quinta-feira, 22 de maio de 2025

Conservar as árvores não é apenas um imperativo ecológico - é um dever civilizacional

Fonte: aqui
Cresci a reconhecer as árvores que moldaram os lugares mais marcantes da minha infância. Os carvalhos e os pinheiros-bravos eram cúmplices nas subidas aos montes junto à casa dos meus avós, no Minho. À sombra de uma nogueira imponente ficava o meu baloiço predileto, e eram os pinheiros mansos, alinhados sobre as dunas, que testemunhavam os piqueniques familiares de Verão, em rituais que pareciam suspensos no tempo.
Recordo com nitidez as árvores de fruto que visitava em ritmos sazonais: tangerineiras e laranjeiras, macieiras e pereiras, pessegueiros e cerejeiras, ameixoeiras que me desafiavam em tardes demoradas sobre os seus ramos. Havia ainda uma figueira, cúmplice das delícias do meu avô, e os castanheiros, cuja frutificação exuberante anunciava o fim das férias. Estas foram as árvores da minha infância - presenças silenciosas, mas constantes, cuja generosidade eu reconhecia como um gesto natural do mundo.
Mais tarde, já no percurso universitário em Biologia, reencontrei essas mesmas árvores, agora com outros nomes. Aprendi a designá-las como Quercus faginea, Quercus suber, Quercus pyrenaica, Pinus pinaster, Pinus pinea. Em visitas de estudo, do Gerês à Serra da Arrábida, comecei a distinguir as espécies, os seus habitats, os padrões de ecológicos e as suas relações íntimas com a paisagem.
Foi nesse contacto aprofundado que tomei consciência da vulnerabilidade de muitas espécies e da urgência de estratégias para a sua conservação. A fisiologia vegetal revelou-se para mim um domínio científico de assombro: a forma como as árvores extraem água e nutrientes do solo, muitas vezes a profundidades impressionantes, e os transportam até à copa sem romper o seu complexo sistema condutor, numa coreografia invisível de elegância e precisão. Essas árvores, que germinam e crescem num mesmo local, enfrentam ali todas as adversidades, conquistam os seus aliados naturais, otimizam as suas funções, tudo no único espaço vital que conhecem.
Nos últimos anos, tornou-se recorrente, e com fundamento, o debate sobre a desflorestação e a perda irreparável que representa para a Humanidade. Reconhece-se hoje, de forma mais clara, o papel estruturante das árvores na estabilidade dos solos, na regulação do ciclo hidrológico, na produção de oxigénio e na fixação de carbono atmosférico.
Mas para além das métricas e funções dos ecossistemas, as árvores possuem um estatuto singular no imaginário humano. As árvores habitam-nos. São raízes da nossa história, sombras da nossa infância, matéria-prima da memória e da imaginação. Inspiram mitos, preservam rituais, atravessam gerações. Têm uma longevidade que desafia o tempo humano. Uma beleza que não pede licença. Um metabolismo que é puro engenho.
Conservar as árvores não é apenas um imperativo ecológico; é um dever civilizacional. Porque nelas se enraíza não apenas a floresta, mas também parte do que somos, do que recordamos e do que ainda poderemos ser.

PS: O Dia Internacional da Biodiversidade, celebrado a 22 de maio, assinala a adoção da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (1992). Em 2025, o tema “Harmonia com a natureza e desenvolvimento sustentável” destaca a articulação entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, apelando à ação conjunta de governos, setor privado, academia e sociedade civil para integrar a biodiversidade na luta contra a pobreza e acelerar a implementação dos Planos Nacionais de Biodiversidade.

Ler mais:
António Guterres: Humanidade está a destruir a biodiversidade

Europa em Declínio: Economia, Segurança, Padrões de Vida e Disfunção


O professor Jeffrey Sachs explica como é que a Europa perdeu toda a capacidade de pensamento estratégico e é incapaz de se adaptar à realidade. Os europeus convenceram-se de que estão a lutar pela Ucrânia, e qualquer oposição às suas políticas é denunciada como condescendência com a Rússia. Portanto, a Europa persiste nas suas políticas condenadas, apesar da derrota na guerra.

Allison Russell - Superlover ft. Annie Lennox


Tears of rage tears of grief
Palestine, Israel to Tennessee
We need a Superlove
We need a Superlover

Double Dutch and Hula Hoops
All our fears in loops and loops
We need a Superlove
Need a Superlover

The night so cold
Who among us dreams the Dawn?
Who dreamt us and oh where have they gone?
Who keeps a candle lit for their return?
Who could count the flowers in your heart?

Lord let me die before my Child
Prayed every Mother far and wide
That’s a Superlove
I’m a Superlover

You can feel it near and far
It fades the moon and blinds the stars
That’s a Superlove
Are you a Superlover

Believe what you will
Believe they’re gonna tell you it’s naive
To be a Superlover
But we are Superlovers

There’s no God of fire and blood
If there’s a God, God is Love
We need a Superlove
Are you a Superlover?

Tears of rage tears of grief
Palestine, Israel to Tennessee
Tears of rage tears of grief
Sudan, Congo to Haiti
We need a Superlove
We can be Superlovers

Dia Mundial da Biodiversidade

24-hour armed guards protect the last remaining Northern White Rhinos

Uma recente fotografia viral de um guarda armado 24 horas sentado ao lado de um dos últimos rinocerontes brancos do norte na Reserva Ol Pejeta, no Quénia, trouxe esta situação crítica à tona.
Esta imagem emocionante destaca as medidas desesperadas tomadas para proteger estas majestosas criaturas da extinção.

Em Março de 2018, Sudan faleceu. Houve tentativas de reprodução assistida (fertilização in vitro) para tentar preservar a espécie, mas sem sucesso.

A população total estimada de rinocerontes brancos, incluindo rinocerontes brancos do sul e do norte, é de cerca de 17.464. Os rinocerontes brancos do sul são a subespécie de rinoceronte mais abundante. No entanto, o rinoceronte-branco-do-norte está criticamente ameaçado de extinção, restando apenas dois indivíduos.

Apesar da caça ilegal contínua, os esforços para salvar as populações de rinocerontes e elefantes da região continuam. O rinoceronte-branco-do-sul serve como um farol de esperança no campo da conservação da vida selvagem. Como subespécie distinta, testemunhou uma reviravolta notável, graças aos esforços conjuntos de governos e conservacionistas dedicados no Sul de África. Estavam quase extintos com uma população de menos de 100 indivíduos. No entanto, as medidas de conservação proativas e sustentadas conseguiram aumentar os seus números para mais de 16.000. Esta incrível recuperação é uma prova do que pode ser alcançado através de esforços estratégicos e da colaboração internacional.

Conclusão
A fotografia emocionante do guarda armado e do rinoceronte-branco-do-norte serve como um poderoso lembrete dos desafios e responsabilidades que enfrentamos na conservação da vida selvagem. Salienta a necessidade de vigilância contínua, financiamento e cooperação global para proteger os tesouros insubstituíveis do nosso mundo natural. À medida que assistimos à potencial extinção do rinoceronte-branco-do-norte, precisamos de garantir que o seu destino não se repete com outras espécies ameaçadas.

Relatório liga crimes no Cerrado a gigantes da moda europeus

Fornecedoras de algodão para fabricantes de peças vendidas por Zara e H&M, fazendas no oeste da Bahia têm histórico de desmatamento e grilagem, aponta investigação da ONG Earthsight.

Até chegarem nas vitrines de gigantes como Zara e H&M, calças, bermudas, camisetas e meias de algodão deixam para trás um rastro de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos no Brasil. Para o consumidor, as peças parecem acima de qualquer suspeita: a maioria estampa um selo de produção sustentável.

A denúncia faz parte do relatório Fashion Crimes da organização Earthsight, publicado nesta quinta-feira (11/04). Ao longo de um ano, uma investigação detalhada focou nos negócios que conectam as lavouras do Brasil, quarto maior produtor da commodity no globo, às marcas europeias.

A ONG analisou o caminho percorrido por 816 mil toneladas de algodão com a ajuda de imagens de satélite, registros de envios de mercadoria, arquivos públicos e visitas às regiões produtoras.

Segundo o relatório, essa matéria-prima foi destinada especialmente a oito empresas asiáticas que, entre 2014 e 2023, fabricaram cerca de 250 milhões de itens para as lojas. Muitos deles, alega a investigação, abasteceram marcas como H&M e Zara, entre outras.

"É chocante ver estas ligações entre marcas globais muito reconhecidas, mas que, ao que tudo indica, não se esforçam o suficiente para ter controle sobre estas cadeias de fornecimento, para saber de onde vem o algodão e quais tipos de impacto ele provoca", diz Rubens Carvalho, chefe de Pesquisa sobre Desmatamento da Earthsight, à DW.

Crimes no Cerrado
O problema, afirma a ONG baseada no Reino Unido, está na origem da matéria-prima. O algodão exportado sai principalmente do oeste da Bahia, região imersa no Cerrado brasileiro muitas vezes desmatado ilegalmente para ampliar o cultivo. Em alta, o corte desta vegetação dobrou nos últimos cinco anos, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Dentre os casos analisados no relatório, está o grupo SLC Agrícola. Fundado em 1977 no Rio Grande do Sul, o grupo diz ser responsável por 11% do algodão brasileiro exportado (safra 2019/2020).

O estudo da Earthsight também diz que, nos últimos 12 anos, estima-se que 40 mil campos de futebol de Cerrado tenham sido destruídos dentro das fazendas do SLC. Em 2020, a empresa, que também planta soja, foi apontada como a maior desmatadora do bioma, calculam pesquisadores do Chain Reaction Research.

Em 2021, o SLC se comprometeu junto a fornecedores com uma política de desmatamento zero. Um ano após a promessa, um relatório da Aidenvironment identificou o corte de 1.365 hectares de Cerrado dentro das propriedades que cultivam algodão, o equivalente a 1.300 campos de futebol. Quase metade estava dentro da reserva legal.

Uma consulta feita pela Earthsight no banco de dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostra mais de R$ 1,2 milhão de multas aplicadas por infrações ambientais desde 2008 nas fazendas do grupo no oeste da Bahia.

Uma das acionistas da SLC é a britânica Odey Asset Management. Em 2020, numa entrevista para o diário britânico Financial Times, o fundador da empresa disse que arcar com as penalidades ambientais no Brasil era algo corriqueiro como "pagar multas de trânsito".

Questionado, o grupo afirmou por meio de nota à DW que "todas as conversões de área com vegetação nativa da SLC seguiram os limites estabelecidos por lei". Especificamente sobre a área desmatada em 2022 apontada no relatório da Aidenvironment, a empresa diz que a destruição se deu por "um incêndio natural, não ocasionado para a abertura de novas áreas para produção".

Sobre as multas aplicadas pelo Ibama, a SLC Agrícola diz ter recorrido administrativamente de todas as autuações. "As multas que foram objeto de recurso estão em tramitação e não houve, até o momento, um julgamento definitivo", diz a nota.

"Grilagem verde"
Outro grupo analisado em detalhes é o Horita, original do Paraná e atuante na Bahia desde a década de 1980. Dentre as várias denúncias feitas pela Earthsight está a chamada grilagem verde: imposição de reservas legais, ou áreas de preservação de propriedade privada, em zonas onde vivem comunidades tradicionais. A manobra impede que famílias realizem atividades de subsistência e, nos piores casos, permaneçam nas terras.

O conflito fundiário entre as famílias geraizeiras, como se identificam essas comunidades tradicionais na região, e fazendeiros data de 1970. Na década seguinte, a companhia Delfin Rio compra terras e registra o empreendimento como Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo. Segundo a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do estado (AATR), o grupo Horita é um dos sócios do complexo de fazendas.

Em 2017, as famílias geraizeiras da zona rural de Formosa do Rio Preto, no oeste baiano, ajuizaram uma ação contra a Estrondo por grilagem de terra e ganharam, em caráter liminar, a posse coletiva de 43 mil hectares que o empreendimento dizia ter comprado. A maior parte está no coração da Matopiba, zona de expansão do agronegócio que integra os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, habitada há mais de 200 anos pelos geraizeiros.

Em 2019, a Operação Faroeste da Polícia Federal revelou um conluio do alto escalão do magistrado baiano para favorecer fazendeiros na mesma região. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), um esquema de compra de sentenças teria movimentado cifras bilionárias em disputas de terras e tinha participação de magistrados, empresários, advogados e servidores públicos. Walter Horita, um dos fundadores do grupo, é um dos réus no processo, ainda em julgamento.

Um dos magistrados acusado de vender sentença para grileiros, segundo a Operação Faroeste, atuou na ação que julgava a posse coletiva dos geraizeiros. Segundo a AATR, a liminar a favor das comunidades só passou a ser cumprida após o afastamento e prisão do juiz.

Procurado pela DW, o Grupo Horita declarou nesta quarta-feira que "aguardará a divulgação do relatório para qualquer nova manifestação, para além das que já foram proferidas pelo seu departamento jurídico, em resposta às acusações da ONG".

"Todas as alegações negativas contra o Grupo Horita constantes da Carta da Earthsight, datada de 23/08/2023, como supostos 'achados', não correspondem à verdade", diz um trecho da resposta enviada à ONG.

Rota até as marcas europeias
Durante a investigação, a Earthsight seguiu a rota de 816 mil toneladas de exportações de algodão que saíram da SLC Agrícola e Grupo Horita entre 2014 e 2023 para os principais destinos: China, Vietnam, Indonésia, Turquia, Bangladesh e Paquistão. Com base em dados que permitem rastreio – o que não ocorre no caso chinês –, as pistas levaram a oito fabricantes de roupas na Ásia.

Todas as intermediárias identificadas (PT Kahatex, na Indonésia; Noam Group e Jamuna Group, em Bagladesh; Nisha, Interloop, YBG, Sapphire, Mtmt, no Paquistão) fornecem produtos acabados a marcas como Zara e H&M, segundo aponta a ONG.

"O algodão que associamos aos abusos de direitos à terra e ambientais na Bahia tem certificação Better Cotton. Essa iniciativa falhou em impedir que este algodão chegasse aos consumidores preocupados", afirma o relatório da Earthsight.

Criada em 2009 pela indústria e outras organizações, incluindo a WWF, a iniciativa criou um selo para atestar a origem da matéria-prima no intuito de garantir qualidade e respeito ao meio ambiente. No Brasil, segundo dados da Better Cotton, há 370 fazendas certificadas em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).

Em 2018, uma análise feita pela Changing Markets Foundation, organização que visa alinhar mercados a padrões de sustentabilidade com sede na Holanda, sobre certificadoras apontou problemas na Better Cotton. "Em geral, os padrões para o algodão certificado são baixos e aplicam-se apenas ao início da cadeia de abastecimento de algodão. Considerar o certificado uma garantia de sustentabilidade é enganoso", dizia o levantamento.

A Better Cotton, sediada em Genebra, disse à DW que acaba de concluir uma auditoria aprimorada feita por terceiros das fazendas envolvidas e que precisa de tempo para analisar as conclusões e implementar mudanças, caso sejam necessárias. "As questões levantadas [pelo relatório] demonstram a necessidade premente de apoio governamental na abordagem das questões trazidas à luz e na garantia de uma implementação justa e eficaz do Estado de direito", diz o e-mail da iniciativa.

Mais controle das cadeias
À DW, a H&M afirmou que "as conclusões do relatório são altamente preocupantes" e que encaram a questão com muita seriedade. "Estamos em estreito diálogo com a Better Cotton para acompanhar o resultado da investigação e os próximos passos que serão dados para fortalecer e revisar seu padrão", respondeu a varejista, também por e-mail.

A Zara disse à DW que leva "as acusações contra a Better Cotton extremamente a sério" e exige que a certificadora partilhe o resultado da sua investigação o mais rápido possível.

"Além disso, solicitamos com urgência as providências tomadas pela Better Cotton para garantir a certificação de algodão sustentável nos mais altos padrões", disse a varejista por meio de nota.

Nesta quarta-feira, a Inditex, proprietária da Zara, exigiu mais transparência da Better Cotton após anúncio da divulgação do relatório para esta quinta. A Inditex enviou uma carta à iniciativa com data de 8 de abril, pedindo esclarecimentos sobre o processo de certificação e progressos em práticas de rastreamento de cadeias produtivas. A Inditex não compra o algodão diretamente dos fornecedores, mas as empresas produtoras são auditadas por certificadoras como a Better Cotton.

Para Rubens Carvalho, da Earthsight, responsabilizar os europeus é parte da solução para acabar com o desmatamento e violações de direitos nos centros produtores de commodities, como o Brasil.

"O algodão ainda é pouco regulamentado nos mercados europeus. Eles precisam regular seu consumo e desvinculá-lo de impactos negativos ambientais e humanos. É preciso uma regulamentação séria, que puna em caso de incumprimento. Isso aumenta a pressão sobre os produtores", defende Carvalho.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Encontros Improváveis - Eugénio de Andrade e Jamel Shabazz

Jamel Shabazz -"Flying high!" Brownsville, Brooklyn, 1982

Em Louvor das Crianças
"Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.

A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.

O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que, frequentemente, é usado como argumento para a negação da bondade divina. Não, não há salvação para quem faça sofrer uma criança, que isto se grave indelevelmente nos vossos espíritos. O simples facto de consentirmos que milhões e milhões de crianças padeçam fome, e reguem com as suas lágrimas a terra onde terão ainda de lutar um dia pela justiça e pela liberdade, prova bem que não somos filhos de Deus."

Eugénio de Andrade, in 'Rosto Precário'

Música do BioTerra: Jean-Louis Murat - J'ai Fréquenté La Beauté


Jean-Louis Murat logo se lançou a solo e teve o seu primeiro sucesso em 1987 com o lançamento de "Si je devais manquer de toi ". Seguiram-se "L'Ange déchu " e "Te garder près de moi ", retiradas do álbum"Cheyenne Autumn", lançado em 1989.

Mas foi sobretudo a canção "Regrets ", um dueto com Mylène Farmer, que o tornou verdadeiramente famoso em 1991.

Muitas pessoas descobriram então a poesia das letras de Jean-Louis Murat e a sua extrema sensibilidade, que nunca o abandonou.

Se o artista é prolífico para a sua própria discografia, também o é para os outros. Jean-Louis Murat escreveu para outros artistas, como Françoise Hardy e Isabelle Boulay, e para os Indochine, no êxito "Un singe en hiver " e no single "Karma girls ".

A música marcou sem dúvida a carreira do artista, mas o cinema também. Os seus olhos azuis profundos foram vistos no grande ecrã em várias ocasiões, como na longa-metragem de Jacques Doillon "La Vengeance d'une femme ", em 1990, e no filme "Mademoiselle Personne", lançado seis anos mais tarde.

Conhecido também pelas suas opiniões francas, Jean-Louis Murat faleceu a 25 de Maio de 2023, aos 71 anos, na véspera do lançamento de um álbum Best of que recorda os seus 40 anos de carreira.

O genocídio

Genocídio no Ruanda

O genocídio infelizmente não é novidade. A história humana está repleta de histórias de vingança, diferenças religiosas ou sociais ou competição por terras. Exige que um grupo seja visto como menos que humano. A vítima não deve ter qualquer mérito ou importância. O genocídio vitorioso deve centrar-se nas mulheres e nas crianças; é um requisito. São o futuro da vítima e devem ser mortos, degradados, levados para a selva, enlouquecidos. Genocídio não é guerra. É o mal mais tóxico da alma humana.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Outro filme imprescindível: O Julgamento de Nuremberg, 1961 (legendado)


O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou vinte e três pessoas da liderança nazi (entre elas: militares, políticos, etc...), vinte das quais médicos, que foram consideradas como criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos realizados em seres humanos. Os réus foram denunciados peos seguintes crimes 1- Conspiração para cometer agressão, 2- crimes contra a paz, 3- crimes de guerra, 4-crimes contra a humanidade. As condenações variaram desde a morte por enforcamento, prisão perpétua, prisão e absolvição. O Tribunal demorou oito meses para julgá-los. Em 19 de agosto de 1947 o próprio Tribunal divulgou as sentenças, sendo que sete de morte, e um outro documento, que ficou conhecido como Código de Nuremberg. Este documento pode ser considerado como um marco na história da humanidade, pois pela primeira vez foi estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. A sua repercussão prática, contudo, foi muito restrita.

Direção: Stanley Kramer | Roteiro Montgomery Clift
Elenco: Spencer Tracy, Marlene Dietrich, Richard Widmark
Título original Judgement at Nuremberg

Desbocados, autoritários, cruéis, endinheirados: Os Brutalistas


Por Vitor Belanciano, 6 de Maio de 2024
As noções clássicas de neoliberalismo ou capitalismo já não nos situam. O mesmo se aplica aos conceitos tradicionais de fascismo. Há traços, fisionomias e características que se assemelham. Mas também deslocamentos, desvios, torções. Estamos noutra zona.

Ninguém sabe como lhe chamar. Há quem arrisque fascismo liberal. Outros, como Varoufakis, refletem que as novas formas de capital digital precisam da sua própria ideologia para se posicionarem distantes de qualquer tipo de coibição, estando nós a existir no tecno-feudalismo, regulados por tecno-lordes, sedentos de poder político.

Mas de todas essas noções que surgiram nos últimos anos, nenhuma parece mais ajustada do que o termo cunhado pelo pensador camaronês Achille Mbembe: brutalismo. O termo provém do universo da arquitetura, identificando um estilo de construção massivo, denso, industrial e poluente, sendo empregue por Mbembe não simplesmente como diagnóstico político, económico ou cultural, mas algo mais da ordem existencial, designando a relação dominante dos seres humanos com o que existe, sejam outros seres humanos, o mercado ou o planeta terra. O seu desejo é insaciável.

Uma relação de força e exploração. Como se o planeta fosse inesgotável, sendo o papel dos poderes contemporâneos, segundo Mbembe, tornar a extração possível. E se um dia tudo se esgotar, para quem vive a nadar em dinheiro, existe sempre a hipótese de colonizar Marte, exporá Musk. Ou de encontrar uma forma de nos tornarmos imortais, dirá Jeff Bezos, que tem investido milhões em tecnologia para deter o envelhecimento.

Claro que Mbembe pensa a partir de um lugar específico: África. Mas daí é possível identificar dinâmicas globais que se foram intensificando na última década, e que o segundo mandato de Trump tem exposto. O filósofo livre, o espanhol Amador Fernández-Savater, que tem refletido muito sobre o assunto, olha para o brutalismo como a última fase do neoliberalismo. Antes existiam formalidades, mesmo que soubéssemos que a intenção final era o lucro. Agora temos a impiedade oligárquica a dirigir países como se fossem multinacionais.

Durante décadas acreditámos que quanto mais consolidada fosse a democracia, mais hipóteses de desenvolvimento económico sustentado haveria. Agora, ironicamente, apesar de Trump, Xi Jinping, Putin ou Milei provirem de campos ideológicos diversos, e no meio das suas singularidades, une-os o desprezo pelos mecanismos democráticos. O mesmo acontecendo com as oligarquias financeiras, sejam elas americana, russa ou europeias, nas tintas para políticas de redistribuição, apenas interessados na sua rede.

É isso que vemos emergir em todo o mundo hoje. Agora assume-se às claras que apenas o dinheiro interessa. Não há regras. Passa-se por cima do Estado. Desmembram-se países, territórios e populações, sem justificações ideológicas. E muito menos se necessita das classes médias do conhecimento que só criam entraves com princípios democráticos. Daí os ataques à academia, à ciência, à cultura. A época dos consensos, do diálogo e da consolidação democrática foram à vida. O que interessa é enfraquecer os serviços públicos, descartar os que resistem, ou os fragilizados que estão a mais.

Quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comunica com entusiasmo que chegou o momento da Europa se rearmar, para que os Estados possam contrair empréstimos sem limites para reabastecer os seus arsenais, é isso que está em jogo. No fim de contas, depois de todos os alarmes ambientais, para todos eles as bombas que protegem os seus muros são mais importantes que o aquecimento global. Nos últimos meses virou-se as costas ao ambientalismo. A aposta é o rearmamento.

As classes médias empobrecidas poderiam ser o toque a reunir, procurando alternativas, mas existe divisão, cinismo, medo ou impotência. Não é tanto que estejam a ser enganadas, mas estão enredadas nas teias do mercado e da tecnologia. A maioria opta por preservar o que tem, imaginando que não será afetada. Já os trabalhadores empobrecidos são levados a acreditar que a sua precariedade se deve aos imigrantes. Culpar os frágeis pelos atos da oligarquia é a forma eficaz de enganar as populações.

E é aqui que estamos. Portugal acerca-se da tendência. Existem traços de Trump ou de Milei nos discursos e práticas. O poder da brutalidade, do mais forte, do mais endinheirado, do mais desbocado, do mais cruel, como caracterizado por Fernández-Savater, está por aí. A paralisia que provocam leva-os a acreditar que inauguraram uma nova forma de governar baseada nos milhões, na digitalização, nos algoritmos, no domínio do quantitativo. É fácil ver no excessivo Musk um emblema disto. Mas existem muitos brutalistas, subtis, operando fora dos holofotes, quase invisíveis.

O mistério, as aspirações utópicas, as energias afetivas de que somos feitos dissolvem-se, emergindo os impulsos destrutivos, ou então um efeito de anestesia geral, para o qual também contribui uma comunicação social que se deixa enredar num ecossistema paralisante. Num dia vemos Gaza ser arrasada. No seguinte, uma outra circunstância ou guerra qualquer. Suspiramos, e nada fazemos, meio zombies, narcotizados.

Fica a indiferença. Quando não o prazer de ferir e ver outros sofrer. A crueldade predomina. Mbembe argumenta que a economia libidinal do brutalismo não envolve a renúncia, mas a ausência de limites. O mercado é a vida. Tudo se compra de forma acelerada, obscena, imediata. Colonizar significou sempre brutalizar. O colonialismo prefigurou o brutalismo, segundo ele. Sem restrições ou mediações, os mais robustos usufruem dos mais fracos como se fossem objetos descartáveis, ao mesmo tempo que, ao lado, nos comportamentos socioculturais, os estilhaços vão-se amontoando.

Jovens do sexo masculino sentem-se atemorizados diante do empoderamento feminino. A visibilidade das lutas anti-racismo cria um efeito reativo da parte daqueles que sentem os seus privilégios postos em causa. Gere-se o Outro, o que é diferente, de forma instrumental. Se tiver dinheiro para investir é aceite. Se for pobre é indesejado, isolado ou deportado. Torna-se supérfluo. Como já acontece também com muitos de nós. Não resistir a isto, não encontrar formas alternativas de estar no mundo, será o fim.

Encontros Improváveis: Mia Couto e Domenico Bigordi

Domenico Bigordi ~ "Francesco Sassetti (1421–1490) and His Son Teodoro"

Aprender a sonhar
"Nasci e cresci numa casa onde vivia um poeta. Era o meu pai. Os meus amigos de infância diziam-me: o teu pai é estranho! 
Todos gostavam dele, era fácil gostar de uma pessoa simples, tão gentil, tão atenta aos outros. Mas achavam-no “estranho“. 
Na verdade, eu mesmo assim pensava. Porque ele perdia um tempo infinito olhando as aves brancas a sobrevoar o Chiveve.
O meu pai trazia livros e discos para casa como um contrabandista transporta as mais valiosas mercadorias. Meu pai era garimpeiro de belezas num mundo ocupado por assuntos de tempo e dinheiro.
Nos meus anos de escola primária eu ia ter com ele ao armazém dos Caminhos de Ferro onde trabalhava. A ideia era que ela me controlasse nos deveres da escola. Mas o meu pai tinha outras prioridades. Ele queria sair daquele lugar cinzento e levar-me ao longo das linhas férreas a catar pedrinhas douradas que tombavam dos comboios...
Nenhum dos trabalhos da escola me podia ensinar aquilo que o meu pai me revelava: a possibilidade de ficar encantado com pequenas inutilidades. Parafraseando um poeta brasileiro: os pequenos utensílios.
Era verdade sim: o meu pai era um homem “estranho”. Mas eu dou graças a esta estranheza. Mas dou graças a essa estranheza. Porque foi com ele que aprendemos a estar atentos às coisas que parecem não ter valor. Isso que ele nos ensinava era uma sensibilidade...
Meu pai mostrou-me outro saber, um outro prazer: o da busca pela intimidade dos seres e das coisas. Ela ganhou vida, ganhou encanto. E ganhou uma história pelo simples facto de a termos procurado. O mais triste é o mais órfão neste nosso mundo é aquele que não tem história.
Em nossa casa não vivia apenas um poeta. Vivia a própria poesia. 
E a poesia é outro modo de designar a Vida."

O Ovo da Serpente 1977 - Filme Raro sobre Nazismo (legendado) - a ver e partilhar


O meu “dia seguinte” aconteceu em 2017 quando o Trump ganhou as eleições. Percebi que ele poderia não ser um epifenómeno mas o princípio de um perigoso processo de degradação e derrapagem para uma direita extremada. A forma como falava, a rudeza com que exprimia a negação dos valores mais elementares, o dizer e o desdizer a seguir com um encolher de ombros normalizando a volubilidade da opinião e decisão, o machismo grosseiro, as asserções anti-científicas...um verdadeiro retrocesso civilizacional.

A psicologia explica muitas coisas que escapam à análise política estrita. O Trump não plantou aquelas ideias nas pessoas: elas estavam lá, controladas pelos filtros sociais pelo assumir de valores socialmente desejáveis. Trump abre a caixa de Pandora que depois de aberta nunca se sabe quando se fecha. O mesmo com o Ventura em modo caseiro.

O que se seguiu foi o que se viu: o retomar dos discursos e políticas despudorados como o de Bolsonaro a que se seguiram tantos outros pela Europa fora. E assistimos à aproximação perigosa dos sociais democratas às teses da extrema direita (gelei com o último discurso do Montenegro nas anteriores eleições).

O mundo de hoje está numa deriva tremenda em que há liberdades que estão em risco e a estrutura, o osso do sistema está muito afetado. Há um torpor face a ataques inimagináveis : a proibição de livros nos EUA, o controle ideológico nas universidades, a proibição do uso de determinadas palavras obrigaria a um levantamento generalizado. Há manifestações grandes mas não há um clamor massivo de rejeição. Estes avanços estão a começar a grassar na Europa.

As guerras- as colunáveis e as outras mais silenciosas e silenciadas - a tragédia de Gaza e a tragédia do silêncio cúmplice adensam tudo. Os tempos são densos e turvos e é difícil visualizarmos uma saída.

Tem-me vindo à memória um filme que me impressionou imenso: “O ovo da serpente “ do Ingmar Bergman que de um modo bruto e discreto conta como o fascismo larvar roía o sistema na Alemanha a pré-anunciar o nazismo. Que chegou. Se puderem, vejam.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

A aula que ensina a ser gente


Na Dinamarca, há uma hora por semana em que não se aprende matemática, nem ciências, nem se conjuga o verbo "ter" — aprende-se, antes, a conjugar o verbo "ser".
Chama-se Klassen Tid, a “Hora da Classe”, mas bem poderia chamar-se a “Hora do Coração”.
Ali, entre mochilas, lápis e silêncios miúdos, as crianças aprendem a arte esquecida de se ouvirem umas às outras — com atenção, com alma.
Aos olhos do mundo, parece coisa pequena: falar de sentimentos na escola.
Mas os dinamarqueses, entre os povos mais felizes do planeta segundo o World Happiness Report (2024), sabem que não se constrói bem-estar sem empatia — esse cimento invisível que une o eu ao outro¹.
Durante essas sessões, dos 6 aos 16 anos, os alunos partilham dores, medos, pequenas vitórias.
Aprendem a escutar sem interromper. A respeitar sem julgar.
Os professores, mais que transmissores de conteúdos, tornam-se guias do sentir.
São jardineiros emocionais, regando com cuidado o terreno fértil da infância.
A prática tem respaldo na ciência. A psicóloga e investigadora norte-americana Michele Borba, no seu livro Unselfie², demonstra que ensinar empatia desde cedo reduz o bullying, melhora a performance académica e reforça a resiliência emocional.
Um estudo da University of Cambridge³ revela que crianças com maior inteligência emocional revelam melhores resultados em leitura e resolução de problemas — competências essenciais no século XXI.
E o próprio Ministério da Educação da Dinamarca reconhece o papel da Klassen Tid, obrigatória desde 1993, como elemento estruturante da formação cidadã⁴.
Num tempo em que as crianças são tantas vezes moldadas para competir, ali ensina-se a cooperar.
Num mundo onde se corre atrás do sucesso, ali aprende-se a parar para sentir.
Porque, no fundo, de que vale saber tudo sobre o universo, se não se compreende o que se passa dentro de nós ou do colega do lado?
Esta lição vinda do Norte traz um sussurro urgente aos restantes sistemas educativos:
Educar não é apenas formar profissionais é formar pessoas.
E, talvez, um mundo mais justo comece assim: numa sala de aula, com miúdos de olhos abertos e corações disponíveis.

Referências
1.World Happiness Report 2024 – Sustainable Development Solutions Network. Dinamarca aparece consistentemente entre os três primeiros países mais felizes do mundo.
3.University of Cambridge (2019). Emotional intelligence in children improves academic achievement. Estudo publicado no British Journal of Educational Psychology.
4. Ministério da Educação da Dinamarca. Curriculum guidelines and values in Danish schools.

Picar a manada… Mas com que aguilhão?


Que esforço inútil foi todo o meu apelo de ontem! Falava, e sentia-me a arder ingloriamente, como um papel incendiado que quisesse comunicar o seu lume a um monte de lenha molhada. E não eram façanhas que pedia! Limitava-me a exigir que não deixássemos substituir dentro de nós o pensante pelo ruminante…
Mas um rebanho é um rebanho. E tanto faz falar-lhe de lobos, como de estrelas. Sonolento, só entende o mundo limitado pelas malhas do redil.

Miguel Torga, in «Diário V» pág. 175

A empatia é uma fraqueza ou um superpoder? - Sem-Abrigo


Há formas de com pouco salvar vidas, e vou-vos mostrar como: Elon Musk diz que a “empatia é um sinal de fraqueza”, ele tem mais dinheiro, mas eu acredito que aqueles que acreditam que a empatia é dos sentimentos mais poderosos da mente humana são a maioria dos portugueses. Ajudam-me a provar que Musk está errado?
Orgulho-me muito de ter trabalhado uns anos no INEM, que para além da experiência médica que fui absorvendo me permitiu entrar em todo o tipo de casas, de todo o tipo de pessoas, no grande Porto. Bairros problemáticos dominados pelo tráfico e pelo crime, as famosas “ilhas” escondidas, e até casebres no meio do nada sem eletricidade. Entrei em todo o lado, com os 5 sentidos bem alerta. Achava eu que tinha visto tudo, mas infelizmente não. Há pior. Há muito pior.
Há um submundo escondido que não se vê a olho nu mesmo para quem já palmou a cidade de lés a lés. Gente que vive nos extremos da pobreza e faz por não ser vista pela fuga às autoridades e também para que não sejam vistos pelos cidadãos que têm local para tomar banho, ou seja, todos nós. Inimaginável como se colocam em tantos lugares onde já passei centenas de vezes e jamais imaginava que havia uma civilização escondida feita de tendas, panos e cartão. Alguma coisa em nós os fez tornarem-se invisíveis. São os “sem-abrigo”. Invisíveis mas iguaizinhos a nós.
A SABER COMPREENDER apoia de uma forma muito humana, integrada e de proximidade estas pessoas há quase 10 anos. Fazem as famosas “rondas”.
Prepararam-se os kits com comes, bebes, café e chá como cartão de visita para o mais importante: SABER quem são, e COMPREENDER os porquês de viverem sem um tecto digno, para que se possam tentar encontrar caminhos e soluções. Esta oferta de comida e bebida, além de suprir o básico é uma porta de entrada para uma conversa, para que aos poucos se ganhe a confiança com psicólogos e assistentes sociais, e se possam encaminhar estas pessoas à tão desejada dignidade humana, só alcançada com a independência económica. É um trabalho muito difícil, mas onde se salva “mais” vidas do que nos hospitais.
Dói-me a alma pensar que há tanta gente com tanto, e outros a dormir na rua ao frio, à chuva e à mercê da maldade alheia. Fontes oficiais: em Portugal a estimativa é que sejam mais de 13.000 as pessoas que vivem no degrau mais baixo da miséria, os sem-abrigo.
A SABER COMPREENDER faz o seu trabalho num regime de 100% voluntariado, e tinha até há pouco tempo o uso fruto duma carrinha da Junta de Freguesia que chegou ao fim. Agora, para que possam fazer o seu trabalho que tem toques de magia humana, acreditem em mim que já fiz uma ronda com eles, precisam de comprar uma carrinha em segunda mão… e já há semanas que não saem à rua, o que quer dizer que há muitos dos nossos irmãos mais pobres a sofrer ainda mais, por falta desta pequena, mas enorme ajuda e com incontáveis casos de enorme sucesso.
Se fosse fácil por certo já estaria feito. É preciso ouvir, sentir, dar e receber, criar laços, vincar a confiança, para que num momento... naquele momento certo, se consiga abrir a porta de saída para uma ajuda técnica e especializada que possa tratar as questões de fundo, e encaminhar para a tão desejada independência económica que lhes permita voltar a ser visíveis por todos nós. “Des-desumanizá-los”!
Cada um de nós vale pelo tamanho dos seus sonhos, e como sociedade apenas temos a força do nosso elo mais fraco. Só ficaremos mais fortes se fortalecermos os mais vulneráveis. É um facto. Somos um tecido humano, em que a fragilidade de uma peça, é o desequilíbrio de todos nós.
Nunca duvidem que podia ser qualquer um de nós, a “tropeçar” numa situação de sem-abrigo. Há dois anos, descobri que tinha um amigo de infância nessa situação, e foi a SABER COMPREENDER que tanto me ajudou, mas a minha admiração já vinha de antes ao ponto que lhes ofereço os lucros dum dos meus livros.
E por isso, vos peço a vossa ajuda (link a baixo), com o que entenderem poder dar, para que se consiga uma carrinha para que a humanidade não perca esta pequena gota de água de humanidade, mas que encharca de amor centenas e centenas de pessoas.
Contribuam, e partilhem se acreditam que vale a pena lutar por um mundo melhor!
Muita gente vos ficará grata por salvarem as suas vidas, e acredito que as memórias do Papa Francisco também vos agradecerão, tal como ele diz na sua carta de despedida revelada após a sua morte: “Se alguma vez as minhas palavras vos tocaram, não as guardem. Transformem-nas em ação. Abracem quem está sozinho.”
Ajudem a provar que Elon Musk está errado! Doar Aqui
IG 


Charles Bukowski


A solidão que frequentemente acompanha a inteligência e a sensibilidade. Ser inteligente não significa apenas saber mais — significa perceber o que muitos ignoram, enxergar contradições, mentiras, superficialidades e dores que passam despercebidas aos olhos comuns.
Quem entende demais sente demais. E essa consciência profunda pode isolar, porque nem sempre há com quem compartilhar esse peso de forma honesta. A lucidez, muitas vezes, é um caminho solitário.
O mundo parece barulhento, raso, repetitivo — e quanto mais se compreende, menos se pertence.

Charles Bukowski

O discurso da infâmia

[num domingo à noite, febril, deitado de lado, com o coração aos gritos e a televisão ligada no volume errado]
Ontem à noite, o país sentou-se a ver o circo. Um circo de uma só figura, de um homem só, de um espectáculo monológico onde o palhaço também era domador, director, macaco amestrado, leão faminto e criança perdida que grita da plateia para que olhem para ele, só para ele, sempre para ele. André Ventura falou. Falou como quem cospe. Falou como quem bate. Falou como quem quer ser amado mas só sabe odiar. E parte do país, a parte do país fatigado de esperar por Deus, ouviu. Ouviu como se ouve o padre numa missa a que se vai por obrigação, como se ouve a mulher que já não se ama ou o pai que já não se respeita. Ouviu com raiva, com cansaço, com culpa.

Disse que acabara o bipartidarismo. Disse-o como quem anuncia a queda de Roma, o fim dos tempos, a libertação do povo escolhido. E ali estava ele, o Moisés do populismo, de microfone à frente e a azia no bolso como quem esconde a vergonha, prometendo terra prometida a quem nunca teve jardim. Disse que a história tinha mudado, que agora o país era outro, um país dele, feito por ele, para ele, com ele ao leme e os outros calados, de joelhos, em silêncio. Ventura quer o país em silêncio. O país de joelhos. O país em medo. Ventura não quer governar. Ventura quer mandar. E o que há de mais grave é que há quem deseje ser mandado. Há quem precise.

O Chega não é um partido. É uma carência. Um sintoma. É o vómito do país que nunca curou a sua tristeza. Que finge que é alegre no São João, no Santo António, nas bifanas do domingo, nos copos do sábado, nas sardinhas do Junho. Mas que sangra por dentro. Que odeia por dentro. Que tem raiva de si, de tudo, de todos. Ventura oferece isso: um inimigo. Um sentido. Um alvo. Se há um culpado, já não sou eu. Já não é o meu fracasso, o meu salário, a minha solidão. É o cigano, o negro, o comunista, o assistente social, o jornalista, o juiz, o reformado, o artista, o pobre, o estranho. Ventura dá um nome à frustração. E isso consola. E isso vicia. E isso mata.

O seu discurso foi uma lista de cadáveres simbólicos. “Matei o partido de Álvaro Cunhal”, disse, como se estivesse a caçar fantasmas no sótão. “Varreram o Bloco de Esquerda do mapa”, gritou, com o orgulho de quem limpa sangue do chão e chama a isso arrumação. Para Ventura, política é isso: uma limpeza. Uma desinfecção. Uma purga. Como se o país estivesse sujo e só ele, com a sua verdade puríssima, o pudesse lavar. E lavar com quê? Com insultos. Com medo. Com castigos. Com prisões perpétuas. Com castrações químicas. Com multas. Com violência.

E depois, claro, o momento cómico, se a comédia ainda tivesse graça. Atacou as sondagens. Sempre as sondagens. Sempre o mesmo coro: que o queriam calar, que o queriam derrubar, que lhe mentem, que lhe fazem armadilhas. Ventura não percebe que as pessoas votaram no seu partido com vergonha de o fazer, de o dizer às sondagens. Ventura é o miúdo que jogava mal à bola e que ninguém quis na equipa e passou o resto da vida a sonhar ser capitão. E agora que lhe deram um apito, anda a expulsar todos os que correram mais depressa do que ele. Ventura não acredita em instituições. Acredita em si. Ventura não acredita em regras. Acredita no seu instinto. Ventura não acredita no país. Acredita no seu espelho.
E depois aquela frase. Aquela frase que soa a taverna com vinho barato e gritaria ao fundo. “A mama vai mesmo acabar.” Disse-o com o orgulho de quem faz justiça, mas com o tom de quem está habituado a mentir e a justificar-se com o cansaço. A mama vai acabar. A mama, quer dizer, o Estado. Os apoios. Os direitos. A solidariedade. Os serviços. A dignidade. Ventura quer um país onde só os fortes sobrevivem. Onde quem não consegue, morre. Onde quem chora, se cala. Onde quem precisa, se esconde. Porque, para ele, a vida é uma luta de cães. E ele é o dono da trela.

Mas Ventura não quer que a mama acabe. Ventura quer ser ele a mamar. Quer o lugar do outro. Quer mandar nos subsídios. Quer mandar na televisão. Quer mandar na escola. Ventura quer mandar. Ventura quer mandar. Ventura quer mandar. E o país, esse país magoado, esse país velho que já não acredita em ninguém, esse país que se esqueceu como é que se luta, esse país votou nele como quem diz: “toma, faz tu melhor.” E ele fará. Mas não será melhor. Será só mais triste. Mais cruel. Mais pequeno.

O que me espanta não é Ventura. Ventura é uma personagem de novela das seis: previsível, mal escrita, exagerada. O que me espanta é o silêncio. O silêncio dos outros. O silêncio dos bons. O silêncio dos sérios. Dos que deviam estar ali, naquele exacto momento, a dizer: basta. Mas estavam calados. Com medo de perder votos. Com medo de serem insultados. Com medo de não parecerem “populares”. E assim se mata uma democracia: não com balas. Com medos. Com cobardias. Com silêncios.

Este discurso, o de 18 de ontem, não foi um discurso. Foi uma bofetada. Foi uma noite de gritos num quarto fechado. Foi o início de qualquer coisa escura. E se não gritarmos agora, se não dissermos agora, alto e claro, que isto não é normal, que isto não é aceitável, que isto não é o país que queremos, amanhã já não poderemos falar. E depois? Depois virá o silêncio. O grande silêncio. O silêncio dos cemitérios. E Ventura sorrirá. Porque não há nada mais cómodo para quem quer mandar do que um povo sem voz. E nós estamos perigosamente perto disso. Perto de calar. Perto de baixar a cabeça. Perto de desistir.
E quando isso acontecer, será tarde. Será sempre tarde.
Maio 2025
Nuno Morna

P.S: Estarei sempre do outro lado da barricada. Com todos os que são, efectivamente, pessoas de bem, não os que se dizem, mas os que o demonstram, com os que amam a liberdade sem adjectivos e a democracia sem asteriscos. No combate a todos os radicalismos, venham eles mascarados de justiça ou de ordem, de povo ou de nação. No combate aos que aparecem para dividir, para semear o ódio, para apagar a pluralidade, para transformar o medo em política. No combate, sempre, à intolerância, a intolerância dos gritos e a dos silêncios cúmplices. 
Quero viver com a noção de que "Combati o bom combate", 2 Timóteo 4:7-8. 
Da minha parte, não esperem outra coisa. Nem agora, nem nunca.

domingo, 18 de maio de 2025

45 anos sem Ian Curtis


A última foto de Ian Curtis, tirada na manhã de 15 de Maio de 1980, para o passaporte daquela que iria ser a primeira digressão americana dos Joy Division. Como se sabe Curtis nunca chegou a fazer essa viagem porque, dias depois, há 45 anos, pôs fim à vida. Os Joy Division, como uma vez disse Peter Hook foram “profissionais” apenas durante os 6 meses anteriores à morte de Curtis, porque todos eles tinham ocupações profissionais antes. Se pensarmos bem provavelmente nunca existiu outra banda tão influente nos desenvolvimentos da música popular, ainda hoje com um legado muito potente, tendo sido “profissional” apenas seis meses.

Na noite do dia 17 de maio, dias antes do início da primeira turnê do Joy Division nos Estados Unidos, Ian assistiu a um de seus filmes favoritos, Stroszek, de Werner Herzog, enquanto ouvia Weeping, momentos antes de se enforcar, falou por telefone com Genesis P-Orridge. E nas primeiras horas da manhã do dia 18 de maio, Ian enforcou-se em sua cozinha, utilizando uma corda que sustentava o varal de roupas, segundo se conta, ouvindo o disco The Idiot, primeiro lançamento do cantor norte-americano Iggy Pop. Os pontos de vista e as preferências de Ian Curtis continuam a gerar especulações sobre as reais razões pelas quais ele resolveu tirar a própria vida. Alguns dizem que ele simplesmente desejou morrer jovem. Mas o fato é que Ian já era conturbado na sua adolescência, com pensamentos e ideologias de contracultura, uma mente provavelmente já farta do mundo ao seu redor.


Bruno Stroszek (Bruno S.), um músico de rua alcoólatra, acaba de sair da prisão. Sem esperanças, ele conta apenas com um glockenspiel e um acordeon. Logo conhece a prostituta Eva (Eva Mattes) e, em companhia de Scheitz (Clemens Scheitz), excêntrico vizinho de Bruno, decidem ir para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor.

Carolyn Steel - Desafios da Sitopia para alimentação nas grandes cidades hoje


E se o caminho para transformar o planeta e torná-lo sustentável dependesse de algo tão cotidiano e de primeira necessidade como a comida? Este é o argumento defendido pela arquiteta, professora e escritora britânica Carolyn Steel, em seu livro Sitopía (Capitán Swing, 2022).

Sitopia é um termo inventado por Steel a partir das palavras gregas sitos (alimento) e topos (lugar), e significa, literalmente, lugar de alimentos. Com isso, pretendia dar um nome à nossa sociedade, um mundo conformado pela comida.

Steel reflete sobre como a forma como nos alimentamos moldou nossas cidades. Conforme os mercados tradicionais vão desaparecendo e o valor que atribuímos à comida é cada vez menor, também vamos perdendo a coesão social, a saúde e até a nossa própria identidade cultural. Por dependermos de alimentos cada vez mais baratos e produzidos de modo intensivo, entramos em um modo de vida menos sustentável. Ainda temos tempo para mudar?

A entrevista é de Mariángeles García, publicada por Yorokobu, 22-03-2023. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.

A filosofia está muito presente em seu livro. O fato desta disciplina estar desaparecendo dos planos de estudo (ao menos na Espanha) nos torna, como cidadãos, mais vulneráveis a ideologias que nos desumanizam?
Sim! De fato, acredito que estamos perdendo a capacidade de pensar por nós mesmos e de nos fazer grandes perguntas, o que realmente me preocupa. Penso que a internet criou uma espécie de supermercado das ideias, no qual as pessoas vão às compras até encontrar conceitos pré-fabricados que as atraem. Então, elas os adotam por atacado, como se tivessem sido pensados por elas próprias.

Isto me preocupa muito, porque essas ideias, muitas vezes, tornam-se ideologias irremovíveis. Também nos expõe a acreditar em teorias da conspiração e a ser incapazes de examinar o que realmente pensamos desde a base e, portanto, de estabelecer um debate fundamentado. Como vimos com a recente invação ao Capitólio dos Estados Unidos e agora ao Congresso brasileiro, este fenômeno ameaça a própria democracia.

Qual é a relação entre filosofia e alimentação, e como isso afeta nossa cultura alimentar?
Bem, existem poucos atos tão significativos como o de comer: levanta questões muito profundas como o que é a vida, o que significa compartilhar com justiça, qual é a nossa relação com a natureza e como é uma boa vida.

Por exemplo, só pelo fato de comer, nós nos autorizamos a considerar nossa vida mais importante do que a de, por exemplo, um frango ou uma batata. Mais do que isso, penso que ver o mundo pelo prisma da comida pode nos ajudar a nos tornarmos filósofos, o que significa que pode nos habilitar a fazer grandes e importantes perguntas. E isso, conforme eu dizia antes, é extremamente importante. De fato, se eu tivesse que redesenhar o plano de estudos, colocaria a alimentação e a filosofia entre as disciplinas mais importantes.

Por isso, inventei a palavra sitopia, porque vivemos em um mundo moldado pela comida. Sendo assim, pensar a partir dela pode nos ajudar a olhar ao nosso redor, questionar nosso lugar no mundo e voltar a nos fazer essas grandes perguntas.

O urbanismo das cidades costumava gravitar em torno de seus mercados: eram os centros de reuniões sociais e quase políticas. Como o urbanismo mudou, desde que a nossa alimentação piorou?
O mercado era o centro da cidade pré-industrial, não só fisicamente, mas social, econômica, simbólica e politicamente. Antes que a industrialização destruísse a o vínculo geográfico entre os alimentos e as cidades, os mercados eram os únicos lugares onde as pessoas podiam comprar alimentos frescos, então, todos recorriam a eles, não só para comprar comida, mas para uma socialização, para saber das últimas notícias e tagarelar.

Basta ler as descrições da ágora ateniense, os relatos de Zola sobre Les Halles, em Paris, e os de Samuel Pepys sobre Covent Garden para perceber como esses espaços públicos eram vibrantes. De fato, os supermercados foram projetados especificamente para eliminar os encontros sociais que outrora caracterizavam os mercados, o que significa uma grande perda.

O que essas mudanças implicam?
Como arquiteta, tenho muito interesse na importância da esfera pública, ou seja, a presença de um espaço aberto, inclusivo e heterogêneo no qual se é livre para atuar e se encontrar face a face com seus concidadãos. De fato, isso está diretamente relacionado ao debate anterior, sobre como as pessoas estão perdendo a capacidade de debater e pensar por si mesmas, porque grande parte dessa atividade agora é realizada on-line. E isto está longe de ser um verdadeiro espaço público, já que, como sabemos, é muito manipulado.

As implicações são enormes, uma vez que limitam nossa experiência do outro e nossas oportunidades de sentir o que temos em comum (apesar de nossas diferenças). E, por sua vez, ameaça nosso compromisso político e, de fato, nossa capacidade de participar como cidadãos em uma democracia que funcione.

Qual é a primeira coisa que você faz quando viaja para uma nova cidade? 
No meu caso, e penso que no de muitos de nós, é procurar pela comida local e tradicional, seja em mercados, comércios locais, cafés e restaurantes. É de longe a maneira mais rápida (e prazerosa!) de entender o que faz um lugar funcionar, como as pessoas se relacionam, como são a paisagem e a cultura local.

Uma cidade como Barcelona, por exemplo, que protege e investe em seus mercados e promulga leis para protegê-los do desenvolvimento dos supermercados, seria uma dessas cidades. E, claro, muitas cidades do sul permanecem organizadas de forma espetacular em torno de suas culturas alimentares tradicionais, porque a marcha inexorável do McDonald's et al ainda não as alcançou.

Penso que a mensagem mais poderosa que podemos enviar a esses lugares é que, a todo custo, se apeguem a suas culturas alimentares locais: uma vez perdidas, é muito difícil recuperá-las (como qualquer pessoa no Reino Unido pode dizer!) e delas depende, em grande medida, a coesão social e política de um povo.

sábado, 17 de maio de 2025

Marie Chénier - Um coração que sabe odiar é sempre criminoso

Biografia

Octave Mirbeau sobre o ódio


"Não odeies pessoa alguma, nem mesmo os maus. Compadece-te deles, porque jamais conhecerão o único gozo que consola na vida: fazer o bem."

Entusiasta do anarquismo e ardente deyfusista, encarna o protótipo de intelectual comprometido com os assuntos públicos de sua época, assumindo como dever primordial desmistificar as instituições que alienam e oprimem. Nesta tarefa buscou constituir uma estética da revelação que levasse a lucidez, capaz de obrigar os voluntariamente cegos a encararem a realidade das injustiças do mundo. Combateu a sociedade burguesa e a economia capitalista, fazendo frente a formas literárias e estéticas tradicionais que contribuíam para anestesiar consciências, rejeitou o naturalismo, o academicismo e o simbolismo, buscando seu caminho entre o impressionismo e expressionismo.

War/No More Trouble feat. Bono



À medida que viajávamos pelo mundo, encontrávamos amor, ódio, ricos e pobres, negros e brancos, bem como muitos grupos religiosos e ideologias diferentes. Ficou muito claro que, enquanto raça humana, precisamos de transcender das trevas para a luz e a música é a nossa arma do futuro. This Song Around The World conta com a participação de Bono, David Broza, Rocky Dawuni, Mermans Mosengo e músicos que viram e superaram conflitos e ódio com amor e perseverança. Não precisamos de mais problemas, o que precisamos é de amor. O espírito de Bob Marley vive sempre.

Until the philosophy which hold one race
Superior and another inferior
Is finally and permanently
Discredited and abandoned
Everywhere is war, me say war

(We don't need) No, we don't need (no more trouble)
No more trouble!
(We don't need no more trouble)

(We don't need) We don't need (no more) trouble!
We don't need no trouble!

What we need is love (love)
To guide and protect us on (on)
If you hope good down from above (love)
Help the weak if you are strong now (strong)

We don't need no trouble (Need no trouble)
What we need is love
(What we need is love sweet love) Oh, no!
We don't need, no more trouble!
Lord knows, we don't need no trouble!

Speak happiness! (Sad enough without your woes)
Come on, you all, and speak of love
(Sad enough without your foes)

We don't need no trouble (We don't need your troubles)
What we need is love now (What we need is love!)
(We don't need) Oh, we don't need no more trouble!
We don't need, no, we don't need no trouble!

WLT - Daughter - Medicine

Apesar de já ter 12+ anos em que foi produzido, confesso que venho aqui todos os dias porque é literalmente a coisa mais curativa do mundo.


Pick it up, pick it all up
And start again
You've got a second chance
You could go home
Escape it all
It's just irrelevant

It's just medicine
It's just medicine

You could still be
What you want to
What you said you were
When I met you

You've got a warm heart
You've got a beautiful brain
But it's desintegrating
From all the medicine
From all the medicine
From all the medicine
Medicine

You could still be
What you want to be
What you said you were
When you met me

You could still be
What you want to
What you said you were
When I met you
When you met me
When I met you

Ooh

Medicine

Clarice Lispector - Eu escolhi o caminho do amor



"Eu escolhi o caminho do amor.
Mesmo que ele me custe dores, angústias ou decepções,
eu sigo firme — porque escolhi ser verdadeira.
No meu caminho, o abraço é inteiro,
o aperto de mão carrega alma,
e cada sorriso que dou carrega um mundo de intenções boas.
Não estranhe minha forma de ser.
Se te desejo o bem, é de verdade.
Se me importo, é profundo.
Se fico, é porque sou raiz, não passagem.
É assim que eu vejo a vida:
com intensidade, com entrega, com verdade.
E é só assim que eu acredito que vale a pena viver.”
— Clarice Lispector

Israel denuncia "discurso irresponsável" do chefe humanitário da ONU



Na terça-feira, durante uma reunião do Conselho de Segurança, Tom Fletcher criticou duramente as condições desumanas impostas "sem o menor constrangimento" por Israel no território palestiniano.

Tom Fletcher utilizou mesmo a palavra "genocídio".

"De que mais provas precisam? Vão agir de forma decisiva para impedir o genocídio e garantir o respeito pelo direito internacional humanitário, ou, em vez disso, dirão `fizemos tudo o que podíamos?`", questionou.

Danny Danon realçou, numa carta enviada na sexta-feira a Tom Fletcher, tornada pública pelo seu gabinete, que ficou "profundamente chocado e perturbado" com aquelas declarações.

"Teve a ousadia, na sua capacidade de alto funcionário da ONU, de se apresentar perante o Conselho de Segurança e invocar a acusação de genocídio sem provas, sem mandato, sem restrições", denunciou.

"Esta foi uma declaração completamente descabida e irresponsável, que destruiu qualquer noção de neutralidade (...) O senhor não informou o Conselho, fez um sermão político", acrescentou.

Para o embaixador israelita, utilizar "a palavra `genocídio` como arma contra Israel não é apenas uma distorção, é a profanação e a subversão de um termo de força e peso únicos".

O difícil relacionamento entre Israel e a ONU deteriorou-se ainda mais após o ataque sem precedentes do Hamas contra Israel, a 07 de outubro de 2023, e a retaliação do exército israelita na Faixa de Gaza.

As autoridades israelitas cortaram todos os laços com a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA), que acusam de estar infiltrada pelo Hamas.

Em outubro passado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi declarado "persona non grata" em Israel.

Já hoje, o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, lamentou a escalada dos ataques israelitas na Faixa de Gaza, alertando para uma "limpeza étnica" do povo palestiniano em curso.

Em resposta ao ataque de 07 de outubro de 2023 do grupo islamita palestiniano Hamas - que fez 1.200 mortos e 251 sequestrados -, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, propôs-se "erradicar" o movimento, e o seu Exército lançou horas depois uma ofensiva destruidora em Gaza que causou mais de 53.000 mortos, obrigou os 2,4 milhões de habitantes a deslocarem-se várias vezes em busca de refúgio e provocou uma catástrofe humanitária.

Após um cessar-fogo de dois meses, o Exército israelita retomou a ofensiva na Faixa de Gaza a 18 de março e apoderou-se de vastas áreas do território.

No início de maio, o Governo de Netanyahu anunciou um plano para "conquistar" Gaza, que Israel ocupou entre 1967 e 2005.