quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Habitats costeiros serão devastados se emissões poluentes não forem reduzidas



Há cerca de 17 mil anos, durante aquela que é considerada a última Idade do Gelo, era possível viajar a pé da Alemanha para Inglaterra e da Rússia até ao continente americano. Nesses tempos remotos, o nível do mar estava, em média, 120 metros abaixo do atual.

Contudo, com o fim dessa era gelada, os oceanos do planeta subiram rapidamente, quase um metro a cada 100 anos, uma tendência que tem vindo a ser intensificada pelas emissões de gases com efeito de estufa lançadas na atmosfera pelas atividades humanas, e que estão a provocar o degelo nos polos e noutras regiões.

Num artigo publicado esta quarta-feira na revista ‘Nature’, uma equipa internacional de cientistas, liderada pela Universidade de Macquarie, na Austrália, alerta que se as sociedades humanas não conseguirem manter o aquecimento da Terra entre os 1,5 e os 2 graus Celsius, relativamente aos níveis pré-industriais (1850-1900), a rápida subida do nível dos mares engolirá os habitats costeiros.

Recifes de coral, manguezais e sapais são alguns exemplos das zonas que poderão ser perdidas para o avanço das águas marinhas e os cientistas dizem que é preciso fazer mais para protegê-las, uma vez que são importantes sumidouros de carbono, refúgios para juvenis de várias espécies de animais, para a subsistência de comunidades humanas e para proteger a costa da erosão provocadas pelo mar e de tempestades, cada vez mais frequentes por causa das alterações climáticas. Nas Ilhas Salomão, no sul do Oceano Pacífico, a subida do nível do mar causou a morte de grande porção das florestas de manguezais, expondo a costa à erosão e à força devastadora de tempestades cada vez mais intensas e frequentes.

Tendo como referência milhares de anos de história da Terra, Neil Saintilan, primeiro autor do artigo, acredita que “estes habitats costeiros podem provavelmente adaptar-se, até certo ponto, ao aumento do nível dos mares”. No entanto, avisa que se os limites do aquecimento global forem excedidos, esses habitats “atingirão um ponto de viragem”.

Em comunicado, o investigador salienta que sem a redução das emissões de gases com efeito de estufa, a subida do nível dos mares “excederá a capacidade dos habitats costeiros para se adaptarem”, o que, segundo ele, resultará em “instabilidade e alterações profundas” desses ecossistemas.

Ainda que, por exemplo, os manguezais, espécies vegetais halófitas, tenham evoluído para singrar em ambientes que seriam inóspitos para outras espécies vegetais, existindo numa zona em que água doce e água salgada se fundem, essa capacidade de adaptação tem os seus limites.

Se, com a subida do mar, os manguezais ficarem permanentemente mergulhados em água salgada, acabam por morrer. “Este tipo de morte pode ser devastador para muitas florestas naturais de manguezal na Ásia”, explica Saintilan, em que o desenvolvimento urbanístico na costa impede que essas florestas recuem para zonas mais favoráveis ao seu desenvolvimento e sobrevivência.

E a ameaça também se estende aos recifes de coral, sobretudo àqueles que circundam ilhas de reduzida elevação. Chris Perry, da Universidade de Exeter (Reino Unido) e outro dos autores do artigo, aponta que esses recifes atuam como uma espécie de barreira, que protege a costa da erosão causada pelas ondas e impede que o mar ‘engula’ a ilha, e toda a vida que ela contém.

No entanto, se o nível do mar for suficiente para que as águas passem acima dos recifes, não haverá nada que proteja os habitats e ecossistemas insulares de desaparecem sob as ondas, e esse cenário pode tornar-se realidade se o aquecimento global for além dos 2 graus Celsius, o limite máximo definido no Acordo de Paris de 2015, e que alguns cientistas consideram que não será cumprido dada a ainda forte dependência que as sociedades humanas têm dos combustíveis fósseis.

“No curto-prazo, os ecossistemas costeiros podem ser vitais para ajudarem os humanos a mitigar as alterações climáticas, absorvendo dióxido de carbono da atmosfera e oferecendo proteção contra tempestades oceânicas”, diz Simon Albert, da Universidade de Queensland e que também assina o trabalho.

Mas para que esses serviços continuem a existir e possamos continuar a beneficiar deles temos também de ajudar os habitats costeiros, e isso passa por queimar menos combustíveis fósseis, transitar para modelos de produção e consumo de energia limpa e renovável e adotar soluções baseadas na Natureza que permitam combater os piores efeitos das alterações climáticas.

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