Uma mulher decidiu despir-se e dançar no cruzamento das avenidas Miguel Bombarda e 5 de Outubro, em Lisboa. Eram quatro da tarde, corria o ano de 1975 e o país fervia na liberdade recém-conquistada. O gesto deu origem a uma crónica do jornalista Rogério Rodrigues no Diário de Lisboa e, mais tarde, a uma canção de José Afonso.
Alan Romero
"A letra fala da triste história de uma artista decadente que, numa atitude tresloucada, dançava nua em plena tarde numa avenida lisboeta. A cena inusitada atraiu a atenção de um repórter que, no entanto, não conseguiu fotografá-la devido aos protestos dos transeuntes, revoltados com o que consideraram uma exploração degradante. Entretanto a canção tornou-se um clássico da luta pelos direitos da mulher em Portugal.
Só em 2006 o texto original foi dado a público, através do livro "Os loucos dias do PREC", de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira. A notícia, publicada originalmente no Diário de Lisboa, confirmava o conteúdo da canção e dava mais pistas: ela tinha sido fadista, atriz de teatro de revista e vivido durante algum tempo no Brasil. Reportava também a sua condição de paciente de um conhecido hospício.
Recentemente, o blog português "Rua dos dias que voam" localizou uma entrevista de Teresa Torga na extinta revista Plateia.
Ela fala dos sete anos em que morou no Rio de Janeiro, tendo trabalhado com Maria Della Costa, Costinha e outros grandes nomes do teatro e da televisão. A musa de Zeca Afonso mostrava sua face: a matéria é ilustrada com duas fotos, as únicas conhecidas da artista.
Mas o que mais despertou a minha curiosidade foi a referência a um disco que ela teria gravado com as canções "De degrau em degrau" e "Rua sem luz".
Imediatamente mergulhei no Google em busca dessas gravações. Revirei a internet de ponta a ponta até que localizei essa raridade no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga! Trata-se de uma edição do selo Chantecler, de 1962, talvez a única cópia existente, preservada graças a esta instituição.
Teresa Torga aos poucos vai saindo da bruma do esquecimento. De suposta personagem ficcional passou a ter existência documentada. Depois viu-se-lhe o rosto. E agora ganha voz!
A Associação José Afonso agradece à Discoteca Oneyda Alvarenga a oportunidade única concedida aos fãs do Zeca de poderem ouvir tão preciosos áudios.
No cruzamento da rua
As quatro em ponto perdida
Dançava uma mulher nua
A gente que via a cena
Correu para junto dela
No intuito de vesti-la
Mas surge António Capela
Que aproveitando a barbuda
Só pensa em fotografá-la
Mulher na democracia
Não é biombo de sala
Dizem que se chama Teresa
Seu nome e Teresa Torga
Muda o pick-up em Benfica
Atura a malta da borga
Aluga quartos de casa
Mas já foi primeira estrela
Agora é modelo à força
Que o diga António Capela
T'resa Torga T'resa Torga
Vencida numa fornalha
Não há bandeira sem luta
Não há luta sem batalha
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