terça-feira, 16 de novembro de 2021

Por quê chamar-lhe rewilding quando queremos dizer renaturalização?


Uma teoria divide nos últimos tempos o movimento conservacionista, chamam-lhe rewilding. O termo foi usado pola primeira vez em 1990 no artigo de Jennifer Foote “Trying to take back the planet”, publicado na revista norte-americana Newsweek. Seriam os também norte-americanos David Foreman, em 1993, e Michael Soulé e Reed Noss, em 1998, aqueles que desenvolveriam e aprimorariam o conceito.

Com o rewilding procura-se uma gestão dos ecossistemas como forma de autorregulação, que preserve a sua funcionalidade e que mantenha e mesmo recupere a biodiversidade. Para a sua concretização, propõe-se uma restauração dos processos naturais degradados baseada em três pilares fundamentais: Conservação, mediante figuras de proteção ambiental estritas, de grandes áreas naturais com a superfície suficiente para serem resilientes face às perturbações ambientais; existência de corredores naturais, que as mantenham interligadas; e recuperação de espécies chave, que seriam os drivers ou condutores no restabelecimento das dinâmicas naturais.

O rewilding implica um tipo de gestão ativa à procura dum futuro hipotético onde a nossa intervenção sobre o território fosse mínima; transcende, por consequência, a simples renaturalização passiva, onde não existe qualquer intervenção humana nos ecossistemas. Neste sentido, atribui-se um grande protagonismo à megafauna (grandes hervíboros e predadores), defendendo uma polémica reintrodução de espécies selvagens já desaparecidas, que no caso de estarem extintas em todo o Planeta, seriam substituídas polos seus proxies ou representantes atuais taxonomicamente próximos. Falaremos dalguns destes proxies que poderiam ser drivers no rewilding peninsular .

O ‘rewilding’ atribui grande protagonismo à megafauna (grandes hervíboros e predadores), defendendo uma polémica reintrodução de espécies selvagens desaparecidas.O mais conhecido é o bisonte-europeu (Bison bonasus), sobre o qual existem vários projetos de “(re)-introdução” na Cordilheira Cantábrica e noutros pontos da Península. Por enquanto, estes exemplares vivem atualmente em cercados que não deixam de ser meros parques zoológicos. Porém os bisontes que até princípios do Holoceno habitaram na Europa meridional, os que aparecem nas pinturas rupestres de Altamira e Lascaux, pertenceriam a uma outra espécie, o desaparecido bisonte-da-estepe (Bison priscus). Falaríamos, logo, da introdução duma espécie alóctone e ecologicamente diferente (a primeira é própria de bosques, a segunda de terrenos abertos).

Pretendem, do mesmo modo, introduzir proxies do tarpã (Equus ferus ferus), o cavalo selvagem euroasiático que se extinguiu na Rússia no século XIX. Neste caso oferecem diferentes alternativas: Cavalos-de-Przewalski (E. ferus przewalskii), uma outra subespécie selvagem, nativa da Mongólia; pretensas recriações do tarpã como os cavalos de Heck ou mesmo outras raças domésticas, supostamente, primitivas como os sorraias ribatejanos.

No caso do extinto auroque (Bos primigenius primigenius) utilizam recriações como os bovinos de Heck ou Taurus…

E os mais radicais apostam, mesmo, pela “(re)-introdução” na Europa de elefantes, leões, hienas, leopardos… Sim, durante o Pleistoceno, existiram mamutes-lanosos (Mammuthus primigenius) e até leopardos (Panthera pardus) nas nossas serras orientais.

Portanto, qual é a biodiversidade que queremos preservar? A existente no Pleistoceno? A do Holoceno? Ou a de tempos históricos? Pois, por mais surpreendente que nos pareça, existem partidários do rewilding pleistocénico, do rewilding holocénico…

A sério, onde pomos a data? Certamente, não existe uma resposta fácil à pergunta de qual é a nossa linha de referência temporal quando queremos marcar objetivos no campo da conservação da natureza. Um problema que já foi formulado em 1995 por Daniel Pauly, que o nomeou Síndrome de Deslocamento da Linha de Referência.

Achamos que o rewilding peca dum excesso de essencialismo que o leva a procurar o retorno a uma espécie de Jardim do Éden. Podemos concordar, no entanto, com algumas das suas propostas, como a necessidade de protegermos espaços naturais mais extensos e interconetados mediante corredores ecológicos. Desde 1967, os estudos sobre a biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson estabeleceram a importância de considerar o tamanho e o isolamento das áreas de conservação da vida selvagem, concluindo que espaços naturais pequenos e isolados entre si, continuavam a ser extremamente vulneráveis às extinções.

O ‘rewilding’ peca dum execesso de essencialismo, mas o despovoamento do campo, traz novas oportunidades para processos de restauração ecológica, como os que se estão a dar na atualidade no nosso paísAcreditamos, por outro lado, que o despovoamento do campo, traz novas oportunidades para processos de restauração ecológica, como os que, de facto, se estão a dar na atualidade no nosso país, onde grandes carnívoros (lobos e ursos) e ungulados (javalis, corços, veados, rebeços, cabras-bravas, gamos…) recolonizam uma Galiza que se vai esvaziando de gente.

As nossas serras acolhem, desde há séculos, proxies dos tarpãs e dos auroques. Os nossos tarpãs são os garranos, os cavalos de monte que vivem em estado selvagem todo o ano, e que hoje se vêem ameaçados por burocratas que os tratam como simples gado doméstico. Os nossos auroques são essas raças autóctones de vacas criadas em extensivo, muitas vezes em plena liberdade: Marelas, Cachenas, Caldelãs, Limiãs…

Existem também interessantes iniciativas populares de custódia do território como a Fundação Fragas do Mandeu ou as dos Montes em Mão Comum de Frojão e Covelo. A outro nível trabalha-se no esperançoso projeto de criar o grande corredor ecológico no sudoeste europeu, um corredor que conetaria os Ancares com os Alpes, atravessando a Cordilheira Cantábrica, os Pirinéus e o Maciço Central.

Em definitivo, não necessitamos importar modas americanas. O tal rewilding parece-nos dispensável, ergo uma renaturalização vai ser tão necessária quanto inevitável.

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