segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Contaminação por raticidas ameaça aves de rapina em Portugal



Mais de 80 por cento das aves de rapina portuguesas podem estar contaminadas por raticidas anticoagulantes, ameaçando a conservação de várias espécies.

Este é um alerta lançado por um grupo de investigadores de Portugal e de Espanha num estudo publicado na revista ‘Science of The Total Environment’.

Coordenado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e pela Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, em colaboração com o centro de investigação CIBIO e o centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens (RIAS), o trabalho incidiu sobre 210 aves de 15 espécies, entregues em centros de recuperação no continente e na Madeira. Em comunicado, as instituições chamam a atenção para uma exposição generalizada a compostos usados no controlo de roedores, revelam as instituições em comunicado.

Do total de aves analisadas entre 2017 e 2024, 83% apresenta sinais de pelo menos um raticida anticoagulante no fígado. Em quase 60% dos casos positivos surgiam dois ou mais compostos, aumentando o risco de efeitos cumulativos e potencialmente fatais.

Ana Carromeu-Santos, a ecóloga do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C), da Universidade de Lisboa, que conduziu a investigação, salienta que “os estudos de monitorização de envenenamento secundário por raticidas são recorrentes em vários países europeus, mas este é o primeiro realizado em Portugal”.

Na Madeira, o problema é ainda mais grave, mostra o estudo. Quase 90% das aves apresentam contaminação múltipla, com concentrações médias superiores às registadas no continente, sugerindo um uso mais intensivo de raticidas no controlo de pragas na ilha.

Explica a equipa que os raticidas anticoagulantes são usados para controlar roedores, provocando hemorragias internas fatais ao impedir a coagulação do sangue. Como persistem nos tecidos, acumulam-se em predadores que consomem presas contaminadas, representando um risco para aves de rapina.

Por sua vez, nas aves estes compostos podem provocar hemorragias internas, fraqueza, perda de coordenação e, em casos extremos, a morte. Mesmo em doses não letais, avisam os investigadores, reduzem a capacidade de caça, aumentam o risco de acidentes e comprometem a reprodução.

Entre os compostos detetados destacam-se o Brodifacoum e a Bromadiolona, substâncias altamente persistentes e tóxicas. As aves mais velhas revelam maiores concentrações, evidenciando o efeito de bioacumulação ao longo dos anos.

Espécies comuns como o peneireiro-de-dorso-malhado (Falco tinnunculus) e a coruja-das-torres (Tyto alba) podem servir como “sentinelas”, permitindo acompanhar a evolução da contaminação devido à sua ampla distribuição e dieta baseada em pequenos roedores.

Sofia Gabriel, investigadora do CE3C e principal coautora do artigo, alerta que “estes resultados demonstram que os raticidas utilizados no controlo de pragas de roedores estão a entrar nas cadeias alimentares da fauna selvagem, o que coloca estas espécies em risco e exige medidas de mitigação para reduzir os impactos”.

O estudo confirma que o impacto dos raticidas “já não é pontual”, salientam os cientistas, mas sim “um fenómeno persistente e transversal”, que afeta várias gerações de aves e fragiliza populações já vulneráveis.

As consequências para a biodiversidade são significativas, podendo comprometer o equilíbrio dos ecossistemas se espécies essenciais diminuírem drasticamente ou desaparecerem de determinadas regiões.

Os autores defendem medidas urgentes, incluindo monitorização regular, restrições ao uso indiscriminado de raticidas e promoção de alternativas mais seguras no controlo de roedores, fundamentais para proteger a fauna selvagem.

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