Porto melifera, por João Soares |
A semana passada foi marcada por algumas contradições no Parlamento Europeu (PE). Os eurodeputados, no dia 22, rejeitaram uma proposta da Comissão que pretendia estabelecer regras mais apertadas no que toca ao uso de pesticidas, procurando uma maior sustentabilidade da prática.
Um dos principais objetivos da proposta, apresentada em junho de 2022, era, além de criar um sistema agroalimentar mais ambientalmente responsável e sustentável, reduzir a ameaça que os produtos fitofarmacêuticos representam para a saúde e sobrevivência de populações e espécies de polinizadores na Europa.
No documento, a Comissão reconhecia que “há evidências de uma redução generalizada de espécies, em particular de insetos e polinizadores, na União”.
Já em janeiro deste ano, o executivo comunitário havia apresentado uma nova estratégia, conhecida como ‘EU Pollinators Initiative’, cujo propósito era, e continua a ser, travar o “declínio alarmante” dos polinizadores na União Europeia e reverter as perdas até 2030. Por isso, a proposta da sustentabilidade do uso de pesticidas era parte integral dessa iniciativa de proteção dos polinizadores.
Contudo, na sessão plenária de dia 22, os eurodeputados optaram por rejeitar, com 299 votos contra, 207 a favor e 212 abstenções. A carga opositora foi liderada pelo grupo parlamentar dos conservadores europeus, o Partido Popular Europeu (PPE).
Em comunicado, EPP afirmou que a rejeição da proposta foi uma vitória contra “a abordagem extremista dos Verdes e Socialistas para imporem mais e mais proibições e regulações excessivas que reduziriam a produção alimentar na Europa”.
“Deixem os agricultores fazerem agricultura!”, declarou Alexander Bernhuber, eurodeputado austríaco do PPE que liderou as negociações do grupo parlamentar neste tópico. “Todos queremos menos produtos de proteção de plantas a serem usados em culturas. Mas reduzi-los não pode comprometer a produção alimentar na Europa, tornar a comida mais cara ou levar os agricultores a abandonarem os seus negócios”, justificou.
Do outro lado da barricada, os Verdes acusam os conservadores de direita de estarem agrilhoados aos interesses da indústria agroalimentar e lamenta que o PE “falhou em proteger a saúde humana e a saúde do nosso planeta”.
“Este é um golpe amargo para a proteção do ambiente e da saúde pública”, disse, em nota, Sarah Wiener, dos Verdes europeus, acrescentando que a maioria dos eurodeputados pôs os lucros da indústria “acima da saúde das nossas crianças e do planeta”.
A proposta da Comissão estava há meses em discussão na comissão de ambiente do PE, sendo alvo de várias alterações, sobretudo por parte da direita. “No final, o texto [que foi a votação em plenário] não era suficientemente bom para que alguém o apoiasse.”
Diz Wiener que o objetivo da proposta era “cortar para metade o uso de pesticidas químicos até 2030, mas sem regras vinculativas para uma gestão integrada de pragas e sem monitorização, isto é apenas greenwashing”, apontando que depois de tantas alterações que o enfraqueceram, os Verdes não podiam apoiar o texto que foi a votação.
Polinizadores são importantes, mas não o suficiente para reduzir os pesticidas
Se o imbróglio político tivesse ficado por aí, eram más notícias para os polinizadores, mas, pelo menos, teria sido coerente com as posições já publicamente assumidas pelos grupos do PE. Contudo, no dia seguinte, numa outra votação, os eurodeputados adotaram uma resolução que apoia a iniciativa da Comissão para proteger os polinizadores, um texto que reconhece que “o declínio dos polinizadores representa uma ameaça ao bem-estar humano, à produtividade agrícola, à segurança alimentar e à natureza em geral”.
Salienta também que a polinização por polinizadores selvagens ou geridos por humanos é “essencial” para as colheitas e que esse serviço de ecossistema está avaliado na União Europeia em cerca de 4,5 milhões de euros anuais, e que “se não fosse pela escassez de polinizadores devido às pressões que sofrem, esse valor poderia ser muito maior”.
E os eurodeputados declaram que é necessário “dar resposta a todos os principais fatores que causam o declínio dos polinizadores”, entre eles, “as alterações climáticas, a agricultura intensiva, o uso de pesticidas, a perda e degradação de habitats naturais, a poluição ambiental e espécies exóticas invasoras e doenças”.
Em lado algum o texto se refere à importância de reduzir a utilização de pesticidas na Europa. Ao invés, refere-se à necessidade de avaliar os impactos desses produtos nas populações de polinizadores e de proibir, “o mais tardar em 2027”, a importação de produtos agrícolas “produzidos usando pesticidas que foram banidos na UE por razões de saúde humana e de proteção da biodiversidade e que podem causar danos inaceitáveis aos polinizadores”.
Em suma, o Parlamento Europeu quer proteger os polinizadores, que reconhece enquanto um elemento importante da segurança alimentar e económica do bloco, mas sem apertar a regras para o uso de pesticidas, que reconhece como sendo uma das principais causas do declínio desses animais.
Num comentário enviado à ‘Green Savers’, João Loureiro, professor na Universidade de Coimbra e especialista em polinizadores, refere que “não existe maior contrassenso”.
Para o investigador do FLOWer Lab, “a não limitação do uso de pesticidas irá continuar a expor os polinizadores a níveis elevados destes produtos, o que terá impactos substanciais no seu ciclo de vida”.
Sem comentários:
Enviar um comentário