfare in Fashion 2021, da Four Paws, organização que se dedica ao bem-estar dos animais sob influência humana.

Stella McCartney lidera a tabela das 10 marcas que dão prioridade aos animais

Isto significa que em toda a indústria do vestuário, incluindo a diabolizada ‘moda rápida’ (num total de nove segmentos analisados e 111 marcas de 14 países), o luxo encontra-se na cauda. Três marcas do LVMH (Fendi, Dior e Louis Vuitton), Hermès, Prada, Max Mara e Moncler são as piores das piores, sendo distinguidas com 0%. Menos péssimas são as posições das insígnias premium Michael Kors (8%) e Coach (13%). Ligeiramente acima, com 15%, está o streetwear de luxo da Off-White, detida maioritariamente pelo grupo LVMH desde julho de 2021.

As conclusões da organização Four Paws são baseadas na análise de informação pública, compilada no site Good on You, que segue a pegada da indústria da moda em três áreas: pessoas, planeta e animais. A maioria das marcas agrupadas como ‘piores’ são as que não baniram o uso de animais selvagens nos têxteis; não têm políticas formais de bem-estar animal; não têm compromissos com horizonte temporal para recorrerem a fornecedores certificados; e têm falta de transparência no que diz respeito não só ao bem-estar animal, como às políticas e às práticas em geral.

A Off-White é a que está menos péssima no top 10 das marcas incumpridoras no bem-estar animal

A Off-White é a que está menos péssima no top 10 das marcas incumpridoras no bem-estar animal

O estudo salienta, no entanto, que tanto a Hermès como as marcas do grupo LVMH (Dior, Louis Vuitton e Fendi) têm políticas formais de bem-estar animal e prazos definidos para o uso de lã certificada, por exemplo. O problema é que são mais penalizadas por recorrerem a uma, ou mais, das matérias-primas que a Four Paws considera inaceitáveis: pelo, peles exóticas e angorá. Esta questão tem-se tornado prioritária nas marcas de luxo desde o início da pandemia, com o crescimento do consumo vegan, em particular nas gerações que são o motor da indústria: os jovens. A isto soma-se a controvérsia em torno das quintas de produção de animais, nomeadamente visons, devido à possibilidade de propagarem o coronavírus.

O mais recente sinal dos grandes da indústria do luxo contra as peles verdadeiras é dado pelo segundo maior grupo (Kering), que, no final de setembro, anuncia que as suas duas marcas que ainda usavam este material (Saint Laurent e Brioni) vão deixar de o fazer a partir das coleções outono/inverno 2022. A decisão vem na sequência do que as restantes marcas de vestuário do grupo (Gucci, Balenciaga, Bottega Veneta e Alexander McQueen) já tinham feito nos últimos anos. O estudo da Four Paws não divulga as posições das marcas fora dos top 10, onde nenhuma da Kering aparece, o que leva a concluir que será reflexo da nova política. O mesmo é válido para algumas marcas independentes, como por exemplo a também ausente Chanel, que não usa pelo animal nem peles exóticas desde 2018.

A 2 de dezembro, a Elle anuncia a eliminação do pelo animal das páginas editoriais das suas 45 edições internacionais

A 2 de dezembro, a Elle anuncia a eliminação do pelo animal das páginas editoriais das suas 45 edições internacionais

A tendência está a chegar aos meios de comunicação e a 2 de dezembro junta-se mais um cúmplice na mudança de paradigma. A Elle anuncia a eliminação do pelo animal das páginas editoriais de todas as suas 45 edições internacionais. Fica por saber o destino dos anúncios publicitários e dos conteúdos pagos, que incluam produtos com esta característica. A medida é extensível à página na Internet e às redes sociais da revista de moda. Treze edições já aderiram, juntar-se-ão mais 20 a 1 de janeiro de 2022 e a partir do início de 2023 as restantes 12. Sobre a ‘bíblia’ da moda, a Vogue, ainda não há indicação formal se irá ou não alinhar no fur-free (a mesma questão que se coloca em relação ao grupo LVMH).

O cerco aperta-se igualmente no fim da cadeia, nos pontos de venda. Os principais retalhistas multimarca estão a recusar vender vestuário com pelo natural, nomeadamente nos Estados Unidos. Neiman Marcus e Saks Fifth Avenue são anti-peles desde o início do verão, engrossando a lista de lojas de departamento com esta posição (Bloomingdale’s, Selfridges, Macy’s e Nordstrom). No comércio eletrónico multimarca de luxo, a Mytheresa e a Net-a-Porter alinham este ano no movimento, juntando-se à Farfetch, a pioneira e a maior do setor, que bane o pelo animal em 2019. Há cerca de um mês, em novembro, anuncia o fim dos artigos em angorá. A mesma matéria-prima à qual a Armani estende agora a sua política fur-free, iniciada em 2016.

A Farfetch não vende pelo animal desde 2019 e em abril de 2022 abolirá o angorá
A Farfetch não vende pelo animal desde 2019 e em abril de 2022 abolirá o angorá


Neste contexto, as marcas de luxo apostam em alternativas artificiais que não excluam completamente o efeito (estético, térmico e de textura) das peles naturais, destinadas a alimentar a perceção de luxo supremo que as envolve. Em julho de 2021, a Balenciaga apresenta na Semana de Alta-Costura de Paris, por exemplo, um blusão feito à base de fios de seda bordados de forma a criar a ilusão do pelo de raposa e um casaco comprido com a mesma técnica, mas que replica o efeito das penas naturais.

Estas criações são também uma forma de não ‘perder o barco’ das tendências, que levam à explosão de novas marcas de luxo que já nascem anti-peles e a crescente consciência ética dos consumidores. Isto, porém, deixa outro ‘elefante na sala’: a produção de alternativas sintéticas às peles naturais tem igualmente um impacto ambiental negativo. Algumas são derivadas do petróleo, outras exigem tingimentos que poluem o ar e a água, por exemplo. O caminho que a indústria está a seguir indica que estes aspetos poderão vir a ser o próximo ‘cavalo de batalha’ de associações ambientalistas.

Neste momento, os que ficaram mal na ‘radiografia’ do Animal Welfare in Fashion 2021 já têm o bastante com que se preocupar. Se quiserem seguir à risca as recomendações da Four Paws têm de passar à ação. Orientados por quatro ‘erres’ (em tradução livre): reduzir o uso de animais, refinar a escolha de fornecedores, reconverter as matérias-primas animais e reportar os progressos no bem-estar animal. Falar é fácil, difícil é fazer?

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