A atualização da Lista Vermelha das Aves da Europa 2021, lançada em outubro deste ano, conclui que 1 em cada 5 espécies de aves na Europa está ameaçada de extinção. Algumas das razões apontadas pela BirdLife International, associação que realizou o estudo, são a agricultura intensiva, a sobrexploração dos recursos marinhos e a poluição das águas. O relatório avaliou o risco de extinção de 544 espécies de aves em mais de 50 países do continente europeu.
Em entrevista à Escola de Ciências, Pedro Gomes, professor do Departamento de Biologia, reflete sobre alguns dos maiores problemas que assombram os diferentes tipos de aves e a tendência de extinção das espécies. A falta de apoio financeiro para os estudos, os biocidas, a crescente urbanização, a destruição de habitat e a sua simplificação são outros destaques da entrevista.
Pedro Gomes é licenciado em Biologia pela Universidade do Porto e doutorado em Ciências pela Universidade do Minho. A sua carreira académica tem estado sempre ligada às áreas da Ecologia e da Zoologia. Parte do seu percurso esteve ligado à ecologia terrestre e à conservação da natureza, com ligações fortes às áreas montanhosas do norte de Portugal. Nos últimos anos, a sua atividade tem-se centrado na zona costeira e no domínio da ecologia e biologia marinha. Em todo o seu percurso, a educação ambiental e a divulgação científica foram sempre uma forte componente da sua atividade, para além da docência em cursos de graduação e pós-graduação.
A Lista Vermelha das Aves da Europa 2021 afirma que 1 em cada 5 espécies de aves está ameaçada. Este número é preocupante?
É um número preocupante. Quando nós falamos das aves, pensamos nas aves em geral, mas há grupos muito mais sensíveis do que outros. Ainda não tive oportunidade de ler o estudo, mas imagino que aquelas que acabam por ser as mais ameaçadas são as aves insetívoras, as aves de rapina e as aves aquáticas. Acabam por ser aquelas que são mais sensíveis ao tipo de ações que nós vamos fazendo, como a introdução de substâncias no meio – substâncias que lhe são perigosas –, destruição de habitats e outras coisas que, aparentemente, são mais inocentes, como por exemplo as torres eólicas, urbanização muito à base de vidros, os nossos gatinhos domésticos... Portanto, tudo isso, aliado à simplificação dos sistemas, é catastrófico.
Essas são algumas das ameaças, mas existem mais...
Sim, isso tem a ver, mais uma vez, com a questão do grupo das aves. Quando falamos de insetos e dizemos que estamos muito preocupados com as abelhas, também temos de perceber que temos de nos preocupar com todos os outros insetos, que são tão ou mais importantes que as abelhas e que são a base alimentar de muitas aves. Portanto, tudo aquilo que afeta os insetos, afeta em cascata as aves insetívoras que se alimentam deles.
Depois temos a questão de alteração de habitat. Falo desta simplificação que nós fazemos – e que não tem apenas a ver com os incêndios, que são a causa subjacente à alteração primária – que é a alteração do coberto vegetal espontâneo para coisas uniformes e diria quase industriais, que não é só o eucalipto: são as exóticas, os pinheiros... Portanto, toda esta simplificação que nós estamos a fazer acaba por afetá-las. Outro exemplo de que se tem falado muito é a industrialização da cultura de oliveira no Alentejo e a intensificação do montado de sobro. Tudo isso é catastrófico para este tipo de organismos. As aves migratórias sofrem muito com a urbanização e destruição de zonas que elas utilizavam tradicionalmente, como as zonas húmidas. Falo da urbanização não no sentido de construir casas, mas por exemplo fazer condomínios fechados em espaços naturais e campos de golfe... Tudo isso acaba por ter consequências por estamos a ocupar espaços a que nós não damos valor, mas que são fundamentais para as aves migratórias.
A nível do impacto nas aves de rapina, temos todas estas torres eólicas que nós estamos a espalhar por todo o lado. Seja em terra e agora no mar, são autênticos picadores de carne, porque as aves durante a noite não veem. Infelizmente os estudos no mar são quase impossíveis de fazer, porque o que cai no mar desaparece. Já em terra vai havendo alguma informação. Mas devemos assumir que no mar está a acontecer, senão o mesmo, pior, porque muitas dessas aves são aves costeiras que se deslocam sobre o mar.
Outro dado importante deste estudo é que não existem informações sobre um quarto das tendências populacionais das espécies. Faz falta mais investimento neste tipo de censos?
Vai havendo informação, só que não é fácil. As equipas não são grandes e, mais uma vez, há sítios onde não temos grande possibilidade de ter acesso, como o mar. Acontece também uma outra questão: as metodologias que nos permitem quantificar são complicadas, em termos logísticos, financeiros e de pessoal. Muitas vezes, esses estudos são dirigidos a determinadas espécies e é muito difícil abranger todas. Há muita coisa que nos escapa. Aquilo que é cinegético e que se caça ainda se vai vendo, o que não é cinegético é mais complicado.
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves afirma, no entanto, que também existiu um impacto positivo nestes últimos anos nos trabalhos de conservação, sendo o priolo dos Açores um desses exemplos. O público em geral está consciente sobre o impacto humano na biodiversidade? Como o caso das eólicas, por exemplo.
As eólicas são sempre apontadas como exemplo de uma energia amiga do ambiente mas a realidade é bastante diferente. Essas questões ecológicas acabam por ter impacto, não só na avifauna, mas também a nível dos insetos e as pessoas não têm essa consciência. Tirando aquilo que se come ou que faz companhia, o público em geral pouco conhece do nosso património natural. É um bocado cultural. Veja o exemplo das pessoas que têm gatos. É muito difícil levar essas pessoas a compreender o impacto que o gatinho que anda a passear tem sobre a fauna selvagem. Mas quando nós temos num bairro 50 ou 60 gatos, é óbvio que só podemos ter pardais e melros... Mesmo assim, os pardais já começam a entrar em declínio e, muitas vezes, os responsáveis são os nossos gatinhos, que são máquinas de matar extremamente eficazes. O impacto é bastante grande.
Não é por acaso que o panda tem o sucesso que tem, porque geralmente é um bichinho mediático e dá bons peluches. Se tivermos uma ave que seja bonita e que dê nas vistas, aí poderá, eventualmente, gerar alguma empatia por parte do público. Mas, na maior parte das vezes, isso não acontece e até sucede o contrário: muitas delas são consideradas aves a abater, como rapinas noturnas e diurnas, por vários motivos, nomeadamente superstição. Não são reconhecidos os benefícios que essas aves nos trazem. Isto para já não falar do antigo costume da captura de pequenas aves insectívoras com armadilhas, que é praticada em algumas regiões do país. É um autêntico tiro no pé do agricultor, pois captura às centenas numa manhã só um dos seus mais preciosos auxiliares no combate às pragas. Mas infelizmente são hábitos difíceis de eliminar, apesar de serem ilegais. E a legislação não ajuda, pois recentemente não foi aprovada uma lei que proíba a comercialização e fabrico desse tipo de armadilhas. Ou seja, a consciencialização também tem que chegar às forças políticas, infelizmente.
E o estudo das aves é um bom indicador para percebermos o estado do planeta?
Como tudo. As aves têm vantagem de se ver e de se criar facilmente empatia com elas. Qualquer que seja a categoria taxonómica que se use como indicador, se se acompanhar por tempo suficiente, verificamos que há variações quer nos efetivos, quer no número de espécies presentes numa dada região e isso são sempre bons indicadores. Infelizmente, estudos quantitativos a longo prazo não são fáceis de implementar.
Pedro Gomes é licenciado em Biologia pela Universidade do Porto e doutorado em Ciências pela Universidade do Minho. A sua carreira académica tem estado sempre ligada às áreas da Ecologia e da Zoologia. Parte do seu percurso esteve ligado à ecologia terrestre e à conservação da natureza, com ligações fortes às áreas montanhosas do norte de Portugal. Nos últimos anos, a sua atividade tem-se centrado na zona costeira e no domínio da ecologia e biologia marinha. Em todo o seu percurso, a educação ambiental e a divulgação científica foram sempre uma forte componente da sua atividade, para além da docência em cursos de graduação e pós-graduação.
A Lista Vermelha das Aves da Europa 2021 afirma que 1 em cada 5 espécies de aves está ameaçada. Este número é preocupante?
É um número preocupante. Quando nós falamos das aves, pensamos nas aves em geral, mas há grupos muito mais sensíveis do que outros. Ainda não tive oportunidade de ler o estudo, mas imagino que aquelas que acabam por ser as mais ameaçadas são as aves insetívoras, as aves de rapina e as aves aquáticas. Acabam por ser aquelas que são mais sensíveis ao tipo de ações que nós vamos fazendo, como a introdução de substâncias no meio – substâncias que lhe são perigosas –, destruição de habitats e outras coisas que, aparentemente, são mais inocentes, como por exemplo as torres eólicas, urbanização muito à base de vidros, os nossos gatinhos domésticos... Portanto, tudo isso, aliado à simplificação dos sistemas, é catastrófico.
Essas são algumas das ameaças, mas existem mais...
Sim, isso tem a ver, mais uma vez, com a questão do grupo das aves. Quando falamos de insetos e dizemos que estamos muito preocupados com as abelhas, também temos de perceber que temos de nos preocupar com todos os outros insetos, que são tão ou mais importantes que as abelhas e que são a base alimentar de muitas aves. Portanto, tudo aquilo que afeta os insetos, afeta em cascata as aves insetívoras que se alimentam deles.
Depois temos a questão de alteração de habitat. Falo desta simplificação que nós fazemos – e que não tem apenas a ver com os incêndios, que são a causa subjacente à alteração primária – que é a alteração do coberto vegetal espontâneo para coisas uniformes e diria quase industriais, que não é só o eucalipto: são as exóticas, os pinheiros... Portanto, toda esta simplificação que nós estamos a fazer acaba por afetá-las. Outro exemplo de que se tem falado muito é a industrialização da cultura de oliveira no Alentejo e a intensificação do montado de sobro. Tudo isso é catastrófico para este tipo de organismos. As aves migratórias sofrem muito com a urbanização e destruição de zonas que elas utilizavam tradicionalmente, como as zonas húmidas. Falo da urbanização não no sentido de construir casas, mas por exemplo fazer condomínios fechados em espaços naturais e campos de golfe... Tudo isso acaba por ter consequências por estamos a ocupar espaços a que nós não damos valor, mas que são fundamentais para as aves migratórias.
A nível do impacto nas aves de rapina, temos todas estas torres eólicas que nós estamos a espalhar por todo o lado. Seja em terra e agora no mar, são autênticos picadores de carne, porque as aves durante a noite não veem. Infelizmente os estudos no mar são quase impossíveis de fazer, porque o que cai no mar desaparece. Já em terra vai havendo alguma informação. Mas devemos assumir que no mar está a acontecer, senão o mesmo, pior, porque muitas dessas aves são aves costeiras que se deslocam sobre o mar.
Outro dado importante deste estudo é que não existem informações sobre um quarto das tendências populacionais das espécies. Faz falta mais investimento neste tipo de censos?
Vai havendo informação, só que não é fácil. As equipas não são grandes e, mais uma vez, há sítios onde não temos grande possibilidade de ter acesso, como o mar. Acontece também uma outra questão: as metodologias que nos permitem quantificar são complicadas, em termos logísticos, financeiros e de pessoal. Muitas vezes, esses estudos são dirigidos a determinadas espécies e é muito difícil abranger todas. Há muita coisa que nos escapa. Aquilo que é cinegético e que se caça ainda se vai vendo, o que não é cinegético é mais complicado.
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves afirma, no entanto, que também existiu um impacto positivo nestes últimos anos nos trabalhos de conservação, sendo o priolo dos Açores um desses exemplos. O público em geral está consciente sobre o impacto humano na biodiversidade? Como o caso das eólicas, por exemplo.
As eólicas são sempre apontadas como exemplo de uma energia amiga do ambiente mas a realidade é bastante diferente. Essas questões ecológicas acabam por ter impacto, não só na avifauna, mas também a nível dos insetos e as pessoas não têm essa consciência. Tirando aquilo que se come ou que faz companhia, o público em geral pouco conhece do nosso património natural. É um bocado cultural. Veja o exemplo das pessoas que têm gatos. É muito difícil levar essas pessoas a compreender o impacto que o gatinho que anda a passear tem sobre a fauna selvagem. Mas quando nós temos num bairro 50 ou 60 gatos, é óbvio que só podemos ter pardais e melros... Mesmo assim, os pardais já começam a entrar em declínio e, muitas vezes, os responsáveis são os nossos gatinhos, que são máquinas de matar extremamente eficazes. O impacto é bastante grande.
Não é por acaso que o panda tem o sucesso que tem, porque geralmente é um bichinho mediático e dá bons peluches. Se tivermos uma ave que seja bonita e que dê nas vistas, aí poderá, eventualmente, gerar alguma empatia por parte do público. Mas, na maior parte das vezes, isso não acontece e até sucede o contrário: muitas delas são consideradas aves a abater, como rapinas noturnas e diurnas, por vários motivos, nomeadamente superstição. Não são reconhecidos os benefícios que essas aves nos trazem. Isto para já não falar do antigo costume da captura de pequenas aves insectívoras com armadilhas, que é praticada em algumas regiões do país. É um autêntico tiro no pé do agricultor, pois captura às centenas numa manhã só um dos seus mais preciosos auxiliares no combate às pragas. Mas infelizmente são hábitos difíceis de eliminar, apesar de serem ilegais. E a legislação não ajuda, pois recentemente não foi aprovada uma lei que proíba a comercialização e fabrico desse tipo de armadilhas. Ou seja, a consciencialização também tem que chegar às forças políticas, infelizmente.
E o estudo das aves é um bom indicador para percebermos o estado do planeta?
Como tudo. As aves têm vantagem de se ver e de se criar facilmente empatia com elas. Qualquer que seja a categoria taxonómica que se use como indicador, se se acompanhar por tempo suficiente, verificamos que há variações quer nos efetivos, quer no número de espécies presentes numa dada região e isso são sempre bons indicadores. Infelizmente, estudos quantitativos a longo prazo não são fáceis de implementar.
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