Duas décadas antes de Daniel Goleman escrever pela primeira vez sobre inteligência emocional nas páginas do Harvard Business Review (HBR), ele se encontrou com o 14º Dalai Lama na universidade Amherst College, em Massachusetts, Estados Unidos. O Dalai Lama comentou com o jovem jornalista de ciências do New York Times que ele estava interessado em se reunir com cientistas. Daí começou uma longa e rica amizade, uma vez que Goleman se envolveu, com o passar dos anos, com a organização de uma série do que ele chama de “diálogos estendidos”, entre o líder espiritual budista e pesquisadores de áreas que vão da ecologia à neurociência. Nos 30 anos seguintes, enquanto Goleman seguia com seu próprio trabalho de psicólogo e consultor de negócios (business thinker), ele passou a enxergar o Dalai Lama como um líder bastante incomum. Por isso, é compreensível que ele tenha ficado maravilhado quando, na ocasião do 80º aniversário de seu amigo, pediram-lhe que escrevesse um livro descrevendo a abordagem compassiva do Dalai Lama para lidar com os problemas mais espinhosos do mundo. Previsto para ser lançado em junho, “Uma Força Para o Bem” traz elementos tanto da experiência de Goleman na ciência cognitiva quanto do relacionamento dele com o Dalai Lama. Além de explorar o poder e a ciência da compaixão, é também um convite para a ação. Curioso sobre o livro e sobre como os pontos de vista do Dalai Lama em relação à compaixão influenciaram o pensamento dele no tema da inteligência emocional, entrevistei Goleman pelo telefone. O que se segue são excertos editados da nossa conversa.
HBR. Vamos começar com algumas definições. O que é compaixão, na forma que você descreve? Parece bastante com empatia, que é um dos componentes principais da inteligência emocional. Tem diferença?
Goleman: Sim, uma diferença importante. Como já escrevi recentemente na HBR, três tipos de empatia são importantes para a inteligência emocional: empatia cognitiva – a habilidade de entender o ponto de vista do outro; empatia emocional – a habilidade de sentir o que a outra pessoa sente; e preocupação empática – a habilidade de perceber o que a outra pessoa necessita de você. Cultivar todos os três tipos de empatia, que se originam em diferentes partes do cérebro, é importante na construção de relações sociais.
Porém, a compaixão é um passo além da empatia. Sentimos compaixão quando ficamos aflitos ao vermos alguém em dificuldade – e, por causa disso, queremos ajudar aquela pessoa.
Por que é preciso fazer essa distinção?
Colocando de forma simples, a compaixão é o que faz a diferença entre o compreender e o se importar. É o tipo de amor que um pai tem pelo filho. Cultivar isso de forma mais ampla significa estender isso para outras pessoas que estão em nossas vidas e para aqueles com quem nos encontramos.
Acho que, no local de trabalho, essa atitude tem um efeito positivo imenso, seja no jeito que nos relacionamos com nossos pares, seja na forma como somos enquanto líderes, ou mesmo na maneira como nos relacionamos com nossos clientes e consumidores. Quando temos uma disposição positiva em relação à outra pessoa, criamos um tipo de ressonância que gera confiança e lealdade, tornando as interações harmoniosas. E o oposto disso – quando não fazemos nada para mostrar que nos importamos – cria desconfiança, desarmonia e causa grande disfunção em casa e no trabalho.
Colocando desse jeito, é difícil discordar que, se você trata bem as pessoas, as coisas saem melhores do que quando você não trata, ou que, se você se importa com elas, elas vão se importar bem mais com você. Então, por que você acha que isso não acontece naturalmente? É uma coisa cultural? Ou é a confusão que existe sobre quando a competição é saudável?
Acho que muitas vezes há uma incompreensão que leva as pessoas a pensarem que, se eu for legal com o outro ou se eu estou defendendo os interesses do outro, isso significa que eu não estou defendendo os meus próprios interesses. A patologia que isso gera é pensar que: “bom, vou pensar apenas em mim mesmo e não vou ligar para os outros”. E isso, obviamente, é o tipo de atitude que gera muitos problemas tanto no plano dos negócios quanto no plano pessoal. Contudo, a compaixão também inclui você mesmo. Se a gente se assegura de que estamos protegendo a nós mesmos e de que estamos bem – e também se assegura de que o outro está bem -, isso cria um ambiente diferente para trabalhar com outras pessoas e para cooperar com outras pessoas.
Você poderia dar um exemplo de como isso funcionaria no mundo dos negócios?
Há uma pesquisa realizada com vendedores renomados e com gerentes de atendimento ao cliente que mostrou que aqueles que têm o nível de desempenho mais baixo apresentam uma atitude do tipo: “Vou fechar esse negócio agora da melhor forma possível para mim e não me importo com o efeito que isso terá na outra parte”, o que significa que você pode até fazer aquela venda, mas que vai perder o relacionamento. Por outro lado, no topo do ranking, os melhores se caracterizam pela atitude “Estou trabalhando tanto para os clientes quanto para mim mesmo. Vou ser completamente franco e vou agir como um assessor deles. Se o negócio que eu posso propor não for o melhor que eles podem conseguir, vou deixá-los cientes disso. Porque isso irá fortalecer o relacionamento, mesmo que signifique que eu perca aquela venda específica”. E acho que isso capta a diferença entre a atitude do “primeiro eu” e a atitude do “pelo bem de todos”, que eu quero passar.
Como podemos cultivar a compaixão no caso de simplesmente não estarmos sentindo isso?
Recentemente, neurocientistas têm estudado a compaixão, e universidades como a de Stanford, Yale, Berkeley e a universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos, entre outras, têm realizado testes com diferentes metodologias que buscam aumentar a compaixão. Neste momento, há tipo uma tendência para que a mindfulness seja incorporada no local de trabalho, e parece que há dados do instituto Max Planck que mostram que aprimorar a mindfulness tem sim um efeito no funcionamento do cérebro, mas o circuito que é afetado não é o circuito para a preocupação ou compaixão. Em outras palavras, a mindfulness sozinha não gera automaticamente um aumento na compaixão.
Mesmo assim, nos métodos tradicionais de meditação que estão na base da mindfulness para o local de trabalho, as duas coisas sempre estiveram ligadas, de maneira que mindfulness é praticada em um contexto em que também se cultiva a compaixão.
A universidade de Stanford, por exemplo, desenvolveu um programa incorporando versões seculares de métodos que originalmente vieram de práticas religiosas. Trata-se de uma meditação em que se cultiva uma atitude de gentiliza amorosa, ou de preocupação, ou de compaixão pelas pessoas. Primeiro, você faz isso com você mesmo. Em seguida, com pessoas que você ama. E depois com pessoas que você apenas conhece. E, finalmente, com todo mundo. E o efeito disso é deixar o circuito do cérebro responsável pela compaixão já engatilhado, de forma que você fique mais inclinado a agir dessa forma quando a oportunidade surge.
Você comentou que o Dalai Lama é um tipo de líder bastante distinto. Há alguma coisa que nós, enquanto líderes, podemos aprender com essa forma ímpar de liderança dele?
Tendo observado ele ao longo dos anos, e também o entrevistado extensamente para esse livro, além de obviamente estar imerso na literatura sobre liderança, três coisas me chamaram a atenção.
A primeira é que ele não está ligado a absolutamente nenhuma organização. Ele não tem nenhuma atividade econômica. Ele é não um líder partidário. Ele é um cidadão do mundo em geral. E isso tem liberado ele para lidar com os maiores problemas que nós enfrentamos. Entendo que, na medida em que um líder está ligado a uma determinada organização ou um determinado resultado, isso cria um tipo de miopia sobre o que é possível ou sobre o que é importante; o foco fica restrito ao resultado do próximo quadrimestre ou da próxima eleição. Ele está completamente fora disso. Ele pensa em termos de gerações ou daquilo que é melhor para a humanidade como um todo. Como a visão dele é tão ampla, ele pode se debruçar sobre os desafios maiores, em vez daqueles menores e mais restritos.
Portanto, acho que tem uma lição aqui para todos nós: que seria perguntar a nós mesmos se há alguma coisa que limita nossa visão – que limita nossa capacidade de nos importarmos? E existe alguma maneira de ampliá-la?
A segunda coisa é que ele tira informação de qualquer lugar. Ele se encontra com chefes de estado e ele se encontra com mendigos. Ele está pegando informação com pessoas de todos os níveis da sociedade e em todo o mundo. Essas fontes abundantes e variadas permitem que ele compreenda situações profundamente, e ele consegue analisá-las por diversas maneiras e chegar a soluções que não estão condicionadas a ninguém. E acho que essa é outra lição que os líderes podem aprender com ele.
E a terceira seria o escopo da compaixão dele: é bem ilimitada. Acho que é um ideal que todos devemos lutar para atingir – ele parece se preocupar com todo mundo, e com o mundo inteiro em geral.
Você tem chamado esse livro de um convite para a ação? O que você espera que pessoas façam depois de lê-lo?
O livro é realmente um convite para agir, mas é um convite muito bem fundamentado. O Dalai Lama acredita fortemente que devemos fazer uma análise profunda dos problemas e deixar que as soluções surjam dessa análise. E, além disso, ele é um incentivador enfático de que as pessoas partam agora para a ação. Sem sentir-se passivo, sem sentir-se incapaz, sem sentir: “qual é o sentido disso; não estarei aqui mesmo para ver o benefício disso”. Em vez disso, devemos começar a mudança agora, mesmo que a mudança só gere benefícios para as futuras gerações.
Então, minha esperança, assim como é a dele, é ajudar as pessoas a entender o que elas podem fazer ao enfrentar problemas que são muito vastos – criar uma economia mais inclusiva; dar um propósito para o trabalho; não apenas fazer bem, mas fazer o bem; acabar com a injustiça e iniquidade, com a corrupção e o conluio na sociedade, seja nos negócios, na política ou na religião; ajudar o meio ambiente a se recuperar; a esperança de que algum dia os conflitos serão resolvidos pelo diálogo e não com guerras.
Essas são questões muito grandes. Mas todo mundo pode fazer alguma coisa para dar um empurrãozinho na direção certa, mesmo que seja apenas superar as diferenças e tornar-se amigo de alguém que pertence a um outro grupo. Isso na verdade tem um resultado final muito poderoso. Quando existem dois grupos em algum lugar do mundo que possuem uma rixa entre si e, ainda assim, algumas pessoas desses grupos opostos gostam uns dos outros, isso é porque eles tiveram algum contato pessoal – eles fizeram um amigo naquele outro grupo. Então uma coisa simples como superar as diferenças é na verdade uma coisa bem profunda.
Em cada uma dessas áreas, seja qual for a capacidade que tenhamos, a questão é usá-la, e não apenas ficar esperando.
*Traduzido do artigo publicado na Havard Business Review