Editado pela Bertrand Editora no início de 2018, o livro "Portugal em chamas. Como resgatar as florestas", de João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, o primeiro engenheiro zootécnico e o segundo engenheiro silvicultor, pretende ser um grito de revolta pelo sucedido em 2017 em termos de incêndios florestais.
Partem com a abordagem das condições meteorológicas adversas que facilitaram a extensão daqueles incêndios, mas chamam logo a atenção para outras causas que são, em regra, pouco assinaladas como a falta de ordenamento do território, o abandono rural e o tipo de floresta que temos. O seu discurso ao longo do livro é desenvolvido tendo como pano de fundo estas causas. A obra desenvolve-se segundo uma sequência lógica que se inicia por um historial da floresta em Portugal, pelas razões por que arde Portugal mais do que os outros países, pelo peso do eucalipto na floresta, pelo papel das grandes indústrias papeleiras na proliferação desta espécie, pelo que mudou depois dos grandes incêndios de 2017, pelas alternativas propagandeadas, pelo problema das alterações climáticas que vão afetar a futura ocupação do território e finalmente por propostas para uma floresta que seja sustentável.
Na história da floresta em Portugal é salientada essencialmente a sucessiva desflorestação que tem ocorrido no nosso território, com o recuo maior a verificar-se na época dos descobrimentos, assim como a principal legislação produzida no sentido de combater essa diminuição, já desde os tempos medievos. Releva-se o facto de a partir do século XIX se ter apostado numa florestação monocultural, em primeiro o pinheiro-bravo e a partir dos finais do Estado Novo, o eucalipto. Contra tudo o que seria de esperar depois deste impulso de florestação, verifica-se desde há 25 anos uma diminuição da área florestal. Também se estranha que a aposta no eucalipto não tenha aumentado a produtividade florestal, estando neste momento ao nível da de 1930.Ainda dentro dos dados analisados colocam algumas questões entre as quais a da razão que faz com que Portugal arda mais do que outros países mesmo os de clima mediterrâneo como o nosso e, pior do que isso, o facto de estar a aumentar a tendência de área ardida, enquanto nos outros países se regista uma diminuição.
É bastante sugestivo o título do capítulo quatro — “Eucaliptal o deserto verde”. Os autores baseiam esta afirmação na capacidade competitiva do eucalipto que dificulta a proliferação de outras espécies no seu sub-bosque pela emissão de substâncias químicas inibidoras do seu crescimento, pela dificuldade de destruição da manta-morta porque não existem os respetivos micro- e meso-organismos decompositores, pelas suas capacidades disseminadoras em especial pós-incêndios, pela sua inflamabilidade e combustibilidade que favorecem a proliferação dos incêndios de que tiram vantagem competitiva, pois rebentam, logo a seguir, de toiça ou de tronco, etc. Salientam, no entanto, outras capacidades ou caraterísticas verificadas ao nível do solo que ajudam à escassez de espécies resistentes às condições criadas: hidrofobia antes e depois de incêndios que dificulta a infiltração da água no solo; grande parte da água do solo é absorvida para alimentar o crescimento rápido desta espécie. Tudo isto, associado à sua nula palatabilidade por parte dos animais de pastagem, ajuda à sua perpetuação nas áreas onde foram plantados e à sua disseminação para áreas contíguas, em especial se forem queimadas, tornando-se assim uma espécie invasora. Apesar da sua enorme área florestal, sendo a primeira espécie arbórea em área, e Portugal o primeiro país mundial em área relativa de plantações de eucalipto, a sua expansão não trouxe vantagens económicas para a silvicultura pois houve uma diminuição entre 2000 e 2011 no VAB, em valor, de -24%, no rendimento de -32,8% e no emprego de -13,2%.
No capítulo seguinte estes dados vão ser reforçados ao procurarem demonstrar o engano que tem sido criado em torno das vantagens da eucaliptização do país. O decréscimo do peso da silvicultura na economia nacional tem sido uma das realidades – 1,2% em 1990 e 0,4% em 2010. No entanto, não sendo apresentados os valores absolutos fica-se sem ter a noção completa da evolução da atividade. Curioso é também o facto de, no mesmo período, a área ardida de eucaliptal superar a aumentada em plantação, ou seja 250000 ha e 150000 ha, respetivamente, o que parece apontar para que o eucaliptal seja uma floresta para arder. Os postos de trabalho oferecidos nas indústrias papeleiras também se têm ficado em cinco a seis vezes menores do que o prometido pelos empresários do setor. Neste capítulo os autores mostram a ligação muito estreita que se tem verificado entre técnicos e dirigentes das empresas das celuloses e cargos governamentais de diversos níveis nas últimas dezenas de anos, facto que tem trazido vantagens para a sempre crescente proliferação do eucalipto e da sua transformação. Assim se entende que apesar de algumas tentativas, em regra por via legislativa, de controlo dessa proliferação, esta não surta qualquer efeito real no terreno, quer por falta de fiscalização quer por escassez de empenho ou convicção. Sempre que se põe em causa o eucalipto reage o setor industrial com ameaças de saída do país; só que algumas dessas experiências emigratórias parece não terem sido bem sucedidas como aconteceu em Moçambique e nos Estados Unidos da América.
“O que mudou depois dos incêndios de 2017” intitula o capítulo sexto onde é constatado que se vai continuar a apostar numa floresta para produção de madeira para triturar e não numa floresta sustentável, onde não há uma preocupação clara com o bem-estar, rendimento e emprego das pessoas e não há um contributo para o combate ao despovoamento, à desflorestação e à desertificação. Estranhamente, a Lei n.º 77/2017 continuará a permitir a expansão do eucalipto em certos casos e mesmo o seu cultivo em solos de melhor qualidade para aumentar o seu rendimento por hectare.
O capítulo sete aborda a “ameaça” das bioenergias como alternativas para o uso da biomassa florestal. Para além de encontrarem uma discrepância entre a produção potencial de biomassa florestal e a disponibilidade potencial anual nos valores que têm sido apresentados, receiam que a capacidade industrial instalada ou a instalar no setor energético nacional aponte para um uso de monoculturas florestais para esse fim. Isto acentuaria o desvio da nossa floresta da produção de madeira de construção para outros usos como a queima e a celulose. Com tudo isto a balança comercial de produtos de origem florestal é bastante negativa, apesar de se dizer que Portugal é um país essencialmente florestal.
No capítulo oitavo abordam o problema das alterações climáticas que se verificam e que se irão acentuar durante o século XXI. Para além dos valores de temperatura e de precipitação que irão sofrer alteração e terão repercussões no coberto e uso do solo, salientam que a continuidade na abertura de sulcos para plantações, na ocorrência de incêndios e no processamento da madeira não para móveis e construção mas para pellets e pasta de papel, farão com que a floresta deixe de ser um sumidouro de carbono.
No capítulo nove, que intitulam “A floresta do futuro: oásis ou deserto?”, apresentam um conjunto de propostas para o desenvolvimento do país e do interior em particular, e onde a floresta pode desempenhar um papel importante. Acentuam a necessidade de promover uma floresta planeada no sentido da manutenção da água e do solo, assim como o fim da excessiva fragmentação da propriedade para que o espaço rural seja atrativo para pessoas que se possam dedicar de modo rentável à produção agroflorestal. A aposta na presença produtiva das pessoas e não nas grandes indústrias destruidoras do ambiente, assim como nos programas de extensão rural e no regresso do Corpo de Guardas Florestais e de Vigilantes da Natureza, são outras medidas a tomar. Consideram que devia haver, à imagem de alguns países, um pagamento, por serviços prestados pelos ecossistemas, aos espaços florestais com gestão sustentável dos recursos naturais. Com base num estudo feito no ISA, propõem também a expansão de espécies florestais mais resistentes à secura, autóctones ou mesmo exóticas não invasoras e de ecologia semelhante às nossas, perante as perspectivas climáticas futuras, acabando-se, assim, com a epidemia de árvores como o eucalipto, deixando-se de apostar nas monoculturas “industriais”. A agrofloresta sintrópica pode ser uma alternativa interessante no uso de espaços rurais onde isso possa ser aconselhado.
O livro destes dois autores tem a virtude de chamar a atenção ao comum dos cidadãos portugueses ou relembrar aos mais atentos muitos dos problemas e interesses que estão por detrás da proliferação explosiva de espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, e das consequências para o desordenamento do território, para o engano da sua aparente vantagem económica e para as consequências nefastas para o futuro da floresta em Portugal. Pena foi que não tenham abordado o problema das espécies invasoras oportunistas como as acácias que, pouco a pouco, vão tomando conta de espaços cada vez mais extensos no nosso território, aproveitando as oportunidades de expansão rápida que lhes são dadas pelos incêndios, para além de outras estratégias que desenvolvem. Neste caso, a luta contra a sua presença e expansão pode ser mais difícil ainda do que no caso do eucalipto porque recuperam constantemente a toda a tentativa de erradicação. Mas certamente que este caso foi considerado pelos autores como tão vasto que não caberia nos objetivos deste livro. Fica aqui a recomendação para a leitura proveitosa desta obra porventura polémica mas necessária para a abertura de horizontes de um povo que costuma ser demasiado permeável às promessas do paraíso, sem porem em causa que, por regra, nada é dado de graça.
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