terça-feira, 30 de agosto de 2022

Documentário- David Bowie and the Story of Ziggy Stardust


Na sua autobiografia, Morrissey reclamou que hoje é fácil desconsiderar o impacto artístico-comportamental de David Bowie. Androginia e declarações bombásticas acerca de homo/bissexualidade são lugares-comuns em partes do hemisfério norte, mas quando o Camaleão começou a quebrar esses tabus no início dos anos 70, sua rebeldia escandalizou a Inglaterra. Imagine que para capa de The Man Who Sold the World, o seu álbum de 1970, o artista pousou com cabelão comprido – até aí nada demais no universo rock – e vestido, deitado num divã, num cenário super-Pré-Rafaelita. No mundo (aparentemente) macho do Deep Purple e Led Zeppelin isso era um ultraje.

Mas ainda não era quase nada comparado ao que Bowie aprontaria para o álbum seguinte, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972). De cabelos curtos e vermelhos e com visual inédito no planeta Terra, o multimídia inventou personagem que o catapultaria ao estrelato e seria o primeiro de uma série de trabalhos e personas que o constituiriam num dos artistas mais influentes do século XX.

O excitante documentário David Bowie & the Story of Ziggy Stardust (2012) radiografa a concepção, execução e os desdobramentos desse feito sociocultural. Muitos reclamam que hoje os artistas são como produtos já em seu estágio final quando chegam ao consumidor, sem tempo pra testar ideias e maturar. Bowie levou 10 anos absorvendo elementos - que passam pelo rock dos anos 50, teatro de vanguarda, mímica, ficção-científica, cenário underground gay e tanto mais – utilizados e ressignificados sob forma de tentativa e erro até explodir como um dos vulcões mais criativos e incendiários dos anos 1970.

O programa da BBC entrevistou músicos da banda Spiders from Mars, inventada para o projeto, e artistas como Elton John, Marc Almond e um dos Kemp do Spandau Ballet para atestarem o impacto do álbum. Incrível como Iggy Pop não apareça no documentário. Afinal, ele influenciou muito na viragem de Bowie.

Aprendemos sobre o penteado, as roupas, as canções, suas aparições na TV e sobre o lado menos bonito da histeria Ziggy Stardust, que iniciou o processo de esquizofrenia cocainada do Camaleão. Para quem se atém à idealização romantizada de que basta ter talento, David Bowie & the Story of Ziggy Stardust traz injeção de realidade ao explicitar o papel preponderante que um empresário endinheirado teve na ascensão de Bowie, especialmente quanto à conquista do cobiçado e difícil mercado norte-americano. Inegável a genialidade de David Bowie, mas sem esse investimento financeiro talvez tivesse permanecido subterrâneo ou não poderia ter dado vazão a tantas ideias.

Tomara que a BBC dedique documentários a outros álbuns do Camaleão, afinal, ele passou os anos 70 preparando o terreno para o punk, para a maioria dos artistas oitentistas, para o Britpop e até pra Lady Gaga, não se enganem. A gente lê um Nordic Noir e lá está uma personagem ouvindo Ziggy Stardust o tempo todo, enfim, Bowie é referência e sempre tendência.

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