O novo projecto FitoAvista quer detectar grandes concentrações de microalgas na costa portuguesa, visíveis nas espumas e nas colorações do oceano. A Wilder falou com a coordenadora, Alexandra Duarte Silva, e conta-lhe tudo.
Se estiver junto à costa e avistar espuma na praia ou no mar, ou então uma coloração diferente nas ondas – vermelha, laranja ou castanha, por exemplo – o mais provável é não ser poluição, mas sim a parte visível de um imenso mundo microscópico que habita as águas do mar: o fitoplâncton formado por microalgas unicelulares, que estão na base da teia alimentar marinha.
Concentração de espumas do mar em Vila Nova de Gaia. Foto: Maria Lobo
Agora, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) tem um novo projecto para onde pode enviar o registo dessas observações, depois de as fotografar: o FitoAvista, irmão mais novo do GelAvista (dedicado aos gelatinosos), recorre tal como este a cidadãos cientistas para serem os “olhos” dos investigadores onde estes não conseguem chegar, explica a coordenadora da iniciativa, Alexandra Duarte Silva.
A partir das fotografias que recebe no email plancton@ipma.pt, a equipa do FitoAvista consegue perceber se há uma grande concentração de microalgas num determinado local, para aí recolher amostras e analisá-las em laboratório. Até porque o IPMA dispõe de várias estações ao longo da costa portuguesa e assim consegue chegar em pouco tempo aos locais.
Comuns na costa portuguesa
“O fitoplâncton está sempre presente na água e tem uma taxa de reprodução muito rápida, podendo atingir concentrações muito elevadas num curto espaço de tempo”, descreve Alexandra Duarte Silva, que é especialista em ecologia do fitoplâncton. Estas proliferações são comuns na costa portuguesa ao longo do ano, adianta.
Espuma observada numa praia de Peniche. Foto: Associação Mar à Deriva
Em causa estão duas razões principais. A primeira, é que “em Portugal temos um fenómeno no litoral chamado ‘upwelling’ ou afloramento costeiro, que acontece quando os ventos sopram de norte e trazem as águas do mar do fundo para a superfície, que são mais frias e ricas em nutrientes, o que acontece em especial na Primavera e no Verão”.
Em segundo lugar, “já entre o final do Inverno e a Primavera, o número destas algas aumenta muitas vezes com o enriquecimento das águas do mar devido aos nutrientes que são trazidos pelos rios”. Em causa estão as actividades urbanas e agrícolas e também a própria vida que existe nos cursos fluviais.
Espuma do mar avistada numa praia em Ovar. Foto: Raquel Chumbinho
O fitoplâncton é extremamente importante, tanto para a vida marinha como terrestre, mas quando acontecem proliferações muito grandes, podem ter “um impacto severo no sector aquícola e no turismo”, sublinha a mesma responsável. Por vezes, as águas do mar ficam com um aspecto estranho ou as praias podem mesmo encerrar, quando se trata de “marés vermelhas” – muitas provocadas por microalgas tóxicas para a saúde humana.
Noutras ocasiões, certas microalgas do grupo das diatomáceas têm o poder de “irritar e entupir as guelras dos peixes” nas explorações de aquicultura. Além do mais, quando se concentram grandes quantidades de microalgas, estas por vezes “apodrecem na água e privam de luz os bivalves que estão mais abaixo”, afectando a sua sobrevivência.
Uma das 20.000 espécies de diatomáceas conhecidas, fotografada ao microscópio.
Foto: Alexandra Duarte Silva
Assim, se o IPMA analisar as amostras de água do mar e descobrir que estão em causa microalgas nocivas ou tóxicas, podem ser emitidos avisos. No caso de microalgas nocivas, estão em causa espécies que atacam as guelras dos peixes, por exemplo, pelo que a sua detecção pode ajudar a avisar os produtores para tomarem medidas.
Já as microalgas tóxicas prejudicam a saúde humana e também a dos mamíferos marinhos, e se forem encontradas podem levar à proibição de venda de bivalves em determinados locais da costa. É o que acontece por vezes durante o Verão, ajudando a impedir intoxicações alimentares e outras indisposições graves. É que algumas espécies de microalgas têm toxinas naturais que passam para as amêijoas e outros bivalves, que não são afectados, mas que concentram essas substâncias e podem afectar quem os ingere. “Não sabemos como o nosso organismo vai reagir a estas toxinas e, por isso, quando são emitidos alertas quanto ao consumo de bivalves, é importante termos todo o cuidado”, adverte Alexandra Duarte Silva.
Em poucos dias, 78 avistamentos
Entretanto, no espaço de uma semana, entre o último dia 17, quando foi lançado nas redes sociais, e a manhã de dia 25, o projecto FitoAvista já tinha recebido informação de 78 avistamentos de espumas e colorações no mar, de Viana do Castelo a Aljezur, enviada por cerca de 40 cidadãos cientistas.
Espuma observada na Praia Grande. Foto: José Azevedo
Este grande número de participações em pouco tempo surpreendeu a equipa e terá sido ajudado por uma parceria com o GelAvista, uma vez que uma parte dos observadores colaboram com os dois projectos. Além de Alexandra Duarte Silva, o FitoAvista é realizado por Antonina dos Santos, especialista em ecologia marinha de zooplâncton e coordenadora do GelAvista, e por Isabel Cruz, da área da comunicação.
“Temos várias pessoas que já incorporaram esta rotina [de reportar o que vêem] no seu dia-a-dia”, explica Alexandra, que adianta que essa consistência é muito importante para a análise dos dados. Ou seja, se registarmos diariamente concentrações de espuma num determinado local, e chegar um dia em que já não haja lá nada, esse “avistamento zero” também tem significado para os cientistas, sublinha. Entretanto, se tudo correr bem, o objectivo da equipa é dentro de algum tempo oferecer formação a quem queira participar na recolha de amostras de espuma e água do mar.
Agora é a sua vez.
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