Começou ontem, dia 8 de Fevereiro a recolha de assinaturas para proibir o uso de um dos principais componentes dos pesticidas ao nível mundial. O objectivo é recolher um milhão de assinaturas para levar problemática à Comissão Europeia.
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O glifosato é o principal componente dos pesticidas ao nível mundial, sendo amplamente usado em agricultura e nas áreas urbanas. Nos últimos anos, tem gerado crescente discussão acerca da sua utilização. A partir desta quarta-feira, dezenas de organizações não governamentais (ONG) de toda a União Europeia (UE) iniciaram a mobilização de cidadãos para banir o glifosato. Em Portugal, as ONG envolvidas agregaram-se na Plataforma Transgénicos Fora.
A recolha de assinaturas foi criada enquanto iniciativa de cidadania europeia (ICE). A ICE é um instrumento de participação cívica introduzido pelo Tratado de Lisboa, que define a apresentação de propostas legislativas à Comissão Europeia mediante a recolha de um milhão de assinaturas. O objetivo desta iniciativa é travar a renovação da autorização de uso do glifosato.
“Existe alguma falta de dados concretos em relação ao seu impacto epidemiológico, ou seja, em relação ao impacto em pessoas expostas. No entanto, sabe-se que em animais de laboratório causa cancro. Sabe-se também que é o herbicida mais usado em Portugal e no mundo e que os portugueses estão particularmente contaminados”, afirma Mariana Silva, uma das coordenadoras da Plataforma Transgénicos Fora.
Com efeito, a substância foi classificada em março de 2015 pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro da Organização Mundial da Saúde como “carcinogénica para animais de laboratório” e “provavelmente carcinogénica para o ser humano” .
O papel da Comissão Europeia
Todas as substâncias ativas utilizadas em pesticidas têm de ser aprovadas pela UE. O glifosato, em utilização desde os anos 70, está em processo de renovação da autorização. A Comissão Europeia estendeu o prazo da decisão de forma a aguardar a publicação de um parecer por parte da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), que estará pronto, no máximo, até ao final deste ano.
Entretanto, a Comissão Europeia fez recomendações aos Estados-membros, entre elas a minimização do uso da substância em parques e jardins de infância públicos. A Plataforma Transgénicos Fora considera-as “medidas positivas, mas que ficam ainda muito aquém do necessário para garantir a segurança dos portugueses”.
Mariana Silva considera que a ação da Comissão Europeia relativamente à problemática tem sido insuficiente. “A renovação da autorização do glifosato tem tido tantas falhas, tantas quebras de credibilidade, têm havido tantas notícias a expor a falta de transparência e de independência das sucessivas decisões, que as pessoas estão particularmente irritadas no que toca ao comportamento da Comissão Europeia e de outras estruturas europeias”, afirma a bióloga.
Por sua vez, a Comissão Europeia, em comunicação em junho de 2016, responsabilizava os Estados-membros pela inação face ao assunto. A instituição europeia chamou a atenção para o facto de não ter havido maioria qualificada nem no Comité Permanente nem no Comité de Recurso aquando da discussão do assunto.
Mariana Silva concorda que a responsabilidade também passa pelos Estados-membros, mas indica que “a Comissão Europeia tem, do ponto de vista político, a indicação clara de que a população europeia não quer a renovação do glifosato.” A bióloga remata: “O problema é que a Comissão Europeia não quer seguir essa indicação política e tem estado a fechar os olhos às indicações científicas”.
Portugal é o mais contaminado mas não faz análises
Análises a 26 voluntários portugueses demonstraram os níveis de contaminação mais altos de que há registo. A única exceção diz respeito a análises feitas nos Estados Unidos a agricultores que tinham acabado de aplicar glifosato nas colheitas. “Os voluntários [do estudo] não estavam a aplicar glifosato, portanto, para pessoas que não são agricultores nem têm exposição profissional, estes são os valores mais elevados alguma vez detetados no mundo”, explica Mariana Silva.
O estudo foi conduzido no ano passado pela Plataforma Transgénicos Fora em colaboração com o Detox Project. Esta foi a primeira análise feita no país em mais de uma década. As análises aos pesticidas estão regulamentadas em legislação europeia e incluem o glifosato. No entanto, em Portugal as análises a esta substância não têm sido realizadas, situação que Mariana Silva considera “completamente anómala”. A bióloga aponta o dedo aos “sucessivos governos que andaram a fechar os olhos”.
Falta de transparência e prazos a cumprir
Para além de querer banir o uso do herbicida, esta iniciativa tem como objetivos adicionais garantir a transparência e independência nos processos de autorização de pesticidas, bem como impor prazos obrigatórios para a redução progressiva do uso de todos os pesticidas.
“Neste momento, não há transparência. Os pesticidas e outros químicos são avaliados com base em estudos que não são publicados, secretos, que o público e cientistas independentes não podem avaliar, não podem criticar e não podem validar”, o que abre a porta “à corrupção e ao conflito de interesses”, afirma Mariana Silva.
Relativamente à redução progressiva do uso dos pesticidas, a bióloga explica que já existe legislação para conseguir essa redução, mas que a “Comissão ainda não avaliou se essa Diretiva está ou não está a cumprir essa função”.
Atingir um milhão em meio ano
A Comissão Europeia irá emitir uma decisão quando receber o parecer da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), esperado até ao final de 2017. Isto significa que a iniciativa terá de recolher um milhão de assinaturas “até ao verão”, indica Mariana Silva.
“Esta iniciativa só faz sentido antes da Comissão Europeia comunicar a sua decisão. A partir do momento em que renove o glifosato por 10 ou 15 anos, a iniciativa perde o seu peso porque será muito mais difícil reverter. O Tratado de Lisboa prevê um ano para estas iniciativas, mas na verdade temos poucos meses”, explica a coordenadora da Plataforma Transgénicos Fora.
A bióloga acredita que já há muitas pessoas em alerta para o assunto, o que irá possibilitar a recolha do total de assinaturas. “Já há uma preocupação latente que agora esta iniciativa vai permitir trazer ao de cima”, explica.
“O sucesso desta iniciativa em Portugal vai depender exclusivamente da importância que as pessoas lhe derem”, afirma. Mariana Silva acredita, no entanto, que o facto da própria iniciativa existir já é sinal de mobilização e de preocupação pública.
Para que a iniciativa seja levada à Comissão Europeia, é preciso que sejam recolhidas, até dia 25 de janeiro de 2018, um milhão de assinaturas e que, pelo menos, sete Estados-membros atinjam um número mínimo de subscritores, que varia consoante o país.
Artigo editado por Filipa Silva
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