Foto de Mariano Belmar Torricella. |
Portugal é visto como exemplo nas energias verdes. A produção renovável vai continuar a crescer. Mas até onde se pode ir sem colocar em risco a segurança do abastecimento e sem agravar os custos?
O ano de 2016 foi de recordes para a energia renovável em Portugal. A produção em regime especial representou 64% do consumo de energia elétrica no continente, uma “percentagem histórica” na expressão da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). Trocado por miúdos, as energias “verdes”, geradas a partir da água, vento, sol ou biomassa, foram suficientes para abastecer o consumo nacional durante 1.130 horas, o que vale mais de 1,5 meses.
Já no arranque do ano, a 2 de janeiro, a REN registou o valor máximo instantâneo de 4.532 MW na produção de energia eólica, um recorde. Mas o que mais deu nas vistas, e voltou a colocar Portugal como um exemplo nesta área, foram os 4,5 dias seguidos ou 107 horas em maio de 2016 quando o país só consumiu eletricidade verde. Um feito que valeu o terceiro lugar na lista do jornal britânico The Guardian para os 12 momentos mais importantes para a ciência no ano passado.
E se não fossem apenas quatro dias ou um mês e meio? E se fosse o ano todo? É possível? Quanto custará? E valerá a pena?
Estas perguntas foram o ponto de partida para um desafio colocado pelo Observador a produtores e especialistas como António Sá da Costa, presidente da APREN, mas também das duas principais empresas, a EDP e a REN (Redes Energéticas Nacionais), que têm de gerir as incertezas e contingências que a energia renovável representa no sistema.
É possível abastecer 100% do consumo com energias renováveis?
Sim, é possível, mas não o tempo todo. Pelo menos para a maioria dos países.
Não é inédito, diz a diretora de planeamento energético da EDP, Ana Quelhas. Em Portugal já aconteceu durante mais de 100 horas e em alguns, poucos países, acontece todos os dias do ano. No norte da Europa, existem pelo menos dois países onde 100% de energias renováveis é uma realidade há bastante tempo.
A Islândia vive da geotermia, energia produzida a partir do calor na terra que tem origem na atividade vulcânica da ilha. Em Portugal esta fonte só é aproveitada nos Açores.
A Noruega é o país dos fiordes e das grandes barragens de produção hídrica, onde nunca falta a água. O país não só abastece o seu consumo, como é um grande exportador de eletricidade. Haverá outros casos, sobretudo ilhas, ou países de menor dimensão, onde esse cenário também é viável.
Mas há renováveis e renováveis e o que faz a diferença entre Portugal e um país como a Noruega, explica Ana Quelhas, é a capacidade de armazenamento — que é muito elevada nas albufeiras e inexistente em recursos como o sol e o vento. É essa capacidade de gerir o recurso renovável que permite à Noruega ter um sistema elétrico totalmente verde. E a flexibilidade necessária só pode ser assegurada se existir armazenamento.
Portugal também é um país de barragens e tem vindo a reforçar a capacidade das suas centrais hídricas. Mas a enorme capacidade de armazenamento norueguesa não existe nas barragens de fio de água do Douro, nem nas albufeiras nacionais, que são muito mais vulneráveis a fatores climatéricos — a chuva é incerta e o clima mais quente. As grandes barragens têm sido, em regra, a maior fonte de geração renovável em Portugal, mas basta um ano seco, como os de 2004 e 2012, para “afundar” a produção hídrica e arrastar consigo a quota das renováveis nacionais.
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