Há 70 anos, mais precisamente no dia 21 de Abril de 1948, ao ajudar os seus vizinhos a combater um incêndio na pradaria, morria de ataque cardíaco o engenheiro silvicultor Aldo Leopold (nascido a 11 de Janeiro de 1887, no estado norte-americano do Iowa). Apesar de a sua obra especializada nos temas da política florestal e da gestão de recursos cinegéticos ser de uma dimensão e qualidade consideráveis - mais de 350 artigos -, não foi esse o fator preponderante para transformar Aldo Leopold, com segurança, na segunda figura mais influente, ao lado de Rachel Carson (1907-1964), dos autores norte-americanos que no século XX ajudaram a pensar a crise ambiental, que, cada vez mais, será a magna questio do século XXI.
O que nós devemos a Leopold é a reflexão fundamentada sobre a urgência de uma radical mudança do olhar sobre as relações entre a humanidade e o ambiente. Retomando a inspiração de duas grandes figuras do pensamento norte-americano do século XIX, R. W. Emerson (1803-1882) e H. D. Thoreau (1817-1862), Leopold oferece aos seus leitores uma visão subtil e delicada da frágil teia dos equilíbrios naturais, criticando, de uma forma pedagógica e sem arrogância moral ou científica, o modo desastrado e destruidor de que se revestem muitas das intervenções humanas sobre os ecossistemas, em nome de um duvidoso e acrítico conceito de "progresso".
O essencial da herança teórica de Leopold está presente em duas obras, Round River e a Sand County Almanac. Nesta última - traduzida para português por José C. C. Marques, Porto Edições Sempre-em-Pé, 2007 - está contida a proposta filosófica mais profunda deste engenheiro dos bosques, capaz de ver mais fundo do que a esmagadora maioria dos filósofos profissionais do seu tempo: uma "ética da terra" (land ethic).
Na ética da terra de Leopold está incluído quase tudo o que ainda hoje estamos a aprender quando queremos transformar o conceito de "desenvolvimento sustentável" em algo mais do que num emblema retórico: o respeito pelos valores intrínsecos (e não meramente instrumentais) dos ecossistemas; a capacidade de apreciação do sagrado e sublime que se manifesta na natureza; a urgência de uma economia ecológica, que não desconte os custos ambientais e seja capaz de dar um valor ao "capital natural", promovendo sensatas políticas compatíveis com a conservação das espécies, recursos e paisagens. Mas sobretudo Leopold recorda-nos que o grande sentido da palavra ética é o de comunidade, de partilha, de simbiose entre os membros que a constituem.
Ora, a humanidade tem historicamente traçado uma fronteira entre si e as outras criaturas, como se os seres humanos pudessem subsistir sem o concurso das forças e ciclos naturais, de que dependemos como a parte depende do todo. A ética da terra faz um apelo ao alargamento da comunidade ética a todas as criaturas e seus lugares de habitação. No universo cultural de raízes europeias, e rumando na mesma direção teórico-prática, merece destaque a obra do filósofo Hans Jonas (1903-1993). Em 1979, no seu livro Das Prinzip Verantwortung (O Princípio da Responsabilidade), ele demonstrou que a luta pela defesa do ambiente constituía o novo imperativo ético e o horizonte ecuménico que deveria unir a humanidade inteira. Paz na terra e com a terra, entre os homens e todas as criaturas.
Esse é o desafio e a tarefa da humanidade, se quisermos que a civilização humana sobreviva para além deste século.
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