domingo, 28 de dezembro de 2025

Caçadores - Predadores ou eco-delinquentes

Caçador exibindo sem remorso o abate de coelhos bravos e de codorniz (Crex crex) 

Muitos caçadores têm comportamentos desviantes, exibindo friamente os troféus da caça. 

Quando a caça prejudica a natureza
1. Redução de populações e perda de espécies
Quando a caça é intensa ou mal regulada, pode levar a quedas drásticas nas populações animais. Em Portugal, o coelho-bravo é um exemplo clássico. Esta espécie, fundamental para o ecossistema mediterrânico, sofreu fortes declínios devido à caça excessiva e a doenças como a mixomatose. A redução dos coelhos afetou predadores como o lince-ibérico e a águia-imperial-ibérica, mostrando que um desequilíbrio numa espécie pode ter efeitos em toda a cadeia alimentar.

2. Desequilíbrios nos ecossistemas
A caça excessiva de certas espécies altera a dinâmica natural. Por exemplo, a escassez de predadores deixou alguns herbívoros, como javalis e veados, aumentarem muito em número. Este crescimento pode causar danos às florestas, prejudicar a regeneração das árvores e até provocar acidentes rodoviários.
Em resumo: menos predadores → mais herbívoros → vegetação prejudicada → impacto no ecossistema.

3. Seleção artificial
Quando caçam sempre os maiores ou com melhores troféus, estamos a “selecionar” a população de forma artificial. Em veados e corços, por exemplo, isso pode reduzir o tamanho das hastes ao longo do tempo, alterando a diversidade genética e as características naturais da espécie.

Dois caçadores furtivos exibindo como troféus o abate de codornizão (Crex egregia) 

Dois parentes discretos dos campos: o cordonizão africano e o codornizão-europeu
Quando pensamos em aves agrícolas, raramente imaginamos espécies quase invisíveis, que vivem escondidas na vegetação e anunciam a sua presença mais pelo som do que pela visão. É o caso do codornizão (Crex egregia) e da codorniz (Crex crex), duas aves aparentadas que desempenham papéis ecológicos importantes em continentes diferentes.

Apesar de pertencerem ao mesmo género, estas espécies revelam como a biodiversidade responde de forma distinta aos usos da terra em África e na Europa.

Vidas paralelas em paisagens herbáceas
O cordonizão, típico da África subsaariana, habita pradarias húmidas, savanas e campos agrícolas tradicionais. A sua presença está intimamente ligada a áreas com vegetação herbácea densa, especialmente durante a estação das chuvas, quando encontra alimento e locais de nidificação.

Já o codornizão-europeu é um visitante de verão na Europa. Reproduz-se em prados de feno, pastagens extensivas e searas tradicionais, migrando para África no inverno. Extremamente discreto, é mais facilmente detetado pelo seu canto noturno repetitivo — o famoso “crex-crex” — do que pela observação direta.

Pequenos insetívoros, grandes reguladores
Ambas as espécies alimentam-se sobretudo de insetos e outros invertebrados, prestando um serviço ecossistémico essencial: o controlo biológico natural. Ao reduzirem populações de insetos herbívoros, contribuem para o equilíbrio dos agroecossistemas e diminuem a dependência de pesticidas.

Além disso, fazem parte das cadeias tróficas, servindo de alimento a aves de rapina e pequenos carnívoros, ajudando a manter a estabilidade ecológica das paisagens agrícolas e naturais.

Indicadores silenciosos da qualidade da paisagem

Tanto o cordonizão como o codornizão-europeu funcionam como espécies indicadoras. A sua presença sugere:
  1. Baixa intensificação agrícola
  2. Estrutura vegetal diversificada
  3. Práticas tradicionais compatíveis com a biodiversidade
No entanto, é na Europa que este papel ganha maior visibilidade. O codornizão-europeu tornou-se um verdadeiro símbolo da conservação dos prados agrícolas, sendo frequentemente usado como espécie-bandeira em programas agroambientais e na Rede Natura 2000.

Destinos diferentes, desafios comuns

Apesar de ambos estarem atualmente classificados como Pouco Preocupantes à escala global, enfrentam ameaças semelhantes:
  1. Intensificação agrícola
  2. Uso de pesticidas
  3. Perda de habitats herbáceos
No caso europeu, a ceifa mecanizada precoce representa uma das principais causas de mortalidade do codornizão, afetando diretamente o sucesso reprodutor. Em África, a conversão de pradarias naturais em agricultura intensiva pode comprometer as populações de cordonizão.

Conservar aves é conservar paisagens
A comparação entre Crex egregia e Crex crex mostra que proteger estas aves não é apenas uma questão de espécies, mas de modelos de uso do território. Onde subsistem práticas agrícolas extensivas e mosaicos de habitats, estas aves continuam a cumprir os seus serviços ecossistémicos de forma silenciosa, mas essencial.

Conservar o cordonizão e o codornizão-europeu é, em última análise, conservar paisagens vivas, produtivas e biodiversas — em África e na Europa.

Predadores ou eco-delinquentes
  1. Exploração deliberada da fauna sem consideração ecológica
  2. Indivíduos que causam dano ambiental intencional e recorrente
  3. O indivíduo justifica o acto ilegal (“é tradição”, “o Estado não protege”, “os animais são meus recursos”)
  4. Reduz a percepção de culpa
Referências bibliográficas 
  1. Benton, T. G., Vickery, J. A. & Wilson, J. D. (2003). Farmland biodiversity: is habitat heterogeneity the key? Trends in Ecology & Evolution, 18, 182–188.
  2. BirdLife International (2024). Species factsheet: Crex egregia.
  3. BirdLife International (2024b). Species factsheet: Crex crex.
  4. del Hoyo, J. et al. (2014). Handbook of the Birds of the World Alive. Lynx Edicions.
  5. Donald, P. F. et al. (2001).  Agricultural intensification and farmland bird declines. Proceedings of the Royal Society B, 268, 25–29.
  6. Begon, M., Townsend, C. R., & Harper, J. L. (2006). Ecology: From individuals to ecosystems. Blackwell Publishing.
  7. Cabral, M. J. et al. (2005). Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Instituto da Conservação da Natureza.
  8. Green, R. E. et al. (1997). A simulation model of the effect of mowing of agricultural grassland on the breeding success of the corncrake (Crex crex).Journal of Zoology 243.1 (1997): 81-115
  9. ICNF (vários anos). Relatórios de gestão cinegética e conservação da fauna.
  10. Krebs, C. J. (2009). Ecology: The experimental analysis of distribution and abundance. Pearson.
  11. Primack, R. B. (2014). Essentials of Conservation Biology. Sinauer Associates.

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