segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Em Busca da Nossa Floresta Autóctone...

Por Rafael Carvalho
Mata de Albergaria, Gerês

Albergaria, Margaraça e Solitário, os últimos redutos.
Há uns tempos atrás, neste grupo, perguntava alguém por uma mata onde pudesse passear, sentindo a verdadeira essência/magia da floresta portuguesa.
Algumas vozes generosas logo se prontificaram a ajudar: Mata de Albergaria, no Gerês; Mata da Margaraça, na Serra do Açor; Mata do Solitário, na Serra da Arrábida. Acrescento eu, Floresta Laurissilva da Madeira e dos Açores.
Desgraçadamente não haverá muito mais a acrescentar, para além de mais uns quantos pequenos retalhos distribuídos pelo país.
Uma floresta é muito mais do que um amontoado monocultural de árvores. Infelizmente, as nossas florestas prístinas há muito desapareceram...
Numa verdadeira floresta, onde os duendes pululam, as árvores são a entidade que mais se destaca, mas não a única. As árvores das mais diversas idades são acompanhadas no sub-bosque por uma miríade de arbustos e subarbustos, lianas, cogumelos e herbáceas das mais variadas espécies. Neste ecossistema, bactérias, anelídeos, artrópodes, anfíbios, peixes, répteis, mamíferos e aves, presas e predadores, verdadeiros duendes, encontram não só abrigo como também alimento. E as árvores mortas também são fonte de vida ao alimentarem as espécies saproxílicas. A co-evolução, ao longo de milhões de anos, afinou relações de interdependência entre plantas e animais. As plantas oferecem os frutos e os animais retribuem, disseminando as sementes... As florestas de produção, que dominam o território, são tudo menos isto!
Muito recentemente, um relatório da Agência Europeia do Ambiente pôs a nu o estado de conservação das florestas portuguesas. As nossas florestas são os habitats em pior estado de conservação: apenas 4% estão num estado considerado bom.
É imprescindível a discriminação positiva da floresta de conservação, para que possam continuar a existir em Portugal ecossistemas florestais dignos desse nome, apesar da lógica economicista que pressiona para a sua extinção.
A discriminação positiva pode ser feita dando incentivos aos proprietários e compensando-os pelo serviço que prestam à sociedade. Pode ser feita legislando no sentido de, a partir de uma certa área de povoamento, existir uma quota obrigatória para as espécies autóctones, plantando-as ou pura e simplesmente deixando que elas se estabeleçam de forma natural, o que até seria desejável.
Ainda não há muitos séculos os ursos vagueavam pelas nossas florestas. Atualmente o lince por terras do sul vai recuperando com o apoio dos homens. Já no norte, o lobo vai subsistindo, não passando porém de um mero fantasma.
Na atual e infelizmente omnipresente floresta de produção, existem autarquias a venderem monoculturas aos turistas como se de verdadeiras relíquias naturais se tratassem e, por incrível que pareça, os turistas compram. Tragédia maior não poderia ser esta. De facto esses autarcas, na minha opinião, não têm sequer consciência da publicidade enganosa que promovem. Muitos dos turistas, também não percebem o logro! Quebrada a relação quotidiana com a floresta ancestral, autarcas e muitos dos turistas são ambos vitimas da sua ignorância.
Sem a intervenção humana, as quercíneas dominariam a paisagem continental portuguesa - carvalhos, no norte e centro, sobreiros a sul, com as azinheiras a imporem-se na zona raiana, de influência mediterrânica.
As populações, durante séculos a fio, serviram-se de forma sustentável da floresta, recolhendo cogumelos e frutos, aproveitando as árvores decrépitas para lenha, usando as árvores como fonte de madeira sem contudo fazerem cortes rasos...
Desde o evento da agricultura e da pastorícia, a nossa floresta autóctone tem vindo a ser delapidada mas nunca como nas últimas décadas.
A plantação do Pinhal de Leiria, iniciada por D. Afonso III, já lá vão uns séculos, deu início à expansão das monoculturas.
Aquando do episódio das descobertas, milhões de carvalhos foram abatidos para a construção de naus e caravelas.
Já no séc. XIX , a imposição da "floresta científica", monocultural, centrada na maximização dos lucros, enxovalhou a exploração tradicional da floresta, até aí conservadora da sua biodiversidade. O sec. XX com o estado novo prossegue a mesma política. As monoculturas de pinheiro não só mudaram a ocupação do solo como serviram para extinguir as formas "arcaicas" de vida do aldeão, agora reeducado.
À conta da indústria papeleira, os anos setenta do século XX deram início à expansão do australiano eucalipto, em eucaliptais "limpos" de qualquer vegetação concorrente. Prometia-se dinheiro fácil e em pouco tempo . E cá estamos nós agora acompanhados da pirossilva, na maior extensão contínua de eucaliptos da Europa...
Ao eucalipto junta-se o fantasma das espécies invasoras...
Os incêndios de 2017 foram um despertar de consciências. Nunca como agora se falou tanto de espécies autóctones. Saiba-se aproveitar a oportunidade, enquanto há disponibilidade genética...
Nos entretantos, aproveitem-se os últimos retalhos da nossa floresta primitiva, pouco alterada, permitindo-nos ter um vislumbre das antigas florestas que acompanharam as diferentes civilizações que passaram pelo nosso território. Isto se o fogo não as levar...
MATA DE ALBERGARIA, GERÊS
Atravessada pela geira romana, dominam nesta mata os carvalhos roble e negral. No sub-bosque da mais bem conservada floresta representativa da paisagem do noroeste português, entre fetos e musgos subsistem algumas espécies já raras no território nacional como o mirtilo, o azereiro, o teixo ou o azevinho. O corço por aqui ainda vai dando o ar da sua graça. Na região ainda é possível ouvir o uivo do lobo.
MATA DA MARGARAÇA, SERRA DO AÇOR
Nesta relíquia representativa das antigas florestas da região centro, o carvalho-alvarinho e o castanheiro são os reis da floresta, acompanhados de aveleiras, nogueiras, cerejeiras, freixos e do raro ulmeiro-de-montanha. Arbustos mediterrânicos como o medronheiro, o folhado e o loureiro partilham o espaço com o azereiro, naquela que é a maior mancha da sua distribuição nacional.
MATA DO SOLITÁRIO, ARRÁBIDA
Trata-se de um bosque mediterrânico, dominado por arbustos que aqui possuem porte arbóreo, como os carrascos, os lentiscos, zambujeiros, folhados, adernos e medronheiros.
FLORESTA LAURISSILVA DA MADEIRA E DOS AÇORES.
A laurissilva da madeira, património da humanidade, é a mais bem conservada.
Caracteriza-se pela presença de espécies arbóreas, de folha grandes e persistentes, como o loureiro, o barbusano, o til e o vinhático, espécies-relíquia da laurissilva subtropical terciária, extinta no continente aquando da última glaciação.


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