Sacos de amêijoas de japonica apreendidos de uma rede criminosa durante uma operação em Maio de 2021 |
A amêijoa-japónica foi introduzida nas águas portuguesas do Tejo e do Sado como uma “experiência ambiental” para purificar “mercúrio, chumbo e cádmio”. Atualmente, esta espécie invasora, tóxica para os humanos, chega aos consumidores em Portugal e Espanha através de redes de caça furtiva.
A amêijoa-japónica absorve as biotoxinas das águas dos rios lisboetas, um vestígio de um passado industrial que se tornou agora num “problema de saúde pública”, explica à Efe o chefe da Divisão Técnica Ambiental da Guarda Nacional Republicana (GNR), o tenente-coronel Ricardo Vaz Alves.
Apesar da sua elevada toxicidade, pode ser consumida caso tenha sido sujeita a níveis adequados de purificação mas, na sua maioria, é obtida furtivamente, é frequentemente mal descontaminada e intoxica o consumidor, causando graves consequências que podem até levar à morte.
O problema tem crescido nos últimos anos. As redes de caça furtiva que traficam a amêijoa-japónica chegam a capturar até 14 toneladas por dia. Após um processo de limpeza insuficiente e documentos falsos, as amêijoas podem acabar em supermercados em Espanha e Portugal, apesar de não estarem aptas para consumo sem o tratamento adequado.
Experiência fracassada
“Foram introduzidas artificialmente para filtrar a toxicidade” da água, diz Vaz Alves sobre a ideia de que os bivalves reteriam nos seus corpos o mercúrio, chumbo, cádmio e biotoxinas presentes no estuário.
Esta “experiência” levou a amêijoa-japónica até ao Tejo, na sua passagem por Lisboa, e até ao rio Sado, em Setúbal, a cerca de 40 quilómetros da capital.
A eliminação é agora “quase impossível”, reconhece o tenente-coronel da GNR.
O desmantelamento do tráfico deste bivalve é “um foco prioritário” para as autoridades de Portugal e Espanha, razão pela qual a GNR e o Seprona, o serviço de proteção da natureza da Guarda Civil espanhola, estão a trabalhar em conjunto para pôr fim a este crime.
Numa das suas últimas operações, em maio passado, foram apreendidas 1,5 toneladas de amêijoa-japónica impróprias para consumo. Este é apenas um exemplo, uma vez que as rusgas se repetem ao longo de todo o ano.
Mesmo frente a Lisboa, na outra margem do Tejo, nas bacias do Seixal, Barreiro e Montijo, estima-se que existam 1.400 pescadores a colher amêijoas ilegalmente, segundo dados da GNR.
As imediações da ponte Vasco da Gama, a mais longa da Europa, que liga Lisboa a Alcochete, do outro lado do Tejo, é um dos locais mais frequentados pelos caçadores furtivos.
“Não são só os marisqueiros, há toda uma cadeia acima”, diz Vaz Alves, que explica que na operação conjunta com o Seprona foram apreendidos “carros de muito valor”, o que leva as forças de segurança a acreditar que o tráfico de bivalves é apenas uma “atividade paralela” destas organizações criminosas.
Alta toxicidade
Sob a ponte Vasco de Gama, as águas do Tejo têm um elevado nível de toxicidade, atingindo a “classe C”, de acordo com o instituto meteorológico português. O rio Sado, porém, tem menos poluição, categoria B, o que significa que “o nível de purificação e tratamento é muito mais barato e mais simples”, explica Vaz Alves.
Uma prática comum dos caçadores furtivos é “adulterar a origem” das amêijoas, ou seja, apanhá-las no Tejo e certificar que são do Sado, a fim de seguir um nível inferior de purificação.
A maior parte das capturas é transportada por intermediários para Espanha, principalmente para os portos de Vigo e Pontevedra, onde é entregue em estabelecimentos de aquacultura.
Muitos destes estabelecimentos “conhecem a origem dos bivalves”, segundo a GNR, e para os adquirir precisam que o documento de registo indique a “classe B”.
As redes criminosas falsificam os documentos de registo e as amêijoas partem para Espanha em carrinhas preparadas que fazem movimentos quase diários.
Desde Espanha são comercializadas para toda a Europa.
Em Portugal “não temos nenhuma instalação para fazer o tratamento de categoria C, todas as amêijoas do Tejo devem partir para Espanha ou outros países para poderem ficar aptas para consumo humano”, explica Vaz Alves, que defende que o controlo seria “mais eficaz” se o tratamento de classe C estivesse disponível no país luso.
Esta experiência de limpeza das águas industriais transformou-se num autêntico “problema de saúde pública”, resume.
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