Na quietude da noite, sob o cobertor sufocante do brilho neon da cidade, havia um homem chamado Artur. Artur morava num apartamento pequeno e bagunçado à beira do esquecimento, ou pelo menos era assim que ele se sentia. A sua vida era um labirinto de prazos, cada um deles um minotauro que o perseguia incansavelmente. O tique-taque dos relógios, o zumbido do computador, os bipes incessantes das notificações – o tempo era uma fera com muitas cabeças, e cada uma delas estava com fome.
Artur trabalhava como jornalista, mas não do tipo que escrevia sobre acontecimentos importantes ou pessoas influentes. A sua batida era o mundano, o despercebido, o esquecido. Ele narrou a vida daqueles que viviam nas fendas da sociedade, os invisíveis. Ele sempre sentiu afinidade por eles, talvez porque também se sentisse invisível na maior parte do tempo. As suas palavras eram seu único refúgio, uma forma de dar sentido ao caos que o cercava.
Mas ultimamente, Artur sentia um aperto no peito, uma sensação torturante de que o seu tempo estava a acabar. Não eram apenas os prazos – eles sempre existiram, como velhos amigos que demoravam muito para serem bem-vindos. Não, isso era algo mais profundo, mais insidioso. Ele se viu a olhar para o relógio, vendo os segundos escaparem como grãos de areia por entre os seus dedos. Ele sentiu como se estivesse na costa de um vasto oceano, a maré subindo inexoravelmente, ameaçando puxá-lo para baixo.
Uma noite, sentado à sua mesa, cercado pelos detritos de sua vida – chávenas de café vazias, papéis amassados e refeições pela metade –, ele recebeu um e-mail. A linha de assunto dizia: “Seu prazo final”. Era de uma mulher chamada Elara, um nome que parecia brilhar na tela. O e-mail era breve, quase enigmático: "Encontre-me na antiga torre do relógio à meia-noite. O seu tempo está a acabar."
O coração de Artur disparou. Ele nunca tinha ouvido falar de Elara, mas havia algo na mensagem que parecia urgente, inegável. A antiga torre do relógio estava abandonada há anos, uma relíquia de uma época passada. Ficava nos arredores da cidade, uma sentinela silenciosa vigiando a vida daqueles que passavam sob a sua sombra.
À medida que se aproximava a meia-noite, Artur viu-se parado na base da torre do relógio. O ar estava denso de neblina, e a torre assomava acima dele como um monólito, com os ponteiros congelados a um minuto da meia-noite. Ele empurrou a pesada porta de madeira e entrou.
O interior estava escuro, exceto por uma única vela tremeluzindo sobre uma mesa no centro da sala. Sentada à mesa estava uma mulher, o rosto parcialmente obscurecido pelas sombras. Ela ergueu os olhos quando ele entrou e ele viu que os olhos dela eram de um azul profundo e penetrante, como as profundezas do oceano.
"Você deve ser Artur", disse ela, com a voz suave e melódica. "Eu estive à espera por você."
"Quem é você?" Artur perguntou, sua voz tremendo ligeiramente.
"Eu sou Elara", ela respondeu. "Estou aqui para ajudá-lo a encontrar o tempo que você perdeu."
Artur franziu a testa. "O que você quer dizer?"
Elara apontou para o relógio na parede. "O tempo é uma construção, Artur. Ele pode ser dobrado, esticado ou até mesmo pausado. Mas para você, tornou-se uma prisão. O seu tempo está a acabar porque se esqueceu de como viver no presente."
Artur balançou a cabeça. "Eu não entendo."
Elara levantou-se e caminhou até ele. "Feche os olhos", ela sussurrou.
Ele obedeceu e, ao fazê-lo, sentiu um calor inundá-lo, uma sensação de ser levantado, sem peso. Imagens passaram diante de seus olhos – memórias da sua infância, momentos de alegria, tristeza, amor e perda. Ele se via quando menino, correndo pelos campos de trigo dourado, rindo com os amigos, brincando na chuva. Ele viu seu primeiro amor, o toque da mão dela, o calor do seu sorriso. Ele viu os seus pais, com os rostos marcados pela idade, mas cheios de orgulho e amor.
E então ele se viu curvado sobre a mesa, o peso do mundo sobre os ombros, o relógio sempre correndo, sempre em contagem regressiva.
Quando ele abriu os olhos, ele estava de volta à torre do relógio. Elara havia desaparecido, mas a vela ainda tremeluzia, lançando um brilho suave. O relógio na parede começou a se mover novamente, os seus ponteiros avançando continuamente.
Artur respirou fundo e saiu. A neblina havia-se dissipado e as primeiras luzes do amanhecer surgiam no horizonte. Ele sentiu uma sensação de clareza, de propósito. Ele sabia agora que o tempo não era seu inimigo, mas uma dádiva – uma dádiva a ser valorizada, a ser vivida plena e completamente.
Ao voltar para o seu apartamento, resolveu escrever a sua história, não apenas dos esquecidos, mas dos momentos encontrados, dos momentos que faziam a vida valer a pena. Afinal, não se tratava de ficar sem tempo, mas de fazer valer cada momento.
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