O alegado Climategate- defesa dos cientistas visados
Quando ouvi falar do Climategate, escândalo estourado mais ou menos em 22 de Novembro, sobre a pretensa manipulação de dados quanto à origem antropogénica das alterações climáticas e às portas da Cimeira de Copenhaga, li alguns dos emails expostos nos mass media (pareceram-me meras trocas de impressões, alguns são dúvidas que normalmente ocorrem ainda no decurso de alguma investigação, etc) e aguardei por vozes sensatas. Encontrei-a no Miguel Araújo. E agora que já são conhecidas as respostas dos cientistas visados, considero o Climategate um fait-divers e uma campanha perigosa contra as melhores perspectivas (se ainda houver) em Copenhaga.
Por Miguel Araújo
Dado a campanha de desinformação na internet sobre o alegado climategate considero ser oportuno, na sequência de outros textos divulgados no blogue ambio, veicular informação proveniente dos autores criticados. Se forem ao blogue encontrarão informação fresca sobre o assunto e uma série de links que guiarão o leitor para fontes primárias de informação. Poderão também escrever directamente aos autores no blogue realclimate onde, ao contrário de alguns blogues dos chamados cépticos, aceita-se contraditório.
Nos últimos dias recebi vários mensagens de colegas perguntando-me a opinião sobre o caso do roubo da correspondência dos servidores da University of East Anglia (UEA), em particular das mensagens envolvendo Phil Jones, Director do Climate Research Unit. A estas pessoas respondi que isto não passava de mais um fait divers. A resposta surpreendeu alguns que rapidamente responderam que não e que mais explicações seriam necessárias.Não tenho dúvidas que mais explicações serão necessárias e que uma investigação independente seria desejável para esclarecer o verdadeiro significado das mensagens vindas a lume. É possível que sendo as mensagens escritas em registo privado tenham sido meros desabafos sem qualquer consequência (quantos de nós dizem e escrevem coisas num registo privado que seriam certamente mal interpretadas se ditas num registo público?). Também é possível que, representando as mensagens uma amostra pequena, colocada fora do contexto, de um universo de milhares de outras mensagens, o seu verdadeiro significado não seja inteligível. Sobre isto o principal visado diz: My colleagues and I accept that some of the published emails do not read well. I regret any upset or confusion caused as a result. Some were clearly written in the heat of the moment, others use colloquialisms frequently used between close colleagues. E conclui We are, and have always been, scrupulous in ensuring that our science publications are robust and honest.Obviamente, não é impossível que as mensagens divulgadas indiciem procedimentos cuja honestidade possa ser questionada e/ou condutas que estão longe de ser irrepreensíveis do ponto de vista da deontologia profissional. Todavia, na fase actual, recuso-me julgar Phil Jones e os restantes colegas pois 1) não tenho informação suficiente para fazer um julgamento sobre a conduta destas pessoas (a informação disponível na internet é obviamente parcial e como tal de valor limitado); e 2) acredito veementemente que o local próprio para julgar o comportamento das pessoas são os tribunais (ou comissões específicas, criadas para o efeito e que possibilitem o exercício, básico em qualquer sistema de justiça, do direito de defesa própria). Se se provar que as interpretações feitas nalguns blogues, com base em informação parcial, forem correctas é óbvio que estas pessoas terão de responder pelos seus actos. Mas também é possível que estes investigadores estejam a ser alvo de uma conspiração sem precedentes na história da internet (a data da divulgação das mensagens levanta a suspeição de que o objectivo seja minar a cimeira de Copenhaga), pelo que prudência é atitude que me parece mais acertada no momento.Mas suponhamos, por um momento, que na sequência de um inquérito independente se demonstre que as suspeitas de fraude científica se justificam. Provar-se-à com isto que a informação sobre aquecimento global é o resultado de uma conspiração dos cientistas para fazer vingar uma agenda verde, de fama, poder, ou dinheiro? Provam estas mensagens que a evidência científica, acumulada durante décadas, por vários grupos de investigação, usando indicadores e fontes de informação diferentes, sujeitas ao escrutínio de investigadores independentes, são o resultado de uma grande cabala orquestrada por um número elevado de pessoas desonestas ao serviço de uma alegada agenda que teria tomado conta do establishment científico?Não, obviamente que não. Provar-se-ia que o último relatório do IPCC foi editado ao mais alto nível de forma a melhor fazer passar uma mensagem política veemente (o que aliás não seria novidade como tive ocasião de escrever aqui e aqui) mas não se provaria que as inúmeras fontes de informação, directa e indirecta, sobre o aquecimento actual foram inventadas ou truncadas.Um caso paradigmático de evidência indirecta, raramente referida pelos cépticos (e completamente independente da rede do Phil Jones) , é o degelo do permafrost (i.e., solo permanentemente gelado que se encontra em zonas de latitude e altitude elevada). Há uma camada do permafrost que é instável, ou seja, que degela em estações/anos quentes e volta a congelar em estações/anos frios mas há sequências do permafrost que têm estado em estado sólido há dezenas, nalguns casos centenas, de milhar de anos. Áreas importantes deste permafrost pré-histórico encontram-se actualmente em declínio trazendo à superfície, pela primeira vez, material genético de inúmeras espécies de animais e plantas (hoje extintas) que foram congeladas e soterradas neste solo. Se o aquecimento actual não se distinguisse do ciclo natural de aquecimento e arrefecimento, como sugerem os cépticos, era de esperar que este material genérico se tivesse degradado há muito tempo.Em suma, a revelação destas mensagens roubadas do servidor do UEA venderá notícias, incendiará debates, causará danos na vida pessoal de algumas pessoas e, no melhor dos casos, abrirá discussões úteis sobre o acesso a dados públicos de clima (é inexplicável que alguns institutos de meteorologia, como é o caso de Portugal, continuem a restringir o acesso aos dados nacionais de meteorologia) e sobre a necessidade de disponibilização dos dados usados nos artigos científicos para melhor garantir a sua replicação em caso de dúvida (nem todas as pessoas o fazem, umas vezes com razões de peso, que importa discutir, outras nem tanto). Sobre isto a própria UEA divulgou comunicados de imprensa (com data de 28 de Novembro) que deixam antever alguns progressos.
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