Lisboa, 02 fev 2022 (Lusa) - As questões do reporte ligadas à sustentabilidade levantam dúvidas de implementação e eficácia e o uso de subsídios pelo sistema financeiro à energia verde pode ter efeitos contraproducentes, segundo um estudo de economistas do Banco de Portugal (BdP).
No 'occasional paper' “Alterações climáticas e economia: uma introdução”, divulgado hoje, os economistas do BdP mostram-se céticos entre a eficácia das medidas dirigidas ao setor financeiro para mitigar o impacto das alterações climáticas e aquelas que têm sido as diretrizes para o sistema financeiro, nomeadamente as medidas anunciadas na estratégica de política monetária do Banco Central Europeu.
“O primeiro passo na análise de medidas dirigidas ao sistema financeiro deve passar por identificar as falhas de mercado às quais estas podem responder”, pode ler-se no 'paper' assinado por Bernardino Adão, António Antunes, Miguel Gouveia, Nuno Lourenço e João Vale e Azevedo.
No estudo, cujas opiniões não vinculam o BdP, os economistas identificam como falhas as insuficiências no reporte de informação sobre os efeitos ambientais de determinadas indústrias ou empresas e sobre a sua suscetibilidade às alterações climáticas, “que podem gerar um escasso reconhecimento do risco que lhes está associado, e consequente excessivo investimento”, bem como “externalidades de determinadas atividades, que serão negativas se gerarem emissões de GEE [Emissões de Gases com Efeito de Estufa] demasiado elevadas face ao que seria socialmente desejável” e “positivas no caso de investimento demasiado baixo em desenvolvimento e adoção de tecnologias de energias renováveis, caracterizadas por ganhos na produção em massa ou economias de rede”.
Para os economistas a primeira falha “pode ser colmatada com divulgação adicional de informação; as segundas podem ser resolvidas com medidas fiscais ou equivalentes”, considerando que medidas enquadráveis na regulação e supervisão do sistema financeiro, como “a divulgação padronizada de dados ambientais pelas empresas e a correspondência com uma taxonomia globalmente aceite” iriam contribuir para uma “melhor avaliação dos riscos climáticos e do impacto ambiental das empresas por parte dos consumidores e dos investidores”.
Contudo, alertam ser “necessário garantir que a qualidade do reporte exigido seja verificável e que os respetivos custos não sejam demasiado elevados”.
Os economistas argumentam ainda que “as questões de reporte são relevantes para a aferição e controle de risco, dimensão que tem assumido um papel relevante no desenho de políticas dirigidas ao sistema financeiro”.
No entanto, relativamente às propostas para um tratamento regulatório mais favorável, em termos de requisitos de capital e outros, a crédito “verde”, ou crédito a empresas ou projetos com esta vertente, argumentam que “o objetivo dos requisitos de capital é garantir que os bancos têm capacidade de absorver perdas”.
“À partida, não há razões para crer que os projetos verdes têm menos risco do que outros projetos. De facto, este tipo de políticas parece ter como objetivo sintetizar um subsídio a atividades verdes. Em qualquer caso, levantam questões relevantes de implementação e eficácia”, assinalam.
Os economistas apontam, neste sentido, “a enorme dificuldade em caracterizar projetos ou empresas de acordo com o seu caráter verde”.
Argumentam ainda que a “existência de um regime mais favorável cria incentivos à designada arbitragem regulatória, que, neste caso, irá no sentido de designar quaisquer projetos ou empresas como verdes”, considerando que seria “necessária uma camada adicional de escrutínio à supervisão do sistema financeiro, que pode resultar num significativo dispêndio de recursos”.
“Do ponto de vista dos bancos também haveria dispêndio de recursos na exploração da diferença de tratamento regulatório entre os tipos de crédito. Em geral, este custo seria tanto maior quanto mais favorável fosse o tratamento regulatório dos projetos verdes”, acrescentam.
Classificam ainda como “difícil garantir que um determinado financiamento se destina a um fim específico dentro de uma empresa ou grupo empresarial” e advertem que “nada impede que formas não bancárias de financiamento ou financiamento externo com origem em jurisdições mais lenientes nesta dimensão, num contexto de livre circulação de capitais, continuem a suportar as atividades pouco verdes”.
“Tal deveria suceder porque estas medidas são ineficazes para reduzir a diferença, que pode ser muito significativa, entre o retorno privado e o retorno social de projetos intensivos em GEE”, referem.
Os economistas consideram ainda que a subsidiação de atividades verdes, através da compra de obrigações verdes ou, no contexto de operações de refinanciamento aos bancos “pode ter efeitos contrapruducentes”.
Ainda assim, admitem que tal “não impede que os bancos centrais, enquanto organizações relevantes, cumpram critérios de sustentabilidade e responsabilidade corporativa”.
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