A falência do Silicon Valley Bank não é apenas um problema bancário, mas também um murro no estômago do ecossistema de startups que viu desaparecer um importante agente de financiamento da indústria.
A falência do Silicon Valley Bank (SVB) foi uma pedrada que se abateu no setor bancário norte-americano com réplicas pelo mundo fora. As bolsas caíram a pique, os receios de uma nova crise financeira a fazer relembrar a crise de 2008 tomaram conta de investidores e aforradores por todo o mundo, e os reguladores americanos e europeus atiraram-se rapidamente ao problema para estancar o medo e o pânico que corria nas ruas.
No centro da crise do SVB estiveram decisões de gestão erróneas da administração do banco que promoveram a construção de uma carteira de ativos completamente desalinhada com a estrutura de risco dos seus clientes. Esta realidade fez com que, numa situação inesperada como foi a galopante subida das taxas de juro, tivesse lugar uma desvalorização profunda dos ativos que assustou o mercado e que rapidamente escalou o problema para outra dimensão com o despoletar de uma corrida aos depósitos por parte dos clientes.
O impacto da falência do banco no Vale do Silício, na Califórnia, é tão grande que, no sábado, a reconhecida incubadora e aceleradora de startups Y Combinator estimava que o provável congelamento das verbas depositadas no SVB por parte de algumas das startups da sua comunidade poderia impactar o processamento de salários e o pagamento de contas de mais de 10 mil empresas e startups.
A atividade do Silicon Valley Bank não se resumia a apoiar as startups. Atuava também como investidor de fundos de venture capital.
No entanto, as réplicas deste drama bancário sentem-se para lá do setor financeiro. Têm-se feito sentir por todo o ecossistema de startups porque o SVB não era um simples banco depositário dos recursos das startups do Vale do Silício. Era um importante agente deste setor, atuando também como financiador destas empresas e da indústria.
O SVB chegou inclusive a assumir posições bem mais arriscadas que muitos fundos de capital de risco. É disso exemplo a concessão de créditos a startups por troca de futuras participações nas empresas, como sucedeu com a Airbnb, a Fitbit ou a Pinterest. Foi assim que levantou quase 14 milhões de euros no IPO da FitBit e, mais recentemente, quando assumiu os direitos de adquirir 400 mil ações a 1 dólar por ação na abertura ao capital da Coinbase em Bolsa – no primeiro dia de negociação, os títulos desta corretora de criptoativos fechou acima dos 325 dólares.
Não foi por isso de estranhar que mais de uma centena de empresas de capital de risco e de investidores individuais assinaram uma declaração de apoio ao SVB, também com o intuito de limitar as consequências do colapso do banco e evitar um possível “evento ao nível da extinção” para as empresas de tecnologia.
O SVB era um importante agente no ecossistema do Vale do Silício e do universo global de startups, como mostra uma breve lista de empresas com depósitos e créditos junto do SVB, publicada pela Reuters. Mas não só. A atividade do SVB não se resumia a apoiar as startups. Atuava também como investidor de fundos de venture capital dos poderosos Accel Partners ou Sequoia Capital.
A falência do SVB terá por isso impacto sobre todo o ecossistema, mais ainda porque como se viu na segunda-feira, os efeitos colaterais do colapso do SVB fizeram-se sentir com estrondo sobre todos os bancos com estruturas de capital e operações semelhantes ao SVB.
Além disso, é importante notar que a falência do SVB surge numa altura em que o ecossistema passa por um período de teste. Num relatório do SVB apresentado a 8 de março, a gestão do banco referia que os seus clientes (maioritariamente startups e fundos de venture capital) “estão a queimar dinheiro a um ritmo duas vezes superior aos níveis anteriores a 2021 e não se ajustaram ao ambiente mais lento de angariação de fundos.”
Essa realidade é bem visível pela queda a pique do volume de investimento por parte dos venture capital no último ano. “Os investimentos globais de venture capital diminuíram todos os trimestres [de 2022], terminando o ano com uma queda de 36% em relação a 2021” referem Andre Fernandes e Alice Leonard no relatório “Global Venture Capital Outlook: The Latest Trends“, da Bain & Company, publicado a 2 de março.
Estes números e as falências do SVB ou do Signature Bank (uma instituição com mais de 100 mil milhões de euros) não significa que o fim do ecossistema de startups e da indústria de venture capital. Significa apenas que “o venture capital vai sofrer”, refere Filipe Garcia, economista da IMF, sublinhando a normalidade desse cenário em função de todos os factos dos últimos dias. No entanto, refere também que “não vai morrer” e que “os investidores é que poderão ser mais seletivos e muitos projetos podem simplesmente desaparecer.“
O relatório da Bain & Company, por exemplo, revela que apesar da dimensão média dos negócios e o investimento realizado pelos fundos de venture capital terem diminuído na maioria das fases de financiamento em 2022, o financiamento em fase de seed aumentou 4% no último ano. “A inovação está a chegar e os investidores de venture capital estão a apostar nela, deslocando o seu foco para as fases de seed, enquanto esperam que a turbulência do mercado diminua.”
Cristina Fonseca, cofundadora da Talkdesk e general partner da Indico, uma sociedade que gere quatro fundos de capital de risco, vai mais longe. Destaca que a falência do SVB “não tem nada a ver com a nossa indústria, exceto que muitos clientes eram startups e fundos de Silicon Valley porque são da mesma região.”
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