Ainda mal refeitos dos modestos resultados da cimeira do clima (COP26, Glasgow, Novembro de 2021) e somos chamados a uma outra cimeira determinante para o futuro do planeta: a cimeira de referência das Nações Unidas para a biodiversidade - COP15 - que foi adiada três vezes devido à pandemia e que terá lugar em Abril, em Kunming, na China.
Apesar do conhecimento que hoje temos sobre as consequências da perda dramática da biodiversidade global, a verdade é que não existem atualmente objetivos que vinculem os países a pôr termo a esta destruição. A maioria das metas definidas para 2020 não foram cumpridas e ergue-se agora um novo edifício de metas para 2030 – conhecidas como o Quadro Global de Biodiversidade pós-2020 – num caminho considerado vital para abrandar, e desejavelmente inverter, o declínio da vida selvagem e a destruição dos habitats naturais. Entre os objetivos da COP15, figura a promessa de proteger 30% da terra e dos oceanos até 2030, meta que acrescenta ao compromisso prévio (meta de 2020) para proteger 17% de ecossistemas terrestres e 10% dos oceanos. Mais de 70 países, incluindo a Índia e o Reino Unido, já apoiaram esta nova intenção, mas aqueles que detêm os santuários da biodiversidade continuam ausentes do debate e indiferentes ao compromisso, nomeadamente o Brasil, a Indonésia e a China.
Para além do Quadro Global de Biodiversidade pós-2020, há outros assuntos em apreciação, como a saúde dos ecossistemas a proteger ou a sua localização. E será imperativo discutir a redução dos subsídios agrícolas, alguns dos quais impulsionam a conversão de florestas em áreas de produção de óleo de palma, soja ou agropecuária. A Covid-19 também estará “presente” nesta cimeira; não é possível pensar a década e a biodiversidade sem refletir sobre a prevenção da próxima pandemia. A ciência demonstra que a degradação e a destruição da natureza, em particular as florestas tropicais, tornam mais provável a sua ocorrência. Na sequência do Pacto Climático de Glasgow, os governos deverão alinhar a sua ação em matéria de biodiversidade e alterações climáticas. O texto final do acordo de Glasgow sublinhou a "importância de proteger, conservar e restaurar a natureza e os ecossistemas" para cumprir o objetivo mundial de manter o aquecimento global a 1,5 º C. E à margem da COP26, mais de 100 países concordaram em travar a desflorestação até 2030, embora não seja evidente como se concretizará.
O que não se fez em Glasgow foi afirmar explicitamente que as florestas, turfeiras, prados de ervas marinhas e outros habitats podem funcionar como soluções baseadas na natureza (SBN), fundamentais para combater as alterações climáticas. A Comissão Europeia define as SBN como soluções "inspiradas e apoiadas pela natureza, que são rentáveis, proporcionam benefícios ambientais, sociais e económicos, e contribuem para a resiliência. A União Internacional para a Conservação da Natureza define as SBN como "ações de proteção, gestão sustentável e restauro de ecossistemas naturais ou modificados, que abordam os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, proporcionando simultaneamente benefícios ao bem-estar humano e à biodiversidade". O Brasil, que sob a presidência de Bolsonaro faz questão de explorar a floresta tropical amazónica, opõe-se vigorosamente às SBN. A frase que as implica surge nos primeiros rascunhos do acordo global sobre a biodiversidade, mas vamos ver se resiste até Kunming.
Helena Freitas, in Diário de Coimbra, 18 de Janeiro de 2022
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