sexta-feira, 30 de agosto de 2024

58º aniversário

"As gaivotas" por Sarah Jane Szikora

Nasci a 30 de Agosto de 1966. Cresci no campo. Vi a gratidão da Natureza, mas também as pragas que infestam as culturas e os prejuízos económicos disso, bem como de geadas, granizo e campos inundados. Aos 13 anos já sabia que queria ser: Biólogo. E a vida foi correndo, umas com muitas alegrias, outras muito trágicas: a perda do meu pai aos 11 anos; no auge da faculdade a perda da minha irmã mais velha, tinha eu 21 anos. Mais tarde, a perda do meu irmão mais velho; dois anos depois a morte da minha mãe e ainda não tinha feito 50 anos, a maior perda de todas: a minha mulher, Teresa, que se suicidou (era doente bipolar). Seis anos depois a morte do meu irmão mais novo. Entretanto também fui perdendo amigos por falecimento. 
Vivi em 10 casas: a primeira foi no Porto, até aos 4 anos. Depois passei a viver numa aldeia, do lado de Gaia, Lamaçães (Pedroso). Fiz a primária até ao 7º ano. Aos 14 mudei-me para Coimbrões e inscrevi-me no Liceu de Gaia. Havia partilhas e o ambiente em Pedroso não era bom. Vivi na casa da minha irmã mais velha, até aos 17 anos. Como compramos uma moradia, fomos viver para Lavadores, entre os 18 e os 23 anos. A moradia dava muito trabalho, a minha irmã mais velha vivia por cima de nós e como faleceu, eu e a minha mãe entrámos numa grande depressão e resolvemos comprar um T2 em Coimbrões. Lá vivi até aos 28 anos. Casei com 29 anos e fomos viver para Areosa, um T2, durante 5 anos. Encontramos um excelente apartamento em Matosinhos, um T4, perto do mar. Aí vivi entre os 34 e os 49 anos, ano 2016, em que ocorreu a trágica morte da minha mulher. Fomos procurar novos apartamentos e encontramos um T3 muito bom e bem localizado (perto do centro da Maia), arrendado, até aos meus 56 anos. Por motivos do casamento do filho do senhorio, tive que mudar para um T2 no Castêlo da Maia, onde vivo atualmente.

Agora estou com 58 anos. Vamos a ver o que a minha vida ditará.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Oceanos absorveram 90% do aquecimento global e registam mudanças irreversíveis


Os oceanos absorveram mais de 90% do calor excessivo retido pelos gases com efeito de estufa desde 1971 e estão já a passar por “mudanças que serão irreversíveis nos próximos séculos”, alertou hoje a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Esta é uma das conclusões do relatório da OMM sobre o estado do clima no sudoeste do Pacífico no ano de 2023, apresentado no Tonga pela secretária da organização, Celeste Saulo, e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que se encontra de visita ao país durante a realização do 53.ª cimeira do Fórum de Líderes das Ilhas do Pacífico.

As ilhas paradisíacas do Pacífico estão em perigo devido ao “transbordamento” do oceano, disse Guterres, à medida que a subida média dos mares em todo o mundo ocorre a uma velocidade sem precedentes. Mas o problema “está a chegar a todos nós, juntamente com a devastação da pesca, do turismo e da economia azul”, disse o líder das Nações Unidas.

O secretário-geral da ONU alertou ainda para a ameaça real de um degelo da Gronelândia e da Antártida ocidental, que colocaria em perigo aglomerações como Los Angeles, Lagos e as megacidades asiáticas de Xangai, Mumbai e Dhaka.

Guterres referiu-se assim ao impacto da crise climática na subida do nível do mar durante um discurso no arquipélago oceânico de Tonga, no âmbito da cimeira de líderes das ilhas do Pacífico, que estão entre as mais ameaçadas pelas alterações climáticas.

Tendo feito da crise climática uma das bandeiras do seu mandato, o secretário-geral da ONU deu como certo que haverá um aumento de um metro no nível do mar, mas insistiu que depende da ação humana “a escala, o ritmo e impacto” desse aumento.

O relatório da OMM indica que o degelo na Gronelândia e nos pólos, somado à alta absorção do aquecimento global pelos oceanos, está a acrescentar água às grandes massas do planeta, que por sua vez aumentam a sua temperatura e se expandem, levando ao aumento dos seus níveis.

“Prevê-se que os 2.000 metros superiores do oceano continuem a aquecer devido ao calor excessivo acumulado no sistema terrestre pelo aquecimento global, uma mudança que é irreversível em escalas temporais de séculos e milénios”, avança o relatório.

As ilhas do Pacífico estão na “linha da frente” da crise climática devido à sua elevada exposição aos efeitos das emissões de gases – para os quais praticamente não contribuem -, incluindo ciclones tropicais e inundações, e fenómenos como uma erupção vulcânica que gerou um tsunami e uma forte produção de vapor em 2022.

 “As atividades humanas enfraqueceram a capacidade do oceano de nos sustentar e proteger e – através da elevação do nível do mar – estão a transformar um amigo de longa data numa ameaça crescente”, lamentou a OMM.

“Já estamos a ver mais inundações costeiras, recuo da linha costeira, contaminação de reservas de água doce por água salgada e deslocação de comunidades”, acrescentou.

Entre 1993 e 2023, a mediana do aumento global do nível do mar foi de 9,4 centímetros (cm), mas no Pacífico tropical foi superior a 15 centímetros em alguns pontos. Num cenário de aquecimento de três graus Celsius (em linha com a atual trajetória), o nível do mar na região poderá subir mais 15 cm entre 2020 e 2050.

Entre as consequências do aquecimento global, que as organizações instaram a travar imediatamente, não está apenas o aumento do nível do mar: também a maior intensidade e frequência das ondas de calor marinhas, mais calor na superfície e no conteúdo do oceano, e mais acidificação. Cada fenómeno com as suas próprias ramificações.

“Há preocupações crescentes de que algumas ilhas-nação possam tornar-se inabitáveis”, alerta o documento, “com implicações para a sua realocação, soberania e estatuto de Estado”.

“São necessários AGORA cortes profundos, rápidos e sustentados nas emissões globais de gases com efeito de estufa para permanecermos numa trajetória de aquecimento a longo prazo de 1,5 graus”, insta o relatório, que considera necessário melhorar a adaptação costeira e investir na resiliência em todo o mundo, especialmente nas pequenas ilhas.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Facistol


Na Biblioteca Palafoxiana de Puebla, México, é preservado um Facistol, que é uma ferramenta de biblioteca com 300 anos, que permitia aos pesquisadores manter abertos até sete livros simultaneamente, mantendo-os à mão e organizados. Este engenhoso dispositivo facilitou o estudo comparativo e a pesquisa extensiva, proporcionando acesso prático a vários textos ao mesmo tempo, refletindo um notável avanço na gestão de recursos bibliográficos no século XVIII.

domingo, 25 de agosto de 2024

Palestina: a agricultura como ato de resistência em Gaza


Beringelas, tomates, pimentos e pepinos continuam a prosperar no meio de explosões de obuses, fósforo branco e drones. É um pequeno milagre que está a acontecer em Gaza: os agricultores mantêm-se firmes perante a ofensiva israelita, que já matou mais de 40.000 habitantes de Gaza e obrigou 2 milhões de civis a fugir.

O colapso da agricultura em Gaza tem como consequência a fome. Em junho, 95% dos habitantes de Gaza, ou seja, 2,15 milhões de pessoas, sofriam de elevados níveis de insegurança alimentar. Dezenas de crianças já morreram de exaustão e fome e 50.000 estão em risco. Antes da guerra, Israel já estava a utilizar a fome como uma arma contra os habitantes de Gaza para os manter constantemente exaustos, subjugados e controlados. Antes de 7 de outubro, 65% dos habitantes de Gaza estavam em situação de insegurança alimentar e os agricultores estavam limitados pelo bloqueio israelita imposto desde 2007.

Israel está a bloquear as importações de equipamento agrícola. Os agricultores têm de se contentar com o que sobreviveu aos bombardeamentos, e a preços exorbitantes. Perante este cenário, algumas associações locais estão a tentar ajudar os agricultores. A APN, com sede em Amã mas com equipas em Gaza, lançou a campanha Revive Gaza's Farmland. Apoiam 162 agricultores fornecendo-lhes sementes, principalmente de legumes para alimentar o maior número de pessoas o mais rapidamente possível: pepinos, tomates, beringelas, curgetes, pimentos, etc..

Segundo dados recentes da ONU, Israel destruiu 57% das terras agrícolas da Faixa de Gaza e arrasou mais de 40% das estufas com bombas e escavadoras. A destruição é muito maior no norte da Faixa e na cidade de Gaza, onde desapareceram quase 90% das estufas. 37 celeiros, 484 explorações avícolas e 397 explorações ovinas foram destruídas, acabando com a infraestrutura agroalimentar de Gaza.

Mahmoud Alsaqqa, diretor de programas da Oxfam em Gaza afirma: "Os palestinianos são resistentes e vamos aguentar. O que precisamos é de um cessar-fogo e do levantamento do bloqueio. E que os habitantes de Gaza recuperem a sua autossuficiência em legumes. Acredito firmemente que lá chegaremos de novo. Hoje em dia, a agricultura é um ato de subsistência, mas também de resistência.”

Philippe Pernot, Reporterre

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Este telhado com forma côncava capta água da chuva e pode ser usado nas regiões mais áridas do Planeta


A falta de água e o clima quente são uma realidade difícil em várias regiões do planeta. Uma das maneiras de melhorar as condições de vida de quem vive nestes lugares está na arquitetura. Com uma proposta inovadora, o estúdio BMDesign propõe que os telhados em climas áridos sejam cobertos por construções côncavas (uma espécie de grandes tigelas).

Este formato tem função dupla: ao mesmo tempo que é mais eficiente para captar água da chuva, também ajuda a arrefecer o interior das casas devido à sombra e ao vento aproveitado pela forma.  O teto côncavo foi especialmente criado para regiões onde chove pouco e a captação da água de chuva é dificultada pelas altas taxas de evaporação.

O formato côncavo tem ainda a vantagem de criar uma sombra que se movimenta durante o dia e de encontrar um espaço entre os dois telhados por onde o vento passa, otimizando ainda mais o arrefecimento natural. Depois de captada, a água é direcionada para um ponto central, seguindo para um sistema interno de armazenamento.

domingo, 18 de agosto de 2024

Petição Pública Urgente: Contra a Ampliação da Mina de Alvarrões - Proteção Ambiental e Paisagística da Serra da Estrela



Preâmbulo:

A Serra da Estrela é um dos patrimónios naturais mais valiosos de Portugal, reconhecida pela sua beleza paisagística, biodiversidade única e importância ecológica. Recentemente, tem-se assistido a um esforço significativo de reflorestação na região, com inúmeros projetos dedicados à recuperação ambiental e à promoção da sustentabilidade.

No entanto, a proposta de ampliação da Mina de Alvarrões, que pode chegar a 32 hectares, representa uma séria ameaça a este ecossistema sensível. Este projeto de mineração não só compromete a integridade paisagística de uma das principais entradas para a Serra da Estrela, como também põe em risco os progressos feitos nos projetos de reflorestação e na preservação da biodiversidade local.

Considerando:

Impacto Ambiental: A ampliação da mina irá gerar poluição do ar, água e solo, afetando negativamente a flora e fauna locais. A mineração pode causar a destruição de habitats naturais, levando à perda de espécies e à degradação do ecossistema.

Impacto Paisagístico: A operação mineira resultará na degradação visual da paisagem, comprometendo a beleza natural da Serra da Estrela, que é um importante atrativo turístico e um símbolo de identidade regional.

Impacto nos Projetos de Reflorestação: A região tem sido palco de vários projetos de reflorestação que visam recuperar áreas degradadas e impactadas pelos fogos florestais, promover a biodiversidade e mitigar os efeitos das alterações climáticas. A atividade mineira é incompatível com estes objetivos, representando um retrocesso nos esforços de conservação e sustentabilidade.

Petição:

Nós, abaixo assinados, cidadãos preocupados com a preservação do ambiente e do património natural da Serra da Estrela, solicitamos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que:

Rejeite o Projeto de Ampliação da Mina de Alvarrões (AIA 3702): Considerando os impactos ambientais e paisagísticos adversos, bem como os danos potenciais aos projetos de reflorestação em curso.

Promova Alternativas Sustentáveis: Incentive a busca de alternativas que respeitem o meio ambiente e que sejam compatíveis com os objetivos de conservação e desenvolvimento sustentável da região.

Apoie e Fortaleça Projetos de Reflorestação: Continue a apoiar iniciativas de reflorestação e recuperação ambiental na Serra da Estrela, assegurando que estas áreas sejam protegidas contra atividades que possam comprometer a sua integridade ecológica.

Conclusão:

A ampliação da Mina de Alvarrões representa uma ameaça significativa ao ambiente e à paisagem da Serra da Estrela. Pedimos à APA que tome medidas urgentes para proteger este valioso património natural, garantindo um futuro sustentável para as gerações vindouras.

Com os melhores cumprimentos,

Todos os Cidadãos Assinantes

ASSINAR Petição

Passos para Agir Contra a Ampliação da Mina de Alvarrões

Mais de metade da população mundial não tem acesso a água potável


Apesar do acesso à água potável ser um Direito Humano universal, 4,4 mil milhões de pessoas na Terra não têm acesso a este precioso líquido essencial à vida, de acordo com um estudo publicado na revista científica “Science”.

Com base em modelação geoespacial, observação de satélite do planeta e dados de inquéritos a agregados familiares, um grupo de investigadores liderado por Esther Greenwood, investigadora no domínio da água no Instituto Federal Suíço de Ciências e Tecnologias Aquáticas, de Dübendorf, constatou que “a disponibilidade de água potável está longe de ser universal”.

Pelo menos 4,4 mil milhões de pessoas na Terra – metade da população mundial – não têm acesso a água potável, um Direito Humano consagrado pela ONU. A constatação, que aponta para o dobro de outras estimativas, é clara num artigo publicado na revista “Science” a 15 de Agosto. No “paper” científico é referido que “apenas uma em cada três pessoas em países de baixo e médio rendimento tem acesso a serviços de água potável geridos de forma segura”.

Para chegar a este número, a investigação usou as respostas a inquéritos a 64.723 agregados familiares em 27 países de rendimento baixo e médio entre 2016 e 2020, com base em quatro critérios. Havendo um em falha, consideram que a água não era segura. Com base nos resultados e num algoritmo com dados geoespaciais globais (incluindo fatores como a temperatura média regional, a hidrologia, a topografia e a densidade populacional), os investigadores chegaram às conclusões apresentadas.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Como um gene de cão pode ter ajudado o lobo-ibérico a sobreviver: uma história com 3.000 anos


Ao contrário de várias populações de lobo que se extinguiram na Europa, o lobo-ibérico tem resistido e apresenta uma característica muito singular. Esta história começou há mais de 3000 anos e há um gene de cão “perdido” que ajuda a contar o que aconteceu.
“Quando estamos sozinhos na montanha e sentimos um arrepio repentino na nuca é porque o lobo está perto.” Imaginem ouvir isto numa aldeia cheia de gente, onde as crianças brincam na rua, os mais velhos fazem da agricultura o seu sustento, e o som da Natureza se sobrepõe a todos os outros... Assim era a aldeia minhota de Aboim da Nóbrega nos anos 90, onde cresci.

Nos nossos serões em família, os meus avós contavam muitas histórias do passado na aldeia, e o lobo assumia o papel de personagem principal em muitas delas — e não era o de herói. Diziam-me que durante a sua juventude era frequente os lobos descerem da montanha para se alimentarem dos rebanhos: as pessoas assustavam-se e os homens juntavam-se para caçar estes impiedosos predadores. Conseguia perceber nas suas vozes e olhares o medo e o ódio que estas criaturas esquivas e misteriosas despertavam. E eu, ainda com seis anos, dava por mim a temer o lobo e a não o querer por perto.

A verdade é que a situação tinha mudado e o frequente avistamento de lobos tornara-se algo quase fantasioso. Nunca vi um lobo na aldeia, nem indícios da sua presença…

Pode parecer um sentimento inofensivo, mas este medo generalizado na população é fruto de uma história antiga de perseguição ao lobo que quase levou à sua extinção na década de 70. O declínio da população foi muito acentuado: nos anos 50, o lobo existia em praticamente toda a Península Ibérica; vinte anos mais tarde, ficou reduzido a poucas centenas na região Norte.

Há marcos históricos desta perseguição ainda visíveis nas nossas paisagens, como é o caso dos impactantes fojos do lobo – muros em pedra, em forma de “V”, com uma extensão que pode chegar aos dois quilómetros. Os lobos eram atraídos para dentro destas muralhas e perseguidos até uma armadilha: um fosso, onde ficavam aprisionados.

Ao longo dos anos, fui percebendo que o lobo é mais vítima do que vilão — e é importante desmistificar que muito deste medo é infundado.

E, apesar de toda a perseguição, a que se juntava a destruição de habitat, o lobo-ibérico foi capaz de sobreviver e recuperar, contrariando a extinção de várias populações de lobo na Europa. Mas como é que se tornou capaz de sobreviver nestes ambientes tão hostis?

A Diana Lobo que estuda lobos – uma coincidência quase predestinada
Quando era pequena, e ouvia as histórias assustadoras sobre lobos, não imaginava que um dia viria a estudá-los. O receio foi-se transformando em fascínio e essa foi uma das razões, assim como o meu interesse pela evolução das espécies, que me levaram a fazer o mestrado no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Cibio- Ecogen).

Durante as aulas, a investigadora Raquel Godinho, que liderava projectos de investigação do lobo, e que mais tarde viria a ser minha orientadora de doutoramento, explicava como utilizava ferramentas genéticas – que explicarei mais em detalhe nos parágrafos seguintes – para estudar o lobo-ibérico (Canis lupus signatus). Mas foi uma das muitas conversas que se seguiram no laboratório com a Raquel que aguçou a minha curiosidade: “O nosso lobo não se mexe muito!”, dizia-me ela, enquanto mostrava mapas da Península Ibérica com trajectórias dos lobos, obtidas por colares GPS.

Isto era sem dúvida algo único: estava habituada a ouvir casos de lobos que percorrem centenas de quilómetros, não o oposto.

Começámos a questionar-nos se este comportamento poderia estar associado à capacidade de o lobo-ibérico sobreviver; e, se sim, qual seria a razão para o terem desenvolvido? Foram estas questões que deram origem à minha tese de doutoramento e é neste momento que os cães entram na história! Mas para tudo fazer sentido, vamos fazer uma (longa) viagem ao passado…

A domesticação dos nossos melhores amigos
Vamos viajar no tempo e andar uns 40.000 a 20.000 anos para trás, algures entre o continente Europeu e Asiático. Foi aqui que os nossos antepassados fizeram algo que mudaria para sempre a forma como vivemos – domesticaram uma população de lobos, que viria a dar origem aos cães.

Provavelmente, estão a pensar que os vossos cães não podiam ser mais diferentes de um lobo, sobretudo se tiverem um pequeno caniche, como eu. Mas o processo de domesticação (e consequente evolução) não foi instantâneo. Muita coisa mudou…

Os cães desenvolveram uma série de comportamentos, em resposta a uma forte selecção artificial imposta pelos humanos, como a docilidade e a capacidade de se manterem por perto, que os tornou muito díspares dos lobos, mas perfeitamente adaptados a viver com as pessoas. Do ponto de vista evolutivo, 40.000 anos é muito pouco tempo, o que faz com que lobos e cães partilhem cerca de 99% do seu ADN (incluindo os cães mais pequenos).

Esta proximidade genética permite que lobos e cães se possam reproduzir e que os híbridos resultantes deste cruzamento sejam férteis. Em Portugal e Espanha, estes casos de hibridação são eventos raros, mas sabemos que acontecem e, muito provavelmente, sempre aconteceram.

Quando os híbridos se reproduzem novamente com os lobos, há porções de ADN dos cães – os bocadinhos a que chamamos genes – que passam para o ADN dos lobos. Pensem nos genes como uma receita no livro de culinária da vida. Os genes contêm as instruções que dizem ao nosso corpo como fazer proteínas, que são os “ingredientes” necessários para manter o nosso corpo a funcionar, desde os músculos até ao cabelo.

Se genes dos nossos cães passam para o ADN dos lobos, será que alguns comportamentos típicos de cão também podem passar? Esta questão fez-me acreditar que talvez a adaptabilidade do lobo-ibérico e o seu comportamento peculiar de não se dispersar por longas distâncias estivessem associados a genes de cão adquiridos através de hibridação.

À procura do gene perdido
Como fazemos para encontrar genes de cão no ADN dos lobos? É uma tarefa difícil, diria mesmo que é como procurar uma agulha num palheiro de agulhas, porque o ADN de ambos é quase idêntico. Mas, através de técnicas recentes, é possível analisar todo o ADN – o genoma – de vários organismos de forma relativamente rápida.

Foram várias as horas que passei no laboratório, e tantas outras em frente ao computador, para conseguir analisar centenas de amostras de lobo-ibérico. Estas amostras, que normalmente são tecidos extraídos da pele ou do músculo, chegam-nos, sobretudo, de animais encontrados mortos.

No caso dos lobos que vivem nos dias de hoje, obter amostras é relativamente fácil. Mas como podemos estudar os lobos que viveram no passado e analisar o seu genoma? Infelizmente não é possível viajar no tempo, mas há algo muito próximo disso: as colecções de história natural.

Visitei vários museus em Portugal e Espanha onde encontrei colecções muito ricas de grandes carnívoros, que outrora viveram em abundância nas nossas paisagens. E uma quantidade de peles de lobo impressionante!

Foi impossível não ficar fascinada com tudo o que vi e imaginar o que aqueles animais viveram no passado... Tive acesso a amostras de lobos que viveram ainda noutro século e em regiões do país onde seria actualmente inimaginável, como Setúbal e Alentejo.

Seguiu-se um trabalho intensivo no laboratório, e finalmente, a análise dos genomas e a procura de genes de cão no genoma do lobo-ibérico...

Alerta de “spoiler”: encontrámos!

Os resultados dos testes estatísticos eram convincentes e apontavam na mesma direcção: um gene de cão tinha passado para o genoma do lobo-ibérico! A primeira coisa que me ocorreu foi: “Mas, então, qual será a função deste gene?”.

Como muitos genes são idênticos e partilhados entre mamíferos, fui investigar este gene no catálogo genómico dos humanos, visto que somos o organismo mais bem estudado de todos. Descobri que está associado a mecanismos cognitivos e de desenvolvimento, o que me fez pensar que pode ter afectado o comportamento do lobo-ibérico, tornando-o mais juvenil. Ou seja, o lobo-ibérico retém na idade adulta características típicas da sua forma mais jovem, como o facto de não se dispersar por longas distâncias. Este processo é típico de animais domésticos, como o cão.

A longo prazo, este comportamento poderá ter levado a que o lobo se mantivesse mais próximo das alcateias de origem – o que acaba por aumentar as chances de sobrevivência, uma vez que diminui os encontros indesejados com os humanos. Et voilà, tudo parecia fazer sentido!

Ainda assim, faltava responder a uma pergunta: quando é que este evento de hibridação aconteceu?

A próxima parte da história tem mais de 3000 anos
Se tivessem de viver em terras muito áridas, onde a água escasseia e as temperaturas são altas, para onde iriam? Este foi o cenário que os povos da Península Ibérica enfrentaram há cerca de 4000 anos, quando um evento climático extremo atingiu a bacia do Mediterrâneo. Estas condições levaram a que as pessoas (e os seus cães) migrassem para a costa, e regressassem para o interior apenas centenas de anos mais tarde, quando as condições climatéricas normalizaram. Acreditamos que o mesmo tenha acontecido com o lobo.

Sabemos que a hibridação com o cão é mais frequente em locais para onde o lobo se está a expandir, uma vez que são tipicamente indivíduos solitários e não têm par reprodutor. Por isso, o momento de regresso para terras do interior reunia as condições perfeitas para a hibridação acontecer. Através de ferramentas bioinformáticas – programas e algoritmos que usamos para analisar dados biológicos e moleculares –, consegui estimar uma data para este evento de hibridação que pode ter mudado para sempre o comportamento do lobo-ibérico: 3000 anos!

De repente, tudo fez sentido. Esta data coincidia com a expansão após o período de aridez, e as peças do puzzle encaixaram na perfeição. Para mim, este foi o verdadeiro momento “eureka” deste trabalho – o que é um privilégio enquanto cientista, porque nem sempre chegamos a momentos de conclusões evidentes. Ainda temos um longo trabalho pela frente para perceber melhor este fascinante animal, mas essas futuras descobertas ficam para uma próxima história. A verdade é que o lobo tem um papel fundamental no ecossistema e é nosso dever assegurar a protecção de todas as espécies do nosso planeta.

Comecei esta história a dizer que nunca tinha visto nem um lobo na aldeia, nem indícios da sua presença... Pois bem, quero dizer-vos que isso mudou com um belo uivo longínquo que ouvi numa aldeia, perto de Aboim da Nóbrega, numa noite de Verão do ano passado.

Para mim, não foi só um uivo: trazia consigo a mudança dos tempos e a certeza de que os lobos estão de volta. E, desta vez, espero que seja para ficar.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Medidas de adaptação às alterações climáticas reduziram mortes por calor em 2023



Um estudo de modelação publicado na revista Nature Medicine sugere que, em 2023, poderão ter ocorrido na Europa mais de 47 000 mortes relacionadas com o calor. No entanto, este total poderia ter sido até 80% superior na ausência de adaptações sociais do século atual ao aumento das temperaturas.

O ano de 2023 foi o mais quente de que há registo a nível mundial e o segundo mais quente na Europa. As vagas de calor representam ameaças para a saúde das populações de alto risco, e a consciencialização destas ameaças para a saúde levou à implementação de planos de prevenção do calor, que incluem estratégias de preparação e resposta e potenciais intervenções.

No entanto, a sua eficácia não é clara.

Elisa Gallo e colegas usaram registos de mortalidade que representam 96 milhões de contagens de mortes do Serviço Europeu de Estatística (Eurostat) para estimar a carga de mortalidade relacionada com o calor em 2023 em 35 países europeus.

Os autores sugerem que 47 312 mortes relacionadas com o calor podem ter ocorrido entre 29 de maio e 1 de outubro de 2023, que é a segunda maior carga de mortalidade desde 2015, superada apenas por 2022.

Eles estimam que o maior número de mortes relacionadas ao calor ocorreu no sul da Europa, incluindo Grécia, Bulgária, Itália, Chipre, Espanha e Portugal.

Além disso, os autores modelaram qual poderia ter sido o impacto da mortalidade relacionada com o calor em 2023 sem medidas de adaptação ao clima do presente século, tais como melhorias nos cuidados de saúde, proteção social e estilo de vida, progressos na saúde ocupacional e nas condições de construção, esforços de preparação, maior sensibilização para os riscos e estratégias mais eficazes de comunicação e alerta precoce.

Sugerem que a mortalidade relacionada com o calor em 2023 poderia ter sido 80% mais elevada na população em geral e, nas pessoas com 80 anos ou mais, poderia ter sido mais de 100% mais elevada, sem as atuais adaptações sociais.

Os autores concluem que os seus resultados realçam a importância das adaptações do século atual na prevenção de um maior número de mortes relacionadas com o calor em 2023.

No entanto, observam que devem ser implementadas estratégias mais eficazes destinadas a reduzir o peso da mortalidade dos futuros Verões mais quentes, juntamente com os esforços de mitigação dos governos para evitar atingir os limiares de temperatura.

domingo, 11 de agosto de 2024

Procura pela selfie perfeita coloca a Natureza em risco


A necessidade de uma selfie impressionante ou de uma fotografia da paisagem perfeita está a revelar-se prejudicial para a natureza, revela uma nova investigação.

Os investigadores da Universidade Edith Cowan (ECU), da Universidade Curtin, da Universidade Murdoch e do programa Kings Park Science do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atração identificaram vários impactos diretos e indiretos que o avanço e a proeminência dos meios de comunicação social tiveram no ambiente natural, incluindo perturbações nos padrões de reprodução e alimentação dos animais e o atropelamento de espécies vegetais ameaçadas.

“O avanço dos meios de comunicação social criou um impacto ambiental que, de outro modo, nunca teria existido”, afirmou Rob Davis, professor catedrático de Biologia de Vertebrados na Universidade do Equador.

“Os grupos de redes sociais facilitaram a identificação da localização de espécies vegetais ameaçadas ou dos locais de reprodução de espécies de aves ou de animais selvagens, sendo a informação divulgada rapidamente e provocando um grande afluxo de pessoas a uma área que, de outro modo, teria permanecido intocada”, explicou.

“Como resultado, os padrões de reprodução e alimentação dos animais são perturbados e há um risco acrescido de predação. Além disso, a utilização de reprodução de chamadas, ou de drones, ou a manipulação de animais selvagens para fotografias tem um impacto duradouro”, acrescentou Davis.

Os impactos indiretos incluem a propagação de doenças e o aumento da caça furtiva da flora e da fauna.

O Professor Associado Bill Bateman, da Faculdade de Ciências Moleculares e da Vida da Universidade de Curtin, afirmou que uma gama diversificada de animais e plantas estava a sentir os impactos negativos do comportamento relacionado com as redes sociais.

O risonho-de-coroa-azul é uma espécie de ave criticamente ameaçada que mostrou comportamentos de nidificação alterados devido a perturbações dos fotógrafos”, disse Bateman.

Também sabemos que as orquídeas são altamente suscetíveis ao pisoteio e às alterações do habitat, com muitos grupos ameaçados pelo aumento do turismo e das atividades recreativas promovidas através dos meios de comunicação social”, sublinhou.

“Mas não é só em terra e no ar: a fotografia com flash e as perturbações dos mergulhadores podem afetar negativamente a vida marinha, como os tubarões-baleia e outros organismos aquáticos sensíveis”, acrescentou.

A cientista de investigação do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atrações do programa Kings Park, Belinda Davis, referiu que, de toda a flora, as orquídeas eram um conteúdo particularmente popular para publicações nas redes sociais, havendo mesmo grupos de redes sociais dedicados à publicação de fotografias de orquídeas nativas.

Estes grupos podem ter mais de 10.000 membros, pelo que a rápida divulgação dos locais de floração e o tráfego pedonal gerado em sítios-chave devem ser considerados uma ameaça emergente”, explicou.

As orquídeas podem ter interações altamente específicas com uma única espécie de polinizador e de fungo. A sobre-visitação não só tem um impacto direto nas orquídeas devido ao pisoteio, como também pode ter um impacto indireto na integridade das suas interações ecológicas, deixando as orquídeas vulneráveis ao colapso da população”, apontou.

O lado do Sol
Apesar da desvantagem de os utilizadores das redes sociais invadirem habitats naturais, a fotografia pode ser uma ferramenta de conservação incrivelmente poderosa, cultivando e reforçando o ativismo ambiental, as ligações baseadas na natureza ou as oportunidades de gestão e educação, explicou Davis.

O amplo alcance das redes sociais significa que os conteúdos também podem ser aproveitados por cientistas e profissionais de gestão de terras para fins de conservação, essencialmente através da “extração de dados” de conteúdos ou do envolvimento ativo de “cientistas cidadãos” na recolha de dados como subproduto das suas actividades nas redes sociais”.

As redes sociais também resultaram diretamente na identificação de várias novas espécies de plantas.

No entanto, a investigação defendeu a instituição de códigos de ética e controlos mais rigorosos em torno da utilização e promoção da flora e da fauna nas redes sociais.

“Propomos um quadro que considera as espécies em maior risco devido às atividades das redes sociais, especialmente as que são raras, sésseis e têm áreas de distribuição restritas”, afirmou Davis.

“A utilização crescente e a natureza omnipresente dos meios de comunicação social significam que é impossível controlar ou restringir o acesso a espécies ou a pontos de interesse natural que são alvo de conteúdos dos meios de comunicação social. Consequentemente, a melhor esperança assenta numa combinação de gestão no terreno ou de restrições de acesso em sítios públicos fundamentais, na adesão de uma variedade de partes interessadas e num aumento da educação que promova um comportamento adequado nas zonas naturais”, acrescentou.

Muitos grupos e sociedades da natureza já dispõem de códigos de ética bem estabelecidos para uma conduta responsável, incluindo para atividades como a observação de aves, a fotografia de aves e a fotografia de orquídeas. Esses códigos de conduta são um excelente ponto de partida, mas não são vinculativos e dependem da atuação correta dos indivíduos e/ou da pressão dos pares para que se pronunciem sobre comportamentos inadequados”, disse ainda.

“No entanto, esta pode continuar a ser a base mais realista para reduzir os impactos na biodiversidade e podem ser colocadas questões a todos os grupos que não tenham ou não adiram a esses códigos de conduta”, concluiu.

sábado, 10 de agosto de 2024

Ex-diretora do YouTube e pioneira em tecnologia Susan Wojcicki morre aos 56 anos


São Francisco, Estados Unidos, 10 ago 2024 (Lusa) – A ex-chefe do YouTube e pioneira em tecnologia Susan Wojcicki, que desempenhou um papel fundamental na ascensão da Google, morreu, aos 56 anos, vítima de cancro no pulmão, anunciou o marido na sexta-feira.

Susan Wojcicki passou quase duas décadas ligada às mudanças na Google, mecanismo de busca na Internet lançado na sua garagem, que se tornou um gigante global da tecnologia.

No YouTube, adquirido pela Google em 2006, Wojcicki administrou operações por quase uma década antes de deixar o cargo no ano passado para se concentrar nos seus projetos pessoais, familiares e na sua saúde.

O marido, Dennis Troper, escreveu no Facebook que a esposa lutava contra um cancro do pulmão há dois anos.

“Minha amada esposa há 26 anos e mãe dos nossos cinco filhos deixou-nos hoje”, escreveu.

“Susan não foi apenas a minha melhor amiga e parceira na vida, mas também uma mente brilhante, uma mãe amorosa e uma amiga querida para muitos. A sua influência na nossa família e no mundo foi imensurável”, acrescentou Dennis Troper.

Susan Wojcicki trabalhava na Intel quando os amigos Sergey Brin e Larry Page fundaram a Google na garagem da sua casa, em Menlo Park, Califórnia, em 1998.

Um ano depois, ingressou na empresa como 16.ª funcionária e primeira diretora de marketing.
Na Google, participou da criação do motor de busca de imagens e trabalhou nas aquisições do YouTube e da plataforma de publicidade DoubleClick.

“É difícil imaginar o mundo sem ela”, escreveu o diretor executivo da Google, Sundar Pichai.

Nomeada diretora executiva do YouTube em 2014, Susan Wojcicki introduziu novas formas de publicidade e ajudou a impulsionar o seu crescimento ao lançar um serviço de ‘streaming’ de televisão à medida que os telespetadores recorriam cada vez mais à Internet para programas e filmes.

Também é conhecida por abordar preocupações relacionadas à privacidade das crianças, ao discurso de ódio e à disseminação de desinformação, especialmente durante a pandemia de covid-19.

Grávida de quatro meses quando foi contratada, defendeu a licença parental remunerada.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O manto da Terra pode revelar as origens da vida


Investigadores descobriram a amostra mais profunda de rocha marinha alguma vez extraída do manto terrestre que poderá ajudar a revelar as condições no início da vida.

O fragmento de rocha foi extraído da Crista Média Atlântica por uma equipa internacional no navio de perfuração JOIDES Resolution e está a ser analisado pelo Professor Gordon Southam da Universidade de Queensland.

”A amostra foi recolhida durante uma expedição do Projeto Internacional Ocean Discovery que conseguiu, pela primeira vez, perfurar 1.268 metros abaixo do fundo do mar em rochas do manto”, disse o Professor Southam.

“É um trabalho incrível, uma vez que as perfurações anteriores neste tipo específico de rocha – peridotito oceânico – só tinham atingido uma profundidade máxima de 201 metros”, sublinhou.

“Estas amostras ajudarão a melhorar a nossa compreensão das ligações entre a geologia da Terra, a química da água, os gases e a microbiologia”, revelou, explicando que “sempre que os perfuradores recuperavam outra secção do núcleo profundo, recolhíamos amostras para cultivar bactérias”.

“Utilizaremos estas amostras para investigar os limites da vida neste ecossistema marinho de subsuperfície profunda, melhorando a nossa compreensão das suas origens e ajudando a definir o potencial de vida para além da Terra”, acrescentou.

Para compreender o percurso da vida na Terra, os investigadores vão analisar a forma como a olivina, um mineral abundante nas rochas do manto, reage com a água do mar, conduzindo a uma série de reacções químicas que produzem hidrogénio e outras moléculas que podem alimentar a vida.

A equipa prepara-se agora para analisar o teor de níquel do núcleo.

“O níquel é necessário para a hidrogenase, a enzima chave que permite que estas bactérias antigas utilizem o hidrogénio nestes ambientes extremos, pelo que estamos atualmente a seguir o seu percurso através da rocha do manto”, disse o Professor Southam.

Os minerais descobertos serão examinados utilizando microscópios eletrónicos no Centro de Microscopia e Microanálise da UQ e o Microscópio Fluorescente de Raios X da ANSTO no Sincrotrão Australiano, para melhor compreender o efeito da circulação da água do mar na carbonatação dos minerais.

Esta investigação é essencial para o trabalho do Professor Southam como líder do Grupo de Geomicrobiologia da UQ.

“Estamos a investigar o papel da microbiologia na transformação do dióxido de carbono em minerais de carbonato estáveis e a forma como podemos reduzir as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera”, explicou.

Para além de analisar a vida primitiva e melhores formas de sequestrar carbono, os resultados da expedição poderão também ter implicações importantes para a compreensão da formação do magma e do vulcanismo.

“Há descobertas espantosas ainda por descobrir nas profundezas da Terra e os dados desta expedição são apenas o começo”, disse o Professor Southam.

“Os resultados serão tornados públicos, pelo que esperamos que outros cientistas e entusiastas possam contribuir com as suas descobertas sobre o funcionamento do nosso mundo”, concluiu.

A investigação foi publicada na revista Science.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Polónia: florestas sociais vão cercar 14 cidades


O Ministério do Clima polaco anunciou planos para criar "florestas sociais" em torno de algumas das 14 maiores cidades do país. O objetivo deste esforço de reflorestação será proporcionar um acesso fácil à vegetação a mais de um terço de todos os residentes polacos, juntamente com o impacto climático e ambiental positivo esperado da criação de uma bio-infraestrutura tão grande. As florestas sociais, na sua essência, representarão anéis verdes em torno das cidades. As metrópoles em causa são Varsóvia, Cracóvia, Gdańsk, Sopot, Gdynia, Wrocław, Łodź, Poznań, Katowice, Bydgoszcz, Toruń, Szczecin, Kielce e Bielsko-Biała. No total, são habitadas por 13 milhões de pessoas, o que representa cerca de 36% da população do país.

O que é uma floresta social? O Ministério do Clima usou os termos "floresta social" ou "floresta comunitária" para descrever a iniciativa em grande escala. De acordo com a lei polaca, as florestas devem desempenhar funções "económicas, ambientais e sociais". E nestes tempos modernos, muitos residentes urbanos perderam o contacto com os dois últimos aspetos da natureza selvagem. A função económica está muito desenvolvida. A função ambiental é largamente cumprida pelos parques nacionais. No que diz respeito à função social, ainda há muito para melhorar.

Nesse sentido, são necessárias florestas comunitárias nas cidades, para que os residentes urbanos possam beneficiar delas de múltiplas formas. Por exemplo, seriam bons locais para as pessoas apanharem cogumelos ou bagas e andarem de bicicleta. Mais importante ainda, estas florestas não devem existir apenas como espaços geridos artificialmente, mas sim como ecossistemas orgânicos verdadeiramente viáveis que proporcionam uma realidade alternativa à vida urbana organizada.

A conclusão dos trabalhos sobre a nova forma de proteção das florestas está prevista para o fim de outubro de 2024. O governo está a trabalhar na implementação do compromisso do acordo de coligação, que estabelece que "20% das áreas florestais mais valiosas serão excluídas do abate de árvores".

Fonte.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Abutre-preto voa contra a extinção em Portugal


“Estão ali três!”, ouvi atrás de mim, num sussurro entusiasmado, quando já tinha perdido esperança de avistar qualquer abutre-preto (Aegypius monachus). De binóculos cravados nos olhos, o biólogo Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), apontava algures para o céu azul, onde, à vista desarmada, um trio de pontos indistinguíveis voava placidamente.

Coloquei os binóculos e sorri. Eram dois abutres-pretos e um grifo (Gyps fulvus), que planavam em círculos, aproveitando as correntes de ar quente para se deslocarem sem terem de gastar muita energia. Dois deles provavelmente eram o casal do ninho que momentos antes tínhamos visto vazio.

Naquela manhã fria de janeiro, andávamos pela Herdade da Contenda, em Moura, em busca de abutres-pretos, para observar os comportamentos dessa espécie ameaçada e para avaliar a ocupação dos ninhos e talvez até descobrir novos, numa altura em que os casais se preparavam para a época de reprodução, que estava prestes a começar.

Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

Foi nessa herdade alentejana, com 5.267 hectares, que é propriedade da câmara de Moura desde 1893 e gerida pela Herdade da Contenda, E.M., que entre 17 e 18 dos cerca de 80 casais de abutres-pretos que nidificam em Portugal foram registados em 2023 pelo projeto LIFE Aegypius Return.

Coordenado pela Vulture Conservation Foundation (VCF), os principais objetivos são estabilizar a população da espécie em Portugal, potenciar a conectividade entre as quatro colónias atuais, que se estabeleça uma quinta colónia e, sobretudo, aumentar o sucesso reprodutivo.

Os abutres-pretos põem apenas um ovo por temporada reprodutiva, o que torna a recuperação da espécie ainda mais desafiante. Das 50 crias nascidas no ano passado, quando arrancou o projeto, apenas entre 35 e 37 sobreviveram e foram recrutadas para a população. Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

“Esse é um número que ajudará a garantir a sobrevivência a longo-prazo da espécie”, disse Milene Matos, coordenadora do projeto em representação da VCF.

O abutre-preto e a sua história em Portugal
No início da década de 1970, o abutre-preto foi dado como extinto em Portugal enquanto espécie reprodutora. Contudo, nunca chegou mesmo a desaparecer totalmente do território. Nos anos 1990, terá havido “algumas tentativas falhadas de reprodução”, contou Eduardo Santos.

Após perto de 40 anos sem reprodução em território nacional, em 2010 “os primeiros casais regressaram e reproduziram-se com sucesso no Tejo Internacional”, apontou, momento que marcou o retorno dos abutres-pretos a Portugal como espécie reprodutora.

Cerca de dois ou três anos depois, o primeiro casal fixou-se no Douro Internacional, onde atualmente se registam 3 casais, que em 2023 recrutaram duas crias para a sua colónia.

E em 2015, estabeleceram-se na Herdade da Contenda, especialmente devido aos esforços de conservação no âmbito do projeto LIFE Habitat Lince|Abutre, coordenado pela LPN. Na Serra da Malcata, estima-se que tal só tenha acontecido mais recentemente, em 2021.

O regresso dos abutres-pretos a Portugal deveu-se a uma série de fatores que tornaram isso possível. Desde logo, a implementação de medidas de conservação dos habitats da espécie foram fundamentais, fruto de esforços públicos e de vários projetos dedicados ao A. monachus, mas também devido à consolidação das colónias de Espanha, sobretudo as da região da fronteira com Portugal, que servem como “fonte” para as colónias lusas.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

“Esses terão sido os fatores-chave que fizeram declinar as populações, que causaram mortalidade generalizada”, recordou Eduardo Santos, acrescentando que também “as profundas alterações no habitat e na paisagem e as mudanças também ao nível da agropecuária” terão tido influência. Contudo, se não fosse o envenenamento, “teriam sobrado, aqui e acolá, alguns casais”, que teriam ajudado a manter a espécie em Portugal.

O abutre-preto estava classificado como espécie ‘Criticamente em Perigo’ no país, estimando-se, em 2022, antes de este projeto LIFE começar, que existiriam perto de 40 casais reprodutores.

No entanto, os trabalhos aturados de monitorização, e a articulação e partilha de informação e recursos entre as nove entidades parceiras, incluindo a Herdade da Contenda, E.M., e a LPN, e outras, como a Quercus, a Rewilding Portugal e o próprio ICNF, aumentaram para 80 o número de casais registados, permitindo à espécie passar, recentemente, a ser classificada como ‘Em Perigo’, algo que só se esperava alcançar no final do projeto.

Uma das maiores aves de rapina do mundo
O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Não há traços marcantes que permitam distinguir entre machos e fêmeas, pelo que os cientistas o deduzem através da observação dos comportamentos de cópula dos casais.

Em cada época reprodutiva, põem apenas um ovo, um fator que dificulta, mas não impossibilita, a recuperação da espécie em locais onde tenha sofrido sérias perdas populacionais. As posturas habitualmente ocorrem entre meados de fevereiro e finais de abril.

Após um período de incubação de cerca de 55 dias, nascem os pequenos abutres, que recebem cuidados de ambos os progenitores, que participam igualmente nessa tarefa para dar à sua prole a melhor hipótese de sobrevivência até atingir a independência.


Cria de abutre-preto, anilhada, a testar as asas. Crédito: Pinto Moreira – Herdade da Contenda
Com quatro meses, as crias começam a aventurar-se nos seus primeiros voos de aprendizagem, acompanhadas de perto pelos progenitores. Só se tornam verdadeiramente independentes entre outubro e janeiro ou fevereiro do ano seguinte, sobretudo quando o casal tem um novo ovo no qual tem de verter toda a sua atenção e esforços.

“Tal como outras espécies, incluindo nós, alguns juvenis tornam-se independentes mais tarde do que outros”, afirmou Eduardo Santos. Mesmo depois de deixarem o ninho dos pais, alguns, por vezes, ainda regressam a casa para tentarem receber alimento.

O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Considerada uma espécie gregária, o abutre-preto tende a formar colónias, mas os ninhos são instalados a vários metros uns dos outros. Disse-nos o biólogo que estas aves gostam de viver em comunidade, mas não demasiado perto dos seus conspecíficos. “Perto, mas não muito perto”, gracejou, indicando que “normalmente fazem os ninhos onde não possam ser vistos pelos outros abutres”.

Após se lançarem na vida adulta e de realizarem os chamados ‘voos de emancipação’, é frequente os juvenis regressarem ao local onde nasceram para aí se fixarem e se reproduzirem, um comportamento designado por filopatria.

Enquanto aves de grande porte, os abutres-pretos constroem os seus ninhos no topo de árvores altas, e são obras da mais extraordinária engenharia. Com a forma semelhante à de um grande sino virado de cabeça para baixo, os ninhos podem chegar a pesar 300 quilogramas.

Isso acontece, porque os abutres-pretos, que tendem a usar os mesmos ninhos de ano para ano, vão juntando cada vez mais ramos e folhas para melhorar as condições da estrutura, que pode ter dois metros de diâmetro e três de altura. Contudo, a altura não corresponde necessariamente à profundidade, uma vez que muitos materiais acumulados tornam a área interior mais pequena do que pode parecer à primeira vista.

Em algumas colónias, é possível observar uma preferência por determinadas espécies de árvores para nidificar. Por exemplo, na Herdade da Contenda, os abutres-pretos tendem a preferir fazer os ninhos em pinheiros-bravos antigos, geralmente com várias dezenas de anos de idade.

Embora não se saiba ao certo se se trata realmente de uma escolha feita pelos casais ou se é simplesmente devido à maior abundância de um tipo de árvore, é possível, ainda sem respaldo científico, sugerir que possa existir uma cultura, com os ensinamentos sobre como e onde construir os ninhos em segurança a serem transmitidos de uma geração para a seguinte.

Ninhos artificiais para promover a reprodução
Uma das ações do projeto LIFE Aegypius Return incide especificamente sobre os ninhos, cujo bom estado de conservação é essencial para promover o sucesso reprodutivo da espécie.

Os conservacionistas pretendem construir, no mínimo, 120 ninhos artificiais, ou plataformas, em áreas onde se estima haver um alto potencial para reprodução. Além disso, reparar e manter cerca de 105 ninhos existentes, naturais ou não, faz também parte do rol de ações previstas.

Para a construção dos ninhos artificiais, os cientistas têm de se pôr no lugar dos abutres e tentar ver o mundo como eles o veem. Para isso, escolhem locais com características semelhantes às de outros onde os abutres fizeram ninhos, e usam os mesmos materiais.

De olhar atento e experiente, Eduardo Santos esquadrinhava a cobertura florestal da Contenda em busca de sinais de abutres e de ninhos. Aos olhos destreinados, os ninhos, tanto os naturais como os artificiais, mal se veem por entre os ramos das árvores.

O que poderá distinguir os ninhos naturais dos artificiais é o facto de estes últimos serem suportados por uma forte malha metálica, que ajuda a tornar a estrutura mais resistente a intempéries que podem destruí-la e literalmente deitar por terra a possibilidade de esse casal gerar descendência num qualquer ano.

Pedro Rocha, administrador da Herdade da Contenda e que nos acompanhou durante a visita, recordou que, há menos de quatro anos, a tempestade Bárbara abateu-se fortemente sobre a propriedade, destruindo vários ninhos de abutres. A empresa municipal teve de contratar serviços externos para reparar as estruturas danificadas.

Já no âmbito deste projeto LIFE, em 2023 foram construídas 14 novas plataformas-ninhos e intervencionados 20 ninhos, para melhorar as suas condições e tentar assegurar o sucesso reprodutivo da espécie.

Combater o chumbo e os crimes ambientais
A contaminação continua a ser uma das grandes ameaças aos abutres-pretos, e a tantas outras espécies, e uma das maiores barreiras à sua recuperação em Portugal. Sendo animais necrófagos, que se alimentam dos cadáveres de animais e, assim, prestam um serviço vital para a saúde dos ecossistemas ao evitarem a propagação de doenças, os abutres estão particularmente expostos ao envenenamento por chumbo.

sábado, 3 de agosto de 2024

Jogos Olímpicos Paris 2024– mapa de destruição ecológica e social


A expulsão de pessoas consideradas indesejáveis, a betonização de zonas naturais, o aumento da poluição rodoviária e atmosférica: os Jogos Olímpicos estão a virar a paisagem ecológica e social de pernas para o ar. Por trás do conto de fadas desportivo, os Jogos Olímpicos são sinónimo de destruição social e ecológica. Do lado da limpeza social, os "indesejáveis" - sem-abrigo, migrantes, habitantes de bairros populares – mais de 12.000 foram desalojados para construir novos bairros.

Os Jogos são também um desastre ecológico: 1,58 milhões de toneladas de CO2 serão libertadas para a atmosfera pelos viajantes de todo o mundo. Os organizadores tinham inicialmente prometido uma competição com uma ‘contribuição positiva para o clima’, antes de anunciarem um objetivo mais realista de reduzir para metade as emissões de gases com efeito de estufa geradas pelo evento, em comparação com a média de Londres 2012 e Rio 2016.

1 - DESTRUIÇÃO DE ÁREAS NATURAIS
Loteamentos de Aubervilliers (Seine-Saint-Denis) - Quase 4.000 m2 de parcelas de Aubervilliers foram destruídos para construir o solário da futura piscina olímpica da cidade. No entanto, alguns dias mais tarde, o tribunal anulou o plano urbanístico, tornando a obra ilegal.
O centro aquático de Taverny - Uma nova piscina olímpica 37% mais do que o orçamento inicial.
Centro náutico de Vaires-sur-Marne (Seine-et-Marne) foi escolhido para acolher as provas de canoagem, caiaque e remo. Para o efeito, os organizadores instalaram um carril de 2000 m de comprimento na margem norte. O objetivo: permitir que as câmaras móveis sigam os barcos. Os trabalhos destruíram as canas que cresciam ao longo da margem.
No Taiti, foram destruídos corais para o evento de surf.

2 - ÁREAS TRANSFORMADAS PARA OS JOGOS OLÍMPICOS
O nó da autoestrada Carrefour Pleyel em Saint Denis - As crianças da escola Anatole France não ouvem o canto dos pássaros à hora do recreio, mas ouvem os automóveis. Foi construído um nó rodoviário mesmo ao lado da sua escola. Objetivo: melhorar as ligações entre a aldeia olímpica e os diferentes locais de competição.
Estádio de râguebi Pablo Neruda, Saint-Ouen - Crianças privadas de um recinto desportivo. O seu estádio Pablo Neruda, na rue Marcel Cachin, em Saint-Ouen, foi requisitado para ser utilizado como parque de estacionamento. Este parque permitirá estacionar os automóveis dos parceiros do Comité Organizador Paris 2024.
A aldeia dos media em Dugny - Antigamente, era um parque onde se realizava anualmente a Fête de l'Humanité. Atualmente, a zona de Vents, em Dugny, está ocupada por edifícios que albergam a aldeia dos media.
A aldeia dos atletas - Abrange uma área de 52 hectares, o equivalente a 70 campos de futebol, em três municípios: Saint-Denis, Saint-Ouen e l'Île-Saint-Denis. Para a sua construção, foram destruídas três escolas, dezanove empresas, um hotel e duas casas.

3 - DESTRUIÇÃO SOCIAL
Exploração de trabalhadores sem documentos - Os trabalhadores da construção civil trabalharam incansavelmente em condições difíceis. Registaram-se 87 acidentes de trabalho em estaleiros relacionados com os JO, sendo 40% das vítimas trabalhadores temporários.
Em Marselha, o mar é privatizado - Mais de 50 milhões de euros foi o orçamento atribuído pela cidade de Marselha para renovar o centro náutico Roucas-Blanc. A segunda maior cidade de França, onde quase uma em cada duas crianças não sabe nadar, tem uma grave carência de piscinas municipais. Além disso, durante as competições, o acesso do público a certas praias será limitado, nomeadamente as praias do Prado e de Roucas.
Vigilância vídeo algorítmica - Pela primeira vez, um sistema algorítmico de videovigilância é utilizado durante eventos desportivos. Esta tecnologia identifica as situações consideradas ‘anómalas’. La Quadrature du Net considera que se trata de ‘uma verdadeira mudança na dimensão da vigilância e da industrialização do tratamento das imagens para aumentar o número de notificações e interrogatórios, guiados por esta inteligência artificial’.
Expulsões em massa - Durante 2023-2024, o Observatório dos Despejos de Locais de Vida Informais registou 138 despejos de locais de vida informais, incluindo 64 bairros de lata, 34 cidades de tendas (exclusivamente em Paris e Aubervilliers), 33 ocupas e 7 locais para viajantes. Em abril de 2023, a antiga fábrica Unibéton foi evacuada pela polícia, expulsando cerca de 400 exilados. O albergue Adef para trabalhadores estrangeiros em Saint-Ouen também foi evacuado em março de 2021, para dar lugar aos novos edifícios da Aldeia Olímpica. No bairro de Marcel-Paul, em Île-Saint-Denis, cerca de 300 famílias foram obrigadas a sair o mais rapidamente possível sendo-lhes oferecidos apartamentos que não respeitavam as regras de realojamento. Muitos dos cerca de 56.000 sem-abrigo alojados em hotéis privados foram deixados ao abandono. Na véspera dos Jogos, muitos estabelecimentos decidiram rasgar os seus contratos com o Estado, preferindo alojar turistas.

Fonte: Reporterre.

No seu livro Paris 2024 - Une ville face à la violence olympique (publicado pela editora Divergences, 2024), Jade Lindgaard (jornalista do Mediapart que vive em Seine-Saint-Denis) dá voz aos chamados "indesejáveis" que foram desalojados para construir as infra-estruturas de acolhimento dos desportistas. Relata a desapropriação sofrida pelos habitantes de um dos departamentos mais pobres de França, em benefício de promotores imobiliários.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A Shell e a BP financiaram a máquina de propaganda da guerra fria da Grã-Bretanha

Reunião dos diretores da BP em Londres, 1960

Documentos até agora ultra-secretos mostram como as duas empresas petrolíferas financiaram as operações de propaganda secreta do Reino Unido durante as décadas de 1950 e 60. O objetivo era garantir o acesso britânico aos principais fornecimentos de petróleo em todo o mundo em desenvolvimento.

A BP e a Shell forneceram somas avultadas ao Information Research Department (IRD), que foi o braço da propaganda britânica na Guerra Fria entre 1948 e 1977. O IRD utilizou os subsídios secretos para financiar operações de propaganda secreta britânica durante as décadas de 1950 e 1960 no Médio Oriente e em África, onde os interesses petrolíferos britânicos eram substanciais. O objetivo era promover a "estabilidade" nestas regiões, combatendo a ameaça do comunismo e do nacionalismo de recursos, melhorando simultaneamente a "imagem pública" das principais companhias petrolíferas britânicas. O objetivo era garantir o acesso britânico ao fornecimento de petróleo do Médio Oriente e de África.

Fonte: Declassified UK