quarta-feira, 2 de julho de 2025

Teresa Torga - uma mulher na Revolução


Uma mulher decidiu despir-se e dançar no cruzamento das avenidas Miguel Bombarda e 5 de Outubro, em Lisboa. Eram quatro da tarde, corria o ano de 1975 e o país fervia na liberdade recém-conquistada. O gesto deu origem a uma crónica do jornalista Rogério Rodrigues no Diário de Lisboa e, mais tarde, a uma canção de José Afonso. 

Alan Romero 
"A letra fala da triste história de uma artista decadente que, numa atitude tresloucada, dançava nua em plena tarde numa avenida lisboeta. A cena inusitada atraiu a atenção de um repórter que, no entanto, não conseguiu fotografá-la devido aos protestos dos transeuntes, revoltados com o que consideraram uma exploração degradante. Entretanto a canção tornou-se um clássico da luta pelos direitos da mulher em Portugal. Só em 2006 o texto original foi dado a público, através do livro "Os loucos dias do PREC", de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira. A notícia, publicada originalmente no Diário de Lisboa, confirmava o conteúdo da canção e dava mais pistas: ela tinha sido fadista, atriz de teatro de revista e vivido durante algum tempo no Brasil. Reportava também a sua condição de paciente de um conhecido hospício. Recentemente, o blog português "Rua dos dias que voam" localizou uma entrevista de Teresa Torga na extinta revista Plateia. 
Ela fala dos sete anos em que morou no Rio de Janeiro, tendo trabalhado com Maria Della Costa, Costinha e outros grandes nomes do teatro e da televisão. A musa de Zeca Afonso mostrava sua face: a matéria é ilustrada com duas fotos, as únicas conhecidas da artista. Mas o que mais despertou a minha curiosidade foi a referência a um disco que ela teria gravado com as canções "De degrau em degrau" e "Rua sem luz". 
Imediatamente mergulhei no Google em busca dessas gravações. Revirei a internet de ponta a ponta até que localizei essa raridade no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga! Trata-se de uma edição do selo Chantecler, de 1962, talvez a única cópia existente, preservada graças a esta instituição. Teresa Torga aos poucos vai saindo da bruma do esquecimento. De suposta personagem ficcional passou a ter existência documentada. Depois viu-se-lhe o rosto. E agora ganha voz! A Associação José Afonso agradece à Discoteca Oneyda Alvarenga a oportunidade única concedida aos fãs do Zeca de poderem ouvir tão preciosos áudios.


No centro da Avenida 
No cruzamento da rua 
As quatro em ponto perdida 
Dançava uma mulher nua 

A gente que via a cena 
Correu para junto dela 
No intuito de vesti-la 
Mas surge António Capela 

Que aproveitando a barbuda 
Só pensa em fotografá-la 
Mulher na democracia 
Não é biombo de sala 

Dizem que se chama Teresa 
Seu nome e Teresa Torga 
Muda o pick-up em Benfica 
Atura a malta da borga 

Aluga quartos de casa 
Mas já foi primeira estrela 
Agora é modelo à força 
Que o diga António Capela 

T'resa Torga T'resa Torga 
Vencida numa fornalha 
Não há bandeira sem luta 
Não há luta sem batalha


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