Com a melhor tecnologia ao seu dispor, dois membros do Centro Donald Danforth para as Ciências Vegetais procuram compreender como as plantas funcionam e explicam de que forma a tecnologia pode beneficiar as culturas face às alterações climáticas.
As superculturas modernas são úteis, mas não se chegará a uma solução agrária apenas com biotecnologia.
Algo está a matar a plantação de mandioca de Ramadhani Juma. “Talvez seja água a mais”, sugere enquanto segura entre os dedos folhas amarelas murchas de uma planta com dois metros de altura. “Ou sol a mais.” Ramadhani lavra um pequeno talhão, com menos de meio hectare, perto da cidade de Bagamoyo, à beira do oceano Índico, sessenta quilómetros a norte de Dar-es-Salam, na Tanzânia.
Numa manhã chuvosa de Março, seguido por dois dos seus quatro filhos pequenos, ele conversa com um técnico da cidade grande, Deogratius Mark, de 28 anos, que trabalha no Instituto de Investigação Agrícola Mikocheni.
Mark explica-lhe que o problema não é o sol nem a chuva. Os verdadeiros assassinos da mandioca, demasiado pequenos para os olhos os detectarem, são vírus. Mark rasga algumas folhas molhadas: um punhado de moscas brancas sai a voar como dardos. As moscas têm o tamanho da cabeça de um alfinete, mas transmitem dois vírus, explica. Um destrói as folhas da mandioca e o segundo, o vírus do listrado castanho, destrói a raiz comestível e rica em amido, uma catástrofe normalmente descoberta apenas no momento da colheita. Ramadhani é um representante típico dos agricultores com quem Mark costuma falar. Por norma, nunca ouviram falar de doenças virais. “Consegue imaginar como ele irá sentir-se se eu lhe disser que vai ter de arrancar pela raiz todas estas plantas?”, pergunta Mark num sussurro.
Ramadhani veste calções azuis rasgados e uma T-shirt verde com a frase estampada “Você quer comprar uma vogal?”. Escuta com atenção o diagnóstico de Mark. De seguida, pega na enxada e começa a cavar. O filho mais velho, de 10 anos, mordisca uma folha de mandioca. Arrancando da terra uma raiz, Ramadhani abre-a a meio com um golpe de enxada. Suspira: a polpa branca apresenta-se raiada de amido castanho e podre.
Se quiser salvar uma parte da safra que lhe permita alimentar a família, Ramadhani terá de antecipar um mês a colheita. Pergunto-lhe que importância tem a mandioca para a sua vida.
“Mihogo ni kila kitu”, responde-me em suaíli. “A mandioca é tudo.”
A maioria dos tanzanianos pratica agricultura de subsistência. Em África, as pequenas explorações agrícolas plantam mais de 90% da totalidade das culturas e a mandioca é um alimento essencial para mais de 250 milhões de pessoas. Cresce em solos marginais e aguenta vagas de calor e secas. Seria a cultura perfeita para a África do século XXI, não fosse a mosca branca, cujo território se vai alargando à medida que o clima aquece. Os mesmos vírus que invadiram este campo já se espalharam por toda a África Oriental.
Antes de partirmos de Bagamoyo, vamos conversar com um dos vizinhos de Ramadhani, Shija Kagembe. As suas plantações de mandioca não estão melhores. Escuta Mark em silêncio, enquanto este lhe explica o que os vírus fizeram e depois pergunta: “Como pode ajudar-nos?”
A RESPOSTA A ESTA PERGUNTA será um dos maiores desafios do século. As alterações climáticas e o crescimento demográfico tornarão mais precárias as vidas de Ramadhani, de Shija e de outros pequenos agricultores no mundo em desenvolvimento. Durante a maior parte do século XX, a humanidade conseguiu manter a dianteira na corrida malthusiana entre crescimento demográfico e disponibilidade de alimentos. Será que irá manter esse avanço no século XXI, ou será avassalada por uma catástrofe mundial?
Segundo previsões da ONU, até 2050 a população mundial aumentará em mais dois mil milhões de pessoas. Metade nascerá na África subsaariana e 30% no Sul e no Sudeste da Ásia. Será também nessas regiões que se sentirá com mais dureza o efeito das alterações climáticas. No passado mês de Março, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) avisou que o abastecimento mundial de alimentos já corre perigo. “Nos últimos 20 anos, em especial no que se refere ao arroz, ao trigo e ao milho, tem-se registado um abrandamento no ritmo de crescimento do rendimento das colheitas”, conta o climatologista Michael Oppenheimer, um dos autores do relatório do IPCC. “Em alguns sectores, os rendimentos já não crescem. Do meu ponto de vista, a ruptura dos sistemas alimentares constitui a maior ameaça das alterações climáticas.”
Há meio século, a catástrofe perfilava-se de maneira igualmente sinistra. Falando sobre a fome mundial, num discurso proferido na Fundação Ford em 1959, um economista afirmou: “Na melhor das hipóteses, as perspectivas para as próximas décadas são graves; na pior, são assustadoras.” Nove anos mais tarde, no seu célebre livro “A Bomba Populacional”, Paul Ehrlich vaticinava que as crises de fome, em particular na Índia, matariam centenas de milhões de pessoas nas décadas de 1970 e 1980.
Antes que essas visões catastróficas se concretizassem, a revolução verde transformou a agricultura mundial, em especial o cultivo de trigo e de arroz. Através do apuramento selectivo das espécies, o biólogo norte-americano Norman Borlaug criou uma variedade anã de trigo que concentrava a maior parte da sua energia nos grãos comestíveis e não nos caules longos, impossíveis de comer. Resultado: gerou-se mais cereal disponível por hectare. Um projecto semelhante, desenvolvido no Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI na sigla internacional) nas Filipinas, melhorou radicalmente a produtividade do cereal que alimenta quase metade do planeta.
Entre a década de 1960 e a de 1990, os rendimentos do arroz e do trigo na Ásia duplicaram. Embora a população deste continente crescesse 60%, os preços dos cereais baixaram, o consumo médio aumentou quase mais um terço das calorias anteriormente ingeridas e a taxa de pobreza foi reduzida a metade. Quando Norman Borlaug conquistou o Prémio Nobel da Paz em 1970, foi elogiado porque, “mais do que qualquer outra pessoa do seu tempo, ajudou a disponibilizar pão a um mundo esfomeado”.
Para atingir patamares similares até 2050, vamos precisar de outra revolução verde. Uma das teses para atingir esta meta aposta no avanço tecnológico, com ênfase na continuação do trabalho de apuramento de melhores culturas iniciado por Norman Borlaug, recorrendo a técnicas genéticas modernas. “A próxima revolução verde terá de fortalecer imenso as ferramentas da anterior”, prevê Robert Fraley, director-geral de tecnologia do grupo Monsanto e vencedor do prestigiado World Food Prize em 2013. Segundo ele, a comunidade científica consegue actualmente identificar e manusear uma enorme diversidade de genes de vegetais, melhorando características como a resistência às doenças e a tolerância à seca. Isso tornará a agricultura mais produtiva e mais resiliente.
A tecnologia essencial desta abordagem, que tem granjeado sucesso e polémica à Monsanto, é a dos organismos geneticamente modificados, ou OGM. Divulgados pela primeira vez na década de 1990, foram adoptados por 28 países e plantados em 11% do solo arável do planeta, incluindo metade dos terrenos de cultivo nos Estados Unidos. Cerca de 90% do milho, do algodão e da soja cultivados no país são geneticamente modificados.
Há quase duas décadas que os norte-americanos se alimentam de OGM. No entanto, na Europa e em grande parte de África, os debates sobre a segurança e consequências ambientais destas culturas têm travado a sua utilização. Um estudo recente do Ministério Norte-Americano da Agricultura apurou que a aplicação de pesticidas nas culturas de milho diminuiu 90% desde a introdução do milho Bt, que contém genes da bactéria Bacillus thuringiensis, ajudando a planta a combater as traças do milho e outras pragas. Relatórios referentes à China indicam que os afídeos nocivos diminuíram e as joaninhas e outros insectos benéficos aumentaram nas províncias onde o algodão geneticamente modificado foi plantado.
Os OGM especificamente desenvolvidos pelo trabalho de Robert Fraley na Monsanto têm sido lucrativos para a empresa e para muitos agricultores, mas não têm ajudado a conquistar o público para a causa da agricultura de tecnologia avançada. As culturas Roundup Ready da Monsanto são geneticamente modificadas para se tornarem imunes ao herbicida Roundup, também produzido pela Monsanto. Quer isto dizer que os agricultores podem pulverizar com o herbicida para eliminar as ervas daninhas sem causar estragos no seu milho, algodão ou soja. O contrato assinado com a Monsanto não lhes permite conservar sementes para plantar: todos os anos precisam de adquirir à empresa as sementes patenteadas.
Embora não existam provas fortes de que as culturas Roundup ou Roundup Ready não sejam seguras, os defensores de uma solução alternativa consideram essas sementes caras como um factor dispendioso introduzido num sistema inviável.
A agricultura moderna já depende excessivamente dos adubos sintéticos e dos pesticidas. Não só são incomportáveis para um agricultor como Ramadhani Juma, como poluem a terra, a água e o ar. Os adubos sintéticos são produzidos com recurso a combustíveis fósseis e emitem potentes gases com efeito de estufa quando aplicados nos campos.
“A escolha é clara”, afirma Hans Herren, outro laureado com o World Food Prize e director da organização sem fins lucrativos suíça Biovision. “Precisamos de um sistema agrícola muito mais preocupado com a paisagem e com os recursos ecológicos. Precisamos de mudar o paradigma da revolução verde. A agricultura intensiva não tem futuro, precisamos de algo diferente.” Para este especialista, há maneiras de combater as pragas e de aumentar os rendimentos mais adequadas aos Ramadhani Jumas deste mundo.
A MONSANTO NÃO É A ÚNICA organização a acreditar que a genética vegetal moderna pode ajudar a alimentar o planeta. Num dia quente de Fevereiro, ao fim da tarde, o especialista em genética vegetal Glenn Gregorio, do Instituto Internacional de Investigação do Arroz, mostra-me o arroz que deu início à revolução verde na Ásia. Encontramo-nos na cidade de Los Baños, cerca de sessenta quilómetros a sudeste de Manila, caminhando ao longo do limite de certos arrozais muito especiais, que existem nos 200 hectares do instituto.
“Este é o arroz milagroso, o IR8”, mostra Glenn, quando nos detemos junto de uma mancha densa verde-esmeralda de plantas de arroz, que nos dão pela coxa. Na década de 1960, o especialista em patologias vegetais Peter Jennings deu início a uma série de experiências de cruzamento de espécies. Dispunha de dez mil variedades de sementes para trabalhar. O seu oitavo cruzamento (entre uma estirpe anã de Taiwan e uma variedade mais alta da Indonésia) gerou a estirpe de crescimento rápido e rendimento elevado mais tarde conhecida como India Rice 8, pelo papel desempenhado na prevenção da fome naquele país. “Revolucionou a produção de arroz na Ásia”, lembra Glenn. “Na Índia, alguns pais puseram aos filhos o nome de IR8.”
Enquanto passeamos ao longo dos arrozais, passamos por outras estirpes historicamente importantes, todas identificadas, uma a uma, com uma tabuleta de madeira pintada com esmero. Todos os anos, o Instituto lança dezenas de novas variedades: cerca de mil foram semeadas em todo o mundo desde a década de 1960.
Durante décadas, o IRRI preocupou-se exclusivamente em melhorar as variedades tradicionais de arroz, cultivadas em campos que são inundados na época do plantio. Ultimamente, tem deslocado a sua atenção para as alterações climáticas. Agora, disponibiliza variedades tolerantes à seca, incluindo uma que pode desenvolver-se em campos secos e sobreviver só com chuva, como acontece com o milho e o trigo. Existe um arroz com tolerância ao sal para países como o Bangladesh, onde a subida do nível dos mares está a envenenar os arrozais. “Os agricultores não se apercebem de que a água salgada está a infiltrar-se nos arrozais”, diz Glenn. “Quando o sabor salgado da água começa a sentir-se, as plantas já estão a morrer.”
Das variedades de arroz existentes no IRRI, poucas são culturas geneticamente modificadas, na medida em que contêm um gene transferido de uma espécie diferente e nenhuma se encontra ainda disponível junto do público. Uma chama-se Golden Rice e contém genes do milho que permitem produzir betacaroteno: tem por objectivo combater o flagelo mundial da carência de vitamina A. No Verão passado, um campo experimental de Golden Rice pertencente ao IRRI foi espezinhado por activistas. Segundo o administrador Robert Zeigler, o IRRI cria variedades geneticamente modificadas apenas como último recurso, quando não consegue encontrar a característica desejada no próprio arroz.
No entanto, toda a operação de produção de variedades do Instituto tem sido acelerada pela genética moderna. Durante décadas, os investigadores do IRRI seguiram pacientemente a receita antiga: seleccionar plantas com a característica desejada, realizar a polinização cruzada, aguardar que a descendência atinja a maturidade, seleccionar as plantas com melhor desempenho, repetir o processo. Hoje, existe uma alternativa. Em 2004, um consórcio internacional cartografou a totalidade do genoma do arroz, composto por cerca de quarenta mil genes individuais. Desde então, investigadores de todo o mundo têm vindo a destacar genes que controlam características valiosas e podem ser directamente seleccionados.
Em 2006, por exemplo, a especialista em patologia vegetal Pamela Ronald, da Universidade da Califórnia, isolou o gene Sub1 presente numa variedade do arroz da Índia Oriental. Raramente cultivado nos dias de hoje devido ao seu baixo rendimento, o arroz da Índia Oriental possui uma característica admirável: consegue sobreviver duas semanas debaixo de água. A maioria das variedades morre passados três dias.
Investigadores do IRRI procederam à polinização cruzada do arroz Sub1 com uma variedade de rendimento elevado e muito saborosa chamada Swarna, popular na Índia e no Bangladesh. Analisaram o seu DNA para apurar quais as plântulas que tinham efectivamente herdado o gene do Sub1. A tecnologia, denominada selecção assistida por marcadores, é mais rigorosa e permite poupar tempo. Os investigadores não precisaram de cultivar as plântulas e, de seguida, submergi-las durante duas semanas, para verificar as taxas de sobrevivência.
O novo arroz tolerante a cheias, chamado Swarna-Sub1, já foi adoptado por quase quatro milhões de agricultores na Ásia, onde todos os anos as cheias destroem cerca de vinte milhões de hectares de arroz. Um estudo recente apurou que os agricultores de 128 aldeias do estado indiano de Odisha, na baía de Bengala, aumentaram o seu rendimento em mais de 25%. Os agricultores com piores talhões obtiveram maiores benefícios.
“Na Índia, as castas inferiores recebem as terras de pior qualidade e, em Odisha, as terras piores têm propensão para as cheias”, explica Robert Zeigler. “Aqui está agora uma biotecnologia altamente sofisticada (arroz tolerante a cheias), que beneficia preferencialmente os mais pobres dos pobres, os Intocáveis. É uma história fantástica.”
O projecto mais ambicioso do Instituto pode transformar o arroz de raiz e aumentar exponencialmente a produtividade. O arroz, o trigo e outras plantas praticam um tipo de fotossíntese conhecido como C3, devido ao composto de três carbonos produzido por estes cereais quando a luz solar é absorvida. O milho, a cana-de-açúcar e outras plantas utilizam a fotossíntese C4. Essas culturas exigem menos água e azoto “e normalmente apresentam rendimentos 50% mais elevados”, explica William Paul Quick, do IRRI. O plano consiste em transformar o arroz numa cultura C4, através da manipulação dos seus próprios genes.
Contrariamente à tolerância à submersão do arroz Sub1, a fotossíntese C4 é controlada por muitos genes, e não por um único, o que a transforma numa característica mais complexa. “Ela evoluiu independentemente 62 vezes. Isso indica que não pode ser muito difícil de fazer”, diz
Quick. Ao “neutralizar” os genes um por um, ele e os seus colegas identificam sistematicamente cada gene responsável pela fotossíntese na Setaria viridis, uma pequena erva C4 de crescimento rápido. Até agora, todos os genes por eles descobertos encontram-se também presentes nas plantas C3. A única diferença passa por usos diferentes.
William e os colegas esperam aprender a forma de activá-los no arroz. “Acho que vamos levar, no mínimo, 15 anos”, diz. “Estamos agora no quarto ano.” Se tiverem êxito, talvez as técnicas sirvam para melhorar a produtividade das batatas, do trigo e de outras plantas C3. Seria um sucesso sem precedentes para a segurança alimentar: em teoria, os rendimentos poderiam aumentar 50%.
Cenários radicais como estes fizeram de Robert Zeigler um defensor apaixonado da biotecnologia. De barba branca, Robert crê que o debate público sobre os organismos geneticamente modificados se tornou horrivelmente confuso. “Quando comecei a investigar, na década de 1960, muitos de nós aderimos à engenharia genética por pensarmos que poderíamos ajudar o mundo”, explica. “Estas ferramentas eram fantásticas!”
“Sentimo-nos um pouco traídos pelo movimento ambientalista”, continua. “Se quiserem conversar sobre o papel que as grandes empresas devem desempenhar na nossa segurança alimentar, podemos ter essa conversa e ela é, de facto, importante. Mas é um debate diferente daquele que pondera o uso das ferramentas da genética para melhorar as nossas culturas. São ambas importantes e convém não as misturar.”
Robert decidiu a carreira que queria seguir depois de uma curta experiência em África, em 1972. “Quando estava na República Democrática do Congo, assisti a uma crise de fome por escassez de mandioca”, conta. “Foi isso que me motivou a especializar-me em patologia vegetal.”
QUAL A VISÃO DA AGRICULTURA mais acertada para os agricultores da África subsaariana? Na actualidade, afirma o geneticista Nigel Taylor, do Centro Donald Danforth para as Ciências Vegetais, o vírus do listrado castanho tem potencial para provocar outra crise de fome por escassez de mandioca. “Transformou-se numa epidemia nos últimos cinco a dez anos e está a piorar”, diz. “As temperaturas aumentam e o território da mosca branca alarga-se. Se o vírus se deslocar para a África Central e atingir as regiões de cultivo da mandioca na África Ocidental, teremos um gigantesco problema de segurança alimentar.”
Nigel e outros investigadores percorrem neste momento as etapas iniciais do desenvolvimento de variedades de mandioca imunes ao vírus do listrado castanho. O investigador colabora com peritos do Uganda num ensaio de campo, que decorre em paralelo com outro no Quénia. Porém, só quatro países africanos (Egipto, Sudão, África do Sul e Burkina Faso) permitem o plantio comercial de culturas geneticamente modificadas.
Em África, como noutras partes do mundo, os organismos geneticamente modificados são temidos, embora existam poucas provas científicas que justifiquem esse temor. Há um argumento mais forte, segundo o qual as estirpes vegetais tecnologicamente avançadas não são uma panaceia e talvez não sejam sequer aquelas de que os agricultores africanos mais necessitam. Mesmo nos EUA, alguns agricultores têm problemas com elas.
Um artigo publicado em Março deste ano documentou uma tendência inquietante: os crisomelídeos do sistema radicular do milho estão a desenvolver resistência às toxinas bacterianas presentes no milho Bt. “Fiquei surpreendido ao ser confrontado com estes dados, pois sei o que significam: esta tecnologia está a começar a fracassar”, diz o entomólogo Aaron Gassmann, co-autor do relatório. O motivo: alguns agricultores não cumprem a obrigação legal de criar “campos de refúgio” com milho não-Bt, que atrasariam a disseminação dos genes resistentes sustentando os crisomelídeos vulneráveis às toxinas do Bt.
Na Tanzânia ainda não há culturas geneticamente modificadas, mas alguns agricultores aprenderam que a plantação de várias culturas simultâneas é uma das melhores formas de prevenir pragas. O país possui o quarto maior número de agricultores biológicos certificados do mundo.
E parte do mérito cabe à jovem Janet Maro.
Janet cresceu numa quinta perto do Kilimanjaro. Em 2009, quando era aluna de licenciatura na Faculdade de Agronomia de Sokoine, em Morogoro, contribuiu para a criação de uma organização sem fins lucrativos, a Agricultura Sustentável da Tanzânia (SAT).
Desde então, ela e o seu pequeno grupo de colaboradores têm vindo a dar formação em práticas biológicas aos agricultores locais. No sopé da serra de Uluguru, Morogoro dista cerca de 160 quilómetros de Dar-es-Salam. Poucos dias depois do meu encontro com Ramadhani Juma, Janet conduz-me às montanhas para visitar três das primeiras explorações agrícolas certificadas da Tanzânia. “Os peritos agrícolas do Estado não vêm cá”, diz, enquanto subimos aos solavancos uma estrada de terra batida numa carrinha. Verdejantes devido às chuvas provenientes do oceano Índico, as encostas estão densamente florestadas, mas as árvores vão sendo abatidas pelos luguru para criar terra agrícola.
Com intervalos de meio quilómetro, passamos por mulheres que, caminhando sozinhas ou em pequenos grupos, equilibram sobre a cabeça cestas carregadas com mandioca, papaias ou bananas. É dia de mercado em Morogoro, 900 metros mais abaixo. Aqui, as mulheres são mais do que meras carregadoras. Entre os luguru, a propriedade da terra é transmitida por linha feminina.
Detém-se junto de uma casa de uma única divisão, construída em tijolo, com paredes parcialmente estucadas e telhado de chapa ondulada. Habija Kibwana convida-nos a sentarmo-nos no seu alpendre, juntamente com duas vizinhas.
Ao contrário dos agricultores de Bagamoyo, Habija e as vizinhas cultivam uma diversidade de plantas: agora é a época das bananas, dos abacates e dos maracujás. Em breve, plantarão cenouras, espinafres e outros legumes. Este misto de culturas serve de compensação, caso alguma cultura fracasse, e contribui para diminuir as pragas. Os agricultores aprendem a semear
de maneira estratégica, criando filas de Tithonia diversifolia, um girassol selvagem que as moscas brancas preferem, mantendo as pragas afastadas da mandioca. O uso de compostagem, em
vez de adubos sintéticos, melhorou tanto o solo que um dos agricultores, Pius Paulini, duplicou a sua produção de espinafre. As escorrências de água dos campos já não poluem os rios que abastecem Morogoro.
Talvez o resultado da agricultura biológica que mais alterou as vidas dos agricultores tenha sido livrarem-se das dívidas. Mesmo com subsídios do Estado, custa 500 mil xelins tanzanianos (cerca de 220 euros) comprar adubo e pesticida suficientes para tratamentos em meio hectare, uma despesa elevadíssima num país onde o rendimento anual per capita é inferior a 1.200 euros. “Antes, quando era preciso comprar adubo, ficávamos sem dinheiro para mandar os filhos para a escola”, afirma Habija. A sua filha mais velha terminou agora os estudos secundários.
As explorações agrícolas também se tornaram mais produtivas. “A maior parte dos alimentos vendidos nos mercados foi produzida por pequenos agricultores”, diz Janet.
Quando lhe pergunto se as sementes geneticamente modificadas também poderiam ajudar esses agricultores, ela mostra-se céptica. “Não é realista”, responde. Como pagarão as sementes se nem têm dinheiro para pagar os adubos? Que probabilidades há num país onde poucos agricultores chegam alguma vez a falar com um perito agrícola do Estado ou não têm sequer consciência das doenças que lhes ameaçam as colheitas, de conseguirem obter o apoio necessário para cultivarem as culturas geneticamente modificadas?
Do alpendre de Habija desfruta-se um magnífico panorama de encostas com socalcos abundantemente cultivados, mas também de encostas rasgadas pelos campos erodidos dos agricultores não-biológicos, sem socalcos para retenção do solo. Segundo Habija e Pius, o sucesso do projecto chama a atenção dos vizinhos. A agricultura biológica alastra. Mas alastra devagarinho.
Esse é o problema essencial, creio. Como levar até pessoas como Ramadhani Juma os conhecimentos que as organizações como a SAT ou o IRRI possuem? Não basta debater o uso de tecnologia simples ou avançada. Há mais do que uma maneira de aumentar os rendimentos ou de travar a mosca branca. “A agricultura biológica pode ser a solução para certas regiões”, afirma Mark Edge, executivo da Monsanto. “Não pensamos, de forma alguma, que as culturas geneticamente modificadas sejam a solução para todos os problemas de África.” Afinal, como lembra Robert Zeigler, desde a primeira revolução verde, a ciência ecológica tem progredido a par da genética.
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