Como é tradição no Expresso, a redação escolheu as figuras nacionais e internacionais do ano.
O imigrante nunca deixou de marcar a atualidade. Escolhido como urgência política, serviu de moeda de troca ao Governo para ganhar o apoio do Chega e atrair o seu eleitorado. São 1,5 milhões, a viver entre o discurso anti-imigração e o suporte da economia e da natalidade.
O ano quase no fim e em dois dias o mar matou mais pescadores do que em todo o 2025. Primeiro naufragou o “Vila de Caminha”, a 14 de dezembro. O barco de pesca costeira avariou quando regressava da faina e um golpe de mar virou-o entre a barra de Caminha e a ilha de Ínsua. Levava cinco homens, três morreram. Dois dias depois, foi o “Carlos Cunha”, 21 metros dedicados à pesca do espadarte, a ir ao fundo a 370 quilómetros ao largo de Aveiro. Dos sete pescadores, apenas dois sobreviveram. Entre as duas embarcações só havia um português. Os oito que morreram eram todos imigrantes. Dos 14 pescadores que faleceram este ano, dez eram estrangeiros, da Indonésia. Mais do que números de uma tragédia repetida, estas são cifras que revelam a dependência do sector pesqueiro da mão de obra imigrante.
São 75% de todos os tripulantes. Fazem parte de uma espinha dorsal estrangeira, mais ou menos invisível, que suporta em cada vez maior percentagem vários sectores da economia nacional: agricultura, construção, turismo, hotelaria, restauração, limpezas, apoio social.
Em 2025 reforçou-se.Dos 1.543.697 imigrantes residentes em Portugal — números da AIMA, ainda em revisão pelo INE —, 71% estão inscritos na Segurança Social, e representam 24% da população ativa do país. Em 2025, até 17 de outubro, tinham contribuído com €3,1 mil milhões, cinco vezes mais do que o valor recebido em subsídios e prestações sociais.
Diz a OCDE que é graças ao imigrante que a força de trabalho em Portugal continua a crescer. Diz o INE que um terço dos bebés que nascem no país tem mãe estrangeira, número que mais do que duplicou na última década, alimentando o aumento da natalidade há dois anos consecutivos. E que é também a imigração que tem garantido o crescimento da população ao manter o saldo migratório positivo. Mas este é um retrato pouco propagado da população estrangeira em Portugal. É positivo e só a custo entra no discurso político ou norteia as decisões do Governo e, em consequência, molda as perceções populares.
Em 2025, a imigração foi o assunto que tudo dominou, mas encarada como um problema a resolver. O imigrante viu na restrição aos seus direitos de entrada, permanência, legalização, reagrupamento e obtenção de nacionalidade uma prioridade política do executivo de Luís Montenegro. Conseguiu, aliás, o feito notável de ultrapassar em importância a crise da habitação, que mantém os jovens em casa dos pais para todo o sempre, amassa famílias em quartos e repõe barracas.
Ou o caos do SNS, que só conseguiu romper a hegemonia dos holofotes migrantes quando o número de bebés a nascer em ambulâncias começou a atingir proporções alarmantes. A Educação lá teve o seu curto período de estrelato com a falta crónica de professores — no final do 1º período, havia 13.446 horários por preencher. Mas a cada nova lei criada, votada, vetada, mudada, aprovada, o estrangeiro voltou sempre à ribalta.
Durante este ano, o Governo — pela mão do ministro Leitão Amaro — quis alterar todos os diplomas da imigração, numa transposição legal do fim da ‘política de portas escancaradas’. No Parlamento, o imigrante serviu de moeda de troca ao voto favorável do Chega, com leis a incluir artigos de uma Direita mais inclinada, só travados pelo Tribunal Constitucional (TC).Além de permitir a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), a nova Lei de Estrangeiros, em vigor desde outubro, veio dificultar o processo de reagrupamento familiar, obrigando um imigrante a esperar dois anos após receber a autorização de residência para iniciar o pedido.
O TC, que chumbou a primeira versão do diploma, forçou a inclusão de um prazo menor para cônjuges e filhos menores. Esta nova lei acabou também com o visto de procura de trabalho, mantendo-se como exceção o uso por profissionais altamente qualificados, e extinguiu o privilégio de legalização com isenção de visto para cidadãos CPLP.
A entrada de trabalhadores estrangeiros passa a fazer-se quase exclusivamente através de visto laboral, dependente da celeridade (demorada) dos consulados ou da ‘via verde’ criada pelo Governo para a contratação de mão de obra por grandes empresas. As confederações esperavam receber por aí 100 mil trabalhadores por ano, mas desde abril só passaram 1305. Por agora, a “porta escancarada” tem aberta uma nesga.
A Lei da Nacionalidade foi o segundo diploma temático aprovado. Igualmente polémica, seguiu o caminho da primeira e foi chumbada a semana passada pelos juízes do Palácio Ratton, vetada por Marcelo Rebelo de Sousa e devolvida ao Parlamento. Em traços gerais, aumenta de cinco para dez anos — sete para países lusófonos — o tempo de residência legal no país para um imigrante iniciar um pedido, o que coloca Portugal entre os mais restritivos da UE. A inclusão de uma pena acessória de perda de nacionalidade não passou no TC. Já em dezembro, o Conselho de Ministros aprovou as linhas gerais do último diploma da tríade migratória, a Lei do Retorno, que regula o afastamento dos ‘ilegais’ de Portugal e mexe igualmente na Lei do Asilo. Encontra-se em consulta pública. Entre as medidas está o aumento do tempo de detenção no Centro de Instalação Temporária dos atuais 60 dias para um ano e meio, e o fim das Notificações para Abandono Voluntário, que acelera a expulsão lá fora, o medo
Fora da bolha política do Parlamento, no mundo real do imigrante, a vida piorou. O diagnóstico é comum às várias comunidades: entre os 485 mil brasileiros que são 31% dos estrangeiros; os indianos que não chegam aos 100 mil, quase os mesmos que os angolanos; os 79 mil ucranianos; ou entre os cabo-verdianos que se ficam pelos 66 mil. É esse o top cinco das principais nacionalidades em Portugal.Se se ligasse apenas às perceções e cartazes políticos, o Bangladesh estaria em primeiro lugar com os seus 55 mil nacionais, só mais 7 mil que os britânicos.
Segundo o Iberifier, projeto de combate à desinformação do ISCTE, a comunidade muçulmana foi em 2025 o principal alvo de fake news em Portugal.“O discurso da extrema-direita entrou em todo o lado, as pessoas não se sentem acolhidas como dantes, nas ruas já não é igual”, explica Farid Ahmed Patwary, da associação Solidariedade Imigrante. “E há medo da polícia, porque há mais operações. Mesmo quem está legal tem medo. Quem recebeu ordem de expulsão está desesperado. Dizem-me: ‘Eu quero morrer’.
Esperaram anos por uma resposta da AIMA, fizeram uma vida e agora?”. A resolução das pendências da AIMA — eram mais de 400 mil processos — levou à notificação para abandono e afastamento coercivo de milhares de imigrantes cujos pedidos de legalização foram negados.
A nova UNEF e a GNR ampliaram as ações de fiscalização aos estrangeiros em situação irregular, inclusive nos locais de trabalho e transportes, e cresceu o número de detenções. Entre novas leis e xenofobia, medos e detenções, começam a surgir indicadores de uma tendência de partida dos trabalhadores — brasileiros para Espanha, por exemplo —, visível no número crescente de abandonos da Segurança Social.
Também aí é visível um decréscimo de 40% de novos contribuintes estrangeiros, reflexo das ‘portas quase fechadas’. Diz o INE que, sem imigrantes, a população cai para 6 milhões até ao fim do século. Diz o Banco de Portugal que sem eles o país não cresce. Em Itália, já se corre atrás do prejuízo."

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