Os mais otimistas salientam que a meta de impedir um aquecimento acima de 1,5ºC ainda “está ao alcance”. Mas o “pulso está fraco” e, como disse o próprio presidente da Cimeira do Clima, Alok Sharma, “só sobreviverá se as promessas forem cumpridas” até 2022.
“#Juntos pelo nosso planeta” — lia-se no grande ecrã na sala do plenário onde se anunciou o Pacto Climático de Glasgow, ao fim de 13 dias de negociação e 11 horas finais de acertos, com uma pequena reviravolta nos últimos minutos, que levou a algumas lágrimas no cantos dos olhos, entre os quais nos do próprio presidente da COP26, o britânico Alok Sharma.
Os 196 países com assento na 26.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que terminou este sábado em Glasgow, conseguiram alcançar um “pacto imperfeito”, mas o possível. Em tese, nas palavras de Alok Sharma, este pacto mantém “ao alcance” a meta de travar o aquecimento global a não mais de 1,5ºC até final do século, por comparação à época pré-industrial. Contudo, tal objetivo não será assim tão fácil de atingir com o tempo a esgotar-se até 2030 para um corte efetivo de emissões para metade, e de cujos objetivos ainda se está longe.
Pela primeira vez na história destas conferências as palavras “carvão” e "combustíveis fósseis” constam no texto final, o que é considerado “um grande passo em frente” quer por Patricia Espinosa, a chefe da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (conhecida pela sigla inglesa UNFCCC), quer por Alok Sharma. Isto apesar de no texto final ter desaparecido a afirmação de que este combustível fóssil vai “desaparecer progressivamente” (“phase out”), como constava do rascunho que foi a votação, tendo ficado apenas escrito que vai “diminuir” (“phase down”). A imposição veio da Índia e da China nos minutos finais e o desapontamento ficou estampado no rosto de muitos dos que assistiam às conclusões no plenário final da COP26, entre os quais nos do próprio presidente da cimeira.
Procurando ver o copo meio cheio, Alok Sharma preferiu salientar que o objetivo de 1,5ºC “está ao alcance”, mas “de pulso fraco” e que “só sobreviverá se as promessas forem cumpridas”. As partes ficaram de apresentar novos compromissos para redução de emissões até à próxima cimeira (COP27) que se vai realizar no Egito, em 2022.
O fecho do livro de regras do acordo de Paris e as garantias de que o pacote de 100 mil milhões de dólares (87 mil milhões de euros) para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar as alterações climáticas “vai chegar em 2023”, e que o financiamento para a adaptação a eventos extremos nos países mais vulneráveis vai duplicar os valores avançados em 2019 até 2025, foram consideradas vitórias por Sharma. Mas não por muitos dos países em desenvolvimento, extremamente vulneráveis aos eventos extremos provocados pelas alterações climática, para os quais este pacto sabe a pouco.
“Deram-se passos importantes, mas infelizmente a vontade política coletiva não foi a suficiente para se ultrapassarem contradições profundas”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelando ao acelerar de medidas para se evitar a catástrofe à beira da qual se continua. Para Guterres este Pacto é um compromisso que “reflete os interesses, as contradições e o estado da vontade política no mundo atual”.
E no jogo da política, “o perfeito é inimigo do bom”. A expressão foi usada pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, e pelo enviado especial dos Estados Unidos , John Kerry, para justificar que era melhor aceitar um Pacto com falhas do que não ter nenhum. Por isso aceitaram a troca de última hora que substituiu a palavra “desaparecer” por “diminuir” o uso de carvão para produção de energia. “Tivemos de concordar. Se tivéssemos dito que não, poderíamos não ter acordo nenhum”, afirmou Timmermans, apesar de revelar desapontamento, referindo-se à emenda de última hora imposta pela Índia, com apoio dos países do G77+China. Poucas horas antes Timmermans apelara: “Por favor, abracem este texto para que possamos levar esperança para os nossos filhos e netos. Eles estão à nossa espera e não nos perdoam se falharmos”.
Também vários delegados de nações e estados-ilha do Pacífico em risco de submergir, como Tuvalu, Fiji, ou Ilhas Marshall, lembraram que estão literalmente a afundar-se e que não queriam chegar a casa depois de Glasgow sem nenhuma garantia para dar a filhos e netos. “O futuro não pode depender das eleições políticas nacionais que se seguem. Precisamos que o comboio de Glasgow parta e rapidamente”, apelou o representante de Tuvalu. Porém, o comboio parou durante um bocado e quase descarrilou com o braço de ferro final da China e da Índia.
Os representantes dos Estados-ilha em risco de se afundarem, expressaram a sua surpresa pela forma como a manobra foi executada. “Magoados”, sentindo-se postos de lado num processo não inclusivo e que tinha como jogadores centrais a China e Índia de um lado e o Reino Unido, os EUA e a União Europeia do outro, esperam agora por explicações.
Para várias organizações não governamentais integradas na Climate Action Network esta revelou-se “uma COP dos países do Norte, que reflete as prioridades dos países ricos e que não demonstrou verdadeira solidariedade”. Em comunicado conjunto, a ZERO, a Oikos e a Fundação Fé e Cooperação, consideraram que “em nenhuma” das três frentes (mitigação, financiamento e justiça climática) desta crise climática foi dada “resposta satisfatória”. Segundo as três ONG, “o texto final não agrada inteiramente a ninguém, mas não deixa de ser uma base importante para progressos futuros”. Agora esperam que “o tempo extra até à próxima cimeira no Egito seja usado sabiamente”.
O que ficou assente no Pacto de Glasgow
-Reconhecimento do que diz a ciência e os passos para cortar emissões
Apesar de atirar para o futuro novos compromissos que assegurem a conquista da ambiciosa meta de impedir que o mundo globalmente aqueça mais de 1,5ºC, a declaração final de Glasgow mantém os 1,5ºC como âncora política. Este valor representa o limite de subida máxima da temperatura global até ao final do século para atenuar a catástrofe. Segundo o relatório da Climate Action Tracker, a soma de todas as promessas feitas até agora pelos signatários atiram a subida média dos termómetros para 2,4ºC. O texto reconhece a “urgência” em tomar medidas para cortar emissões, declarada pela ciência exposta em relatórios científicos, como os do Painel Intergovernamental para a Alterações Climáticas (IPCC), e a responsabilidade das atividades humanas na crise climática.
Perante estas constatações, as partes ficam compelidas a atualizar os seus esforços de redução de emissões de gases de efeito de estufa (GEE) até 2022, tendo em conta as suas “circunstâncias nacionais”. Esta expressão entre aspas deixa margem para derrapagens, pondo em risco a hipótese de se conseguir cortar para metade as emissões até final desta década, como única hipótese de limitar a subida de 1,5ºC até final do século, por comparação às da época pré-industrial. Ultrapassar este valor é ultrapassar os limites das fronteiras planetárias de forma irreversível e abrir a porta a uma série de fenómenos extremos e uma cascata de acontecimentos catastróficos, alertam os cientistas. Recorde-se que em termos médios globais, o mundo já aqueceu 1,1ºC desde o século XIX.
Falta dinheiro para pagar os danos climáticos passados, presentes e futuros
A texto anota “com preocupação” o facto de o financiamento climático para medidas de adaptação continuar a ser “insuficiente”. Em causa está o facto de não estarem garantidos os 100 mil milhões de dólares (€87 mil milhões) anuais de financiamento verde, que deveria ter sido disponibilizado desde 2020, como prometido na Cimeira de Copenhaga, em 2009. Até agora só foram reunidos 80% deste montante e a Declaração de Glasgow urge os países mais ricos e os maiores poluidores a reunirem o dinheiro prometido até 2023 para ajudar os países em desenvolvimento a “atingirem um equilíbrio entre a mitigação e a adaptação”. A maioria admitiu que o que consta na declaração final sobre financiamento para a adaptação é insuficiente, e é feito um apelo para que os países ricos dupliquem os apoios financeiros (com base nos valores de 2019) de adaptação dos países pobres até 2025. Já a negociação de um sistema de indemnizações às nações mais vulneráveis pelas perdas e danos causados por eventos extremos associados às alterações climáticas continua sem resposta. A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, foi aplaudida por ser a primeira a avançar com dois milhões de dólares para o fundo para as perdas e danos. Só em 2020, a ONU estimava a existência de 30 milhões de deslocados climáticos no mundo e que os prejuízos associados a eventos extremos rondassem entre 300 e 600 mil milhões nos países em desenvolvimento. De Glasgow sai a ideia de operacionalizar este financiamento com recurso operacional à chamada Rede de Santiago, que coordena a assistência a este tipo de situações.
O Artigo 6º e o mercado de carbono
Este artigo do Acordo de Paris estava há seis anos para ser clarificado e balizado, de modo a que o mercado de carbono mundial tivesse regras e transparência para evitar batotas e créditos de carbono barato à solta. Em Glasgow foram criadas regras para prevenir a dupla contagem de créditos de emissões e estabelecidos critérios para que este mercado represente uma redução real de emissões, mas os países têm mais 3 anos, até 2024, para apresentar um inventário detalhado das suas emissões poluentes e da forma como as podem absorver.
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