Os cientistas modificaram filamentos de proteínas originalmente produzidos por bactérias para conduzirem eletricidade.
Num estudo publicado recentemente na revista Small, os investigadores revelaram que os nanofios de proteínas – que foram modificados através da adição de um único composto – podem conduzir eletricidade a curtas distâncias e aproveitar a energia da humidade do ar.
“As nossas descobertas abrem possibilidades para o desenvolvimento de componentes e dispositivos elétricos sustentáveis e amigos do ambiente, baseados em proteínas”, afirma Lorenzo Travaglini, principal autor do estudo. “Estes nanofios artificiais poderão um dia conduzir a inovações na recolha de energia, em aplicações biomédicas e na deteção ambiental”, acrescenta.
Os desenvolvimentos no campo interdisciplinar que combina a engenharia de proteínas e a nanoeletrónica são também promissores para o desenvolvimento de tecnologias de ponta que façam a ponte entre os sistemas biológicos e os dispositivos eletrónicos.
“Em última análise, o nosso objetivo é modificar os materiais produzidos pelas bactérias para criar componentes eletrónicos. Isto poderá conduzir a uma nova era de eletrónica verde, ajudando a moldar um futuro mais sustentável”, sublinha Travaglini, que é supervisionado por Dominic Glover no SYNbioLAB da Escola de Biotecnologia e Ciências Biomoleculares.
Inspirar-se na natureza
A eletricidade é criada pelo movimento dos eletrões – pequenas partículas que transportam uma carga elétrica – entre os átomos.
“Muitos eventos na natureza requerem o movimento de eletrões e são a fonte de inspiração para novas técnicas de recolha de eletricidade”, diz Ravaglini. “Por exemplo, a clorofila nas plantas precisa de mover eletrões entre diferentes proteínas para fazer a fotossíntese”.
As bactérias que ocorrem naturalmente também utilizam filamentos condutores, conhecidos como nanofios, para transferir eletrões através das suas membranas. É importante notar que os nanofios bacterianos que conduzem eletricidade têm o potencial de interagir com sistemas biológicos, como as células vivas, e podem ser utilizados em biossensores para monitorizar sinais internos do corpo utilizando uma interface homem-máquina.
No entanto, quando extraídos diretamente de bactérias, estes nanofios naturais são difíceis de modificar e têm uma funcionalidade limitada.
“Para ultrapassar estas limitações, criámos geneticamente uma fibra utilizando a bactéria E. coli”, afirma Travaglini. “Modificámos o ADN da E. coli de modo a que a bactéria não só produzisse as proteínas de que necessitava para sobreviver, mas também construísse a proteína específica que tínhamos concebido, que depois modificámos e montámos em nanofios no laboratório”, acrescenta.
A equipa sabia que, por si só, a proteína produzida pela bactéria não seria altamente condutora, mas que precisariam de acrescentar um único ingrediente.
A peça que faltava no puzzle era uma molécula de hemo.
Aproveitar a humidade para criar energia
O hemo é uma estrutura circular – conhecida como um anel de porfirina – com um átomo de ferro no meio. É responsável pelo transporte do oxigénio nos glóbulos vermelhos dos pulmões para o resto do corpo.
Investigações recentes sugerem que, quando as moléculas de hemo estão dispostas em conjunto, permitem a transferência de eletrões. Assim, o Travaglini e a sua equipa integraram o hemo nos filamentos produzidos pelas bactérias, suspeitando que os eletrões poderiam saltar entre as moléculas de hemo se estas estivessem suficientemente próximas umas das outras.
No laboratório, a equipa mediu a condutância dos filamentos artificiais, colocando uma película do material sobre um elétrodo e aplicando um potencial elétrico. “Como esperávamos, descobrimos que, ao adicionar hemo ao filamento, a proteína se tornava condutora, ao passo que o filamento sem hemo não apresentava corrente”, afirma Travaglini.
Embora Travaglini e o Glover se tivessem inicialmente proposto a modular um material natural num fio condutor, descobriram alguns resultados surpreendentes.
“Realizámos os testes de condutividade numa câmara onde é possível controlar as condições externas”, afirma Travaglini, acrescentando que “começámos a notar que, naquilo que é considerado ‘condições ambientais’, entre 20 e 30 por cento de humidade, a corrente eléctrica era mais forte.”
A equipa decidiu realizar mais testes, utilizando quantidades mais espessas do material, colocadas entre dois eléctrodos de ouro. “Propusemos que a humidade criava um gradiente de carga ao longo da profundidade do material”, diz Travaglini. “E esta carga desequilibrada ao longo da película é capaz de criar uma corrente curta, sem ter de aplicar qualquer potencial”, acrescentou.
Quando descobriram que o filamento reagia à humidade, criaram um sensor de humidade simples para medir a forma como a corrente reagia à humidade do ar, bastando respirar para o dispositivo. “Descobrimos que cada pico na condutividade da fibra correspondia a uma expiração”, revelou Travaglini.
Um passo na direção certa
Esta investigação poderá abrir a porta à possibilidade de produzir dispositivos elétricos a partir de materiais sustentáveis e não tóxicos que requerem uma potência ultra-baixa.
“Os aparelhos eletrónicos que costumamos utilizar são criados através de processos que requerem temperaturas elevadas e que consomem muita energia. Não são ecológicos e os materiais de que provêm podem ser tóxicos”, afirma Travaglini. “A utilização de biomateriais para criar eletricidade é muito mais amiga do ambiente. Podemos produzir estes filamentos a partir de bactérias e é escalável”, acrescenta.
As propriedades destes conjuntos de proteínas também podem ser afinadas através da modulação da estrutura química do hemo ou do ambiente circundante do filamento. A equipa está atualmente a fazer experiências com a incorporação de diferentes moléculas de pórfiro para alterar as propriedades do material, incluindo as sensíveis à luz. “Este nível de controlo é difícil de conseguir com nanofios bacterianos naturais, o que realça a versatilidade e o potencial da nossa abordagem sintética”, sublinha Travaglini.
Travaglini salienta ainda que a sua equipa ainda se encontra na fase inicial da investigação e que poderá demorar algum tempo até vermos estes filamentos artificiais utilizados na nossa eletrónica quotidiana. “É realmente uma questão de tradução”, afirma. “Não sabemos exatamente quanto tempo vai demorar, mas podemos ver que estamos a ir na direção certa”, conclui.
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