quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Trisomie 21 - The Lined Hands Of Afternoon

Serviços prestados pelos abutres podem contribuir milhões de euros para economia nacional até 2048


Apesar da má reputação de que possam gozar, os abutres são espécies fundamentais para a manutenção da saúde e bom funcionamento dos ecossistemas.

Enquanto necrófagos, são elementos centrais dos ciclos de nutrientes, “reciclando” a matéria orgânica de animais mortos, impedindo, por exemplo, o surgimento e proliferação de doenças causadas pela decomposição dos cadáveres.

Agora, um relatório divulgado recentemente pela organização Vulture Conservation Foundation, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, revela que esses contributos podem ser quantificados e mais valorizados, e são da ordem dos vários milhões de euros.

Os cientistas calculam que os serviços de ecossistema prestados pelos abutres-pretos (Aegypius monachus), pelos grifos (Gyps fulvus) e pelos britangos (Neophron percnopterus, também conhecidos como abutres-do-egito) ascenderam aos 668 mil euros em 2023. O valor divide-se em cerca de 313 mil euros em custos evitados com a eliminação de carcaças (por exemplo, com logística e transporte), de 163 mil em emissões de gases com efeito de estufa (gerados pelo transporte das carcaças para incineração e pela própria incineração) e, possivelmente, 192 mil provenientes do ecoturismo relacionado com os abutres (como atividades de observação das aves).

No entanto, a estimativa para 2048 pode mesmo chegar a um valor acumulado (desde 2023) de 18,6 milhões de euros, em custos evitados e em receitas de turismo de Natureza. É por volta desse ano que os especialistas preveem que, mantendo-se as ações de conservação em curso, a população de abutre-preto em Portugal atingirá os 1.500 indivíduos. Sem os esforços de conservação, a população nacional de abutre-preto, atualmente estimada nas 600 aves, poderá cair para os 100 indivíduos, o número que se registava antes das intervenções com vista à proteção e recuperação da espécie no país.

Excluindo as contribuições do ecoturismo e contabilizando somente os contributos relativamente à eliminação de carcaças e às emissões de gases com efeito de estufa, as três espécies de abutres podem gerar 2,44 milhões de euros entre 2023 e 2027, com esse valor a chegar aos cinco milhões até 2032 e aos 13,7 milhões até 2048.

Para os autores do relatório, “estas estimativas de valor constituem uma primeira indicação da importância dos abutres em Portugal para as atividades humanas e para o bem-estar”.

No entanto, ressalvam que “esta análise abrange apenas um subconjunto dos serviços dos ecossistemas prestados pelos abutres”, pelo que investigações futuras devem debruçar-se sobre aspetos como “a estimativa do valor de existência atribuído pela população portuguesa ao aumento das populações de abutres, bem como a avaliação do retorno do investimento em atividades de conservação”.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Publicado o Inquérito à Juventude Europeia - o ambiente e as alterações climáticas são a sua prioridade para a UE


No Inquérito à Juventude da UE, publicado este ano, os jovens classificaram as suas principais preocupações:
💶40% aumento dos preços, custo de vida
🌳33% ambiente e alterações climáticas
💼31% situação económica e criação de emprego

O ambiente e as alterações climáticas são as prioridades mais elevadas em:
Itália 46% 
Dinamarca 44% 
França 40%
Entre os jovens que já não frequentam a escola, aqueles que concluíram o ensino pós-secundário ou superior são consideravelmente mais propensos a escolher o ambiente e as alterações climáticas como prioridade para a UE.

aqui o relatório completo.

Agostinho da Silva


"Temos, sobretudo, de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar"

terça-feira, 12 de agosto de 2025

A Conexão Humana com a Natureza Está a Diminuir Drasticamente — O Que Isso Significa?


Um estudo recente liderado pelo professor Miles Richardson, da Universidade de Derby, revela que a ligação das pessoas à natureza diminuiu mais de 60% desde 1800. Esta queda dramática reflete-se, por exemplo, na forma como palavras como “rio”, “musgo” e “flor” praticamente desapareceram dos livros ao longo dos últimos 200 anos.
O estudo, publicado na revista científica Earth, utilizou um modelo computacional para analisar dados sobre urbanização, perda de biodiversidade e a falta de transmissão intergeracional do contacto com a natureza.
Nos últimos dois séculos, o mundo mudou profundamente. A industrialização, o crescimento das cidades, a digitalização e o ritmo acelerado da vida moderna têm afastado cada vez mais as pessoas da natureza. Menos tempo passado ao ar livre e um quotidiano dominado por ecrãs levam a que as novas gerações cresçam com menos contacto com ambientes naturais.
Esta desconexão tem consequências importantes para a saúde física e mental, para o nosso bem-estar e para a forma como encaramos a proteção ambiental. Estudos mostram que passar tempo na natureza ajuda a reduzir o stress, melhora a concentração e fortalece o sistema imunitário. Além disso, quem conhece e valoriza a natureza está mais propenso a agir para a preservar.
O declínio no uso de palavras ligadas à natureza em livros não é apenas uma curiosidade linguística — é um sinal cultural de que a nossa relação com o mundo natural está a enfraquecer. Se não formos capazes de recuperar este contacto, corremos o risco de perder a empatia e o cuidado necessários para proteger o ambiente que sustenta a vida.
Para reverter esta tendência, é essencial que políticas públicas e iniciativas educativas incentivem a aproximação das pessoas à natureza, valorizando o património natural e promovendo experiências ao ar livre. O estudo de Richardson sugere que intervenções eficazes incluem a introdução das crianças à natureza desde cedo, como em escolas do bosque, e a expansão significativa dos espaços verdes urbanos — até 1.000% em algumas áreas. Estas mudanças podem ajudar a restaurar a ligação das pessoas à natureza e promover um futuro mais sustentável.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Em 2025 a civilização ultrapassou 7 dos 9 limites planetários

Este infográfico poderia estar nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo, mas dificilmente circula fora dos fóruns científicos e ativistas.

Dos nove limites planetários que, segundo se diz, garantem um planeta habitável por humanos, até 2025 a civilização atual terá ultrapassado sete, com a controversa acidificação dos oceanos como o novo ponto de não retorno ou "ponto de inflexão".

Em 2009, eram duas, em 2015, eram três e, em 2023, já eram seis — cada faixa vermelha é um aviso ignorado para um futuro devorado pelo presente, de acordo com este artigo.

domingo, 10 de agosto de 2025

Vergonha


Miguel Sousa Tavares in "Expresso" de 07/08/2025

Numa jogada de mau gosto, o Hamas decidiu publicar fotografias de dois reféns israelitas em seu poder, famélicos e abatidos, acompanhadas da legenda “eles comem o mesmo que nós”, numa referência à estratégia de fome adoptada pelo Governo de Israel em Gaza. Netanyahu, como era de esperar, saltou logo sobre a oportunidade, acusando o Hamas de barbárie e anunciando a total ocupação de Gaza: esperava, talvez, que a fome que ele inflige a três milhões de pessoas (proibindo-as inclusivamente de pescar no seu mar!) não afectasse a alimentação dos reféns israelitas. E, em Bruxelas, Kaja Kallas, a responsável pela política externa da UE e que jamais teve uma palavra a condenar o genocídio em Gaza, acompanhou Netanyahu na sua indignação e exigiu a imediata libertação dos reféns, sem pedir nada em troca da parte de Israel. Num momento em que finalmente se levantam vozes dentro de Israel a condenar a ofensiva em Gaza — vozes de antigos chefes militares e de segurança, de organizações humanitárias ou do escritor David Grossman, falando também em genocídio —, a UE, enquanto organização, continua a fingir que não estamos a assistir em Gaza à mais sinistra limpeza étnica levada a cabo por um Governo dito democrático. Mas, como disse Yuli Novak, da organização israelita B’Tselem, “isto não poderia acontecer sem o apoio do mundo ocidental”.

Dentro da UE e escudado na sua inércia, Portugal tem sido um caso notável de hipocrisia e cobardia. Eu chego a ter vontade de rir ao assistir aos contorcionismos explicativos do ministro Paulo Rangel para tentar não ter posição sobre o assunto, fingindo que a tem, numa patética estratégia de “agarrem-nos senão reconhecemos o Estado da Palestina”. Primeiro, confiante na inércia de toda a União, Rangel afirmava que o reconhecimento, a existir, deveria ser uma decisão conjunta dos 27. Os reconhecimentos unilaterais feitos por Espanha e Irlanda não o abalaram, mas ficou claramente sem chão quando Macron anunciou que a França ia reconhecer o Estado palestiniano e a Inglaterra fez o mesmo. Aí, Rangel fez uma inolvidável intervenção na ONU, em que garantiu à assembleia mundial que Portugal tinha detectado uma alteração histórica na posição palestiniana, a qual abria caminho a um possível reconhecimento. Em suma, enquanto o PM inglês colocava exigências a Israel sob a ameaça de reconhecer a Palestina independente, o nosso ministro partia do princípio oposto para sustentar, sem se desmanchar, que a Autoridade Palestiniana aceitara as exigências de Luís Montenegro para poder ser reconhecida por Portugal como Estado. Note-se: a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia e não o Hamas em Gaza. Entre essas exigências de Montenegro, Rangel destacou a reforma das instituições palestinianas e a realização de eleições: patéticas demandas para quem acabava de regressar de uma cimeira da inútil CPLP realizada na Guiné-Bissau — um país cujo Presidente amordaçou a democracia no seu país e governa sem ir a eleições — e antes de a chefia da mesma CPLP ser transmitida à Guiné Equatorial — onde jamais houve eleições e persiste há décadas uma ditadura familiar, brutal e corrupta como nenhuma outra. Sim, Portugal é hoje um exemplo eloquente da podridão moral em que vegeta a União Europeia, governada por políticos sem respeito pelo passado e pelos valores europeus.

Esta União Europeia envergonha hoje qualquer europeu que antes se orgulhava de pertencer a um espaço político onde a ética e a coerência de princípios contavam. Na cimeira da NATO, a União, com a honrosa excepção da Espanha, ajoelhou-se aos pés de Trump, aceitando gastar 5% do PIB em armas — e americanas, de preferência. Fica como símbolo dessa capitulação o português Luís Montenegro tentando dar “uma palavrinha” particular a Trump, dizendo-lhe que éramos velhos amigos dos Estados Unidos e sugerindo alguma misericórdia para connosco na rajada das tarifas, e o português António Costa, presidente do Conselho Europeu, acalmando as indignações surdas com a previsão de que o que a União cedera nas armas pouparia nas tarifas.

Viu-se. Na Escócia, Ursula von der Leyen começou por ser ainda mais humilhada por Trump do que o fora por Erdogan. Na Turquia, não tinha cadeira para se sentar, no clube de golfe privado de Donald Trump, na Escócia, para onde foi convocada, teve uma cadeira para se sentar enquanto esperava longamente que o Presidente americano acabasse um jogo de golfe com o filho e tivesse disponibilidade para a receber. Assim tratada como serventuária — ela e a Europa que representa —, não admira que depois tivesse sido sujeita a uma capitulação total e humilhante pelo abusador profissional americano. Von der Leyen aceitou um aumento das tarifas sobre as exportações europeias para os Estados Unidos de 15%, quase mil vezes o que vigorava e em troca de tarifas de 0% para as exportações americanas dirigidas à Europa. Desistiu de taxar as tecnológicas americanas ou de minimamente controlar os seus abusos. Aceitou comprar 750 mil milhões de dólares de energia aos Estados Unidos, assim interrompendo a estratégia de descarbonização em que a UE estava a ser pioneira e substituindo-a por uma total dependência energética de um só país — muito para lá daquilo que se criticava aos países europeus que compravam energia à Rússia. Agora, os EUA passam a determinar a política energética da Europa, aumentam livremente os preços, e Trump e os seus amigos do petróleo, negacionistas das alterações climáticas, encontram um mercado garantido à medida das suas ambições. Mas a senhora foi ainda mais longe, comprometendo-se a investir 600 mil milhões de dólares nos Estados Unidos e a gastar em armas americanas o grosso do investimento a ser levado a cabo para atingir os tais 5% do PIB em armamento. Se tudo isto fosse exequível e executado, acabava a Europa que conhecemos: livre, próspera, orgulhosa do seu sistema social. Mas, mesmo sem o podermos ainda dizer, Von der Leyen, que já enxovalhara a União e os valores europeus com o seu silêncio cúmplice perante o genocídio em Gaza, rematou agora a sua prestação prostrando-se aos pé de um fora-da-lei internacional e dando-lhe tudo o que ele queria, na esperança de o conseguir apaziguar. Mas até nisso esta funesta alemã que nos calhou em sorte está errada: quando se cede uma vez perante a intimidação e a chantagem, está escrito que se terá de ceder mais vezes. Trump é um vampiro que precisa de se alimentar todos os dias do sangue dos fracos, dos indefesos, dos que se ajoelham e dos que ele inveja.

Os tempos vão maus e mesmo incompreensíveis para quem gostaria de se orgulhar de ser português e europeu. Resta-nos ter vergonha: pode ser que eles reparem.

sábado, 9 de agosto de 2025

Lhasa De Sela - Anywhere On This Road


A Jornada Incessante de Lhasa de Sela em 'Anywhere on this Road'
A música 'Anywhere on this Road' de Lhasa de Sela é uma reflexão profunda sobre a jornada da vida, a busca por pertencimento e os desafios emocionais que enfrentamos ao longo do caminho. A letra começa com a artista falando sobre sua adaptação a um novo país, uma nova identidade e uma nova língua. Essa transição, embora necessária, não é fácil e carrega um sentimento de perda das raízes e dos lugares que antes eram familiares. A ideia de que 'os lugares que eu costumava estar longe se foram' sugere uma desconexão com o passado e a necessidade de seguir em frente, mesmo quando o caminho é incerto.
A segunda estrofe aborda a persistência e a resiliência. Lhasa encoraja a continuar a jornada sem olhar para trás, mesmo quando o corpo está cansado e sobrecarregado. A metáfora do corpo dobrando sob o peso simboliza os desafios e as dificuldades que enfrentamos, mas a mensagem é clara: não há lugar para parar, a estrada continua. Essa ideia de movimento constante reflete a natureza implacável da vida e a necessidade de perseverança.
A música também explora temas de amor e medo. Lhasa fala sobre um relacionamento complicado, onde o medo e a desconfiança criam barreiras. O homem que ela ama tem medo de ser dominado, o que cria uma dinâmica de poder e vulnerabilidade. No entanto, há um momento de esperança e transformação quando ela menciona a hora em que a maré está virando. Esse momento simboliza a possibilidade de superação e renovação, onde a escuridão e a angústia podem ser deixadas para trás. A música, portanto, é uma meditação sobre a resiliência, a busca por pertencimento e a complexidade das relações humanas.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Abusadores da mama


Portugueses, a hora é grave: há bebés a mamar à conta do patronato até irem para a escola (ao menos, vá lá, não até irem para a tropa). Tudo para mães desviantes abocanharem uma redução de horário no trabalho. Ao que chegámos, compatriotas. Por isso é que isto está como está. Cuspam no chão, em repugnância. Felizmente, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social está à coca. "Infelizmente, temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária", disse em entrevista ao JN e TSF, no último domingo.

Agora, acabou-se a mama. O Governo propõe-se impor que o atestado médico para aceder à redução de horário, hoje só necessário a partir do primeiro ano de vida do bebé, passe a ser obrigatório desde a nascença e renovado a cada seis meses. O resultado prático, previsível, será diminuir o acesso a este direito, ou impedi-lo de todo. “Vai claramente afetar a sociedade mais vulnerável a nível económico, como é o caso das mães solteiras e vai empobrecer as famílias”, disse à SÁBADO Sara do Vale, da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto. Faz hoje mesmo um ano e oito meses, o Estado português criou a Comissão para a Promoção do Aleitamento Materno, com a missão de mais do que duplicar a taxa de aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida do bebé. Agora sabota essa missão, para acabar com a fraude.

Qual fraude? A ministra não explicou, nem o Ministério responde a questões dos jornalistas sobre o assunto, desde domingo. Não há dados, nem provas, nem o mais leve indício publicado que fundamente que o problema existe, muito menos qual a sua dimensão. Há o “temos conhecimento” da ministra. Um achismo autossuficiente que justifica alterar uma política pública sem sequer validar os seus fundamentos ou estudar os seus impactos.

O Governo anda a prometer, e bem, desburocratizar e simplificar o funcionamento do Estado para facilitar a vida a investidores e empresas. Mas, quando se trata de direitos sociais, cria obrigações acrescidas de provas, papéis e carimbos de seis em seis meses para infernizar a vida de todos, a cavalo de umas vagas fraudes cuja dimensão, ou sequer existência, nem se maça a demonstrar. O Estado ágil e descomplicado é para quem possa pagá-lo.

Na verdade, não surpreende ver a ministra da Solidariedade mais empenhada na solidariedade corporativa do que na solidariedade social. Maria do Rosário Ramalho é hoje o exemplo mais gritante de uma cultura de conflitos de interesses que há muito permeia a política e se instalou no Governo. A sua família direta ilustra de forma eloquente um mercado de influências que une poderes públicos e privados e se banqueteia nos favores da lei. Ramalho, convém lembrar, é o apelido do gestor António Ramalho, marido da ministra, com profícua carreira, quer no setor público, quer no privado. Passou pela Infraestruturas de Portugal antes de aterrar no Novo Banco, de que foi CEO no período em que o “banco bom” do BES, comprado pelo fundo abutre da Lone Star, se serviu de 3,4 mil milhões de euros do Fundo de Resolução.

Sugado o filão das garantias públicas, Ramalho deu por concluído o seu serviço aos cobóis do Texas, que agora empocharam 4,8 mil milhões com a venda do Novo Banco. Ainda passou por uma consultora que o próprio havia contratado, na mesma lógica de porta giratória em que construiu o seu currículo, antes de uma passagem fulgurante pela Cruz Vermelha Portuguesa. Em maio, voltámos a vê-lo num lugar-chave: a presidência da Lusoponte, precisamente no momento em que a concessionária das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama começa a negociar com o Governo uma eventual extensão da concessão (ou um novo concurso) para construir a terceira (e quem sabe a quarta) travessias, já anunciadas pelo Governo. Ramalho parte para essa negociação com a experiência que traz do lado público, na Infraestruturas de Portugal, e com o conforto de ter a esposa sentada à mesa do Conselho de Ministros. Como se não bastasse, a sua filha, Inês Ramalho, é vice-presidente do PSD. Entre pai, mãe e filha, a tríade Ramalho está instalada, simultaneamente, no concessionário, no Governo e no partido.

Depois dos dois anos, estranhou a ministra, “acho difícil de conceber” que uma criança continue a precisar de leite materno durante o horário de trabalho. Já um banco ou uma concessionária precisam da amamentação do contribuinte durante muito mais tempo do que isso. As prioridades públicas no combate aos abusos ficam claras. Acautelem-se, mães e bebés: a mama não é para todos.

E as Misericórdias roubam que se fartam. Roubam aos utentes, roubam aos municípios, roubam à Segurança Social. 

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Alteração Primata

Livro científico de Vybarr Cregan-Reid, incide primacialmente nos últimos 200 anos da nossa história, história recente que teve um enorme impacto para os seres humanos, que também protagonizaram grandes mudanças – em si mesmos e no mundo que os rodeia. A actual época geológica, designada por Antropoceno (ou a Era do Homem), revela assim um novo corpo adaptado a novos hábitos e a novas alimentações, que transformaram decisivamente o nosso próprio ADN. Esta alteração do corpo humano no tempo é o cerne deste livro.

Desde a Revolução Agrícola, em que o homem se sedentarizou e produziu alimentos (cereais) para conseguir armazenar, tudo mudou. Natureza e criação passaram a combinar-se com um resultado fascinante. A revolução Industrial – e agora a revolução digital – impôs uma mudança radical no mundo, que o ser humano protagonizou e, ao alterar o mundo, estruturou-se de uma outra forma, com novos hábitos de sedentarização e novos comportamentos, com importantes consequências no corpo, músculos e estrutura facial, sobretudo pela alteração dentária. Baseado em estudos científicos em várias áreas, “Alteração Primata” faz uma excelente abordagem a algumas das actuais fraquezas do corpo humano, apresentando uma análise profunda, rigorosa e abrangente sobre “como o mundo que criámos nos tem modificado“.

O livro propõe, igualmente, uma reflexão sobre as consequências da nossa transformação do mundo, a pensar em como o usamos e a reavaliar o que esperamos dele – e em como nos deveremos portar perante ele. Reflexão que se alarga, também, às transformações do corpo – a nossa aparência e a forma como nos movemos, descansamos, dormimos, pensamos, comemos e comunicamos mudaram drasticamente desde que o Homo sapiens iniciou a sua marcha plantar pelo Planeta, há mais de 300.000 anos.

Vybarr Cregan-Reid nasceu em 1969 e cresceu em Manchester. É um investigador académico, actualmente Leitor em Inglês e Humanidades Ambientais na Universidade de Kent. Ao longo da carreira tem escrito sobre temas nas áreas da literatura, saúde e ambiente

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O dragão-azul


O dragão-azul (Glaucus atlanticus) tem aparecido em notícias pouco lisonjeadoras. Diz-se que este belo nudibrânquio pelágico apareceu em Espanha, que pode chegar a Portugal e que é perigoso, como se fosse um dinossauro perigoso.
Ora, já cansa tanta estupidez nas notícias. Esta lesma-do-mar de uns meros 3 ou 4 cm vive à superfície dos oceanos e é cosmopolita, ocupando as faixas tropical às zonas temperadas.
Ao contrário das notícias, existe, desde que há estudos, em Portugal, em especial nos Açores e Madeira. É predadora de medusas e pode comer a caravela-portuguesa (espécie altamente venenosa), incorporando os seus nematocistos que usa para se defender. Assim, alguns podem de facto causar queimaduras na pele de quem lhe toca mas longe da agressividade das alforrecas, até pelo seu pequeno tamanho. Por isso, convém apreciar estas belas criaturas sem lhes mexer, que é como deve ser, embora a maior parte seja inofensiva.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Franco “Bifo” Berardi: “A espécie humana não sobreviverá a este século"


Conhecido por “Bifo” desde jovem, o italiano Franco Berardi é uma referência do pensamento de esquerda das últimas décadas. Em Maio de 1968 participou na revolta dos estudantes da Universidade de Bolonha. Faria parte do grupo extraparlamentar Potere Operaio, ao lado de figuras como “Toni” Negri. Nesses anos de agitação rebelde fundou a revista A/traverso e esteve na rádio pirata Alice. Nos seus livros, Berardi sai das baias do marxismo mais ortodoxo, chamando, por exemplo, ensinamentos e conceitos da psicanálise para a sua crítica às sociedades capitalistas pós-industriais.

O seu último livro, Disertate (2023), identifica na “onda” de depressão entre os jovens um sintoma de um mundo de trabalho em excesso e em crise climática. Perante o caos e a dor, a resposta desses jovens é a “deserção”, a desistência, como se a alegria só pudesse ser encontrada nas “ruínas”, defende “Bifo”.

Sim, Franco Berardi, hoje com 75 anos, perdeu a esperança. Quisemos falar com ele tendo a recente edição portuguesa de Futurabilidade — A Era da Impotência e o Horizonte de Possibilidade pela VS. como pretexto. Nesse livro, editado originalmente em 2017, o filósofo já fazia um diagnóstico sombrio da vida enformada pelo capitalismo, mas ainda acreditava que seria possível abrir uma rota de fuga. Como? “Criando uma consciência comum e uma plataforma técnica comum para os trabalhadores cognitivos do mundo.” Foram eles, os trabalhadores intelectuais (os artistas, os engenheiros, os cientistas), que montaram a engrenagem, cabia-lhes agora “reprogramar” a grande máquina do mundo para benefício colectivo.

Quase dez anos depois de escrever essas linhas, a esperança de Franco Berardi, que conversou com o Ípsilon por videochamada a partir da sua casa em Bolonha (uma entrevista terminada por email), esfumou-se.

Futurabilidade acaba com um apelo aos trabalhadores intelectuais. Havia alguma esperança nesse livro, mas já me avisou que a perdeu. Porquê?
Futurabilidade foi, de certa forma, o meu último livro a propor a possibilidade de uma alternativa. Foi antes da pandemia, antes da ilusão que a pandemia nos deu e antes do regresso do genocídio à história do mundo.

Sei que o que tenho a dizer não abre uma perspectiva, mas devo escolher entre mentir, afirmar algo em que não acredito, e dizer a verdade. E a verdade é, sintetizando, esta: a experiência humana acabou.

O que é a experiência humana?
É a ideia, crucial na modernidade, de que o mundo, a linguagem, a razão e a lei podem controlar a imediatez do instinto, da bestialidade. As vítimas têm de se tornar assassinas — esta é a lição que aprendi com a transformação de Israel numa entidade nazi. Esta é a lição que aprendo quando vejo Auschwitz nas praias do Mediterrâneo, na costa de Gaza e em centenas de campos de concentração em toda a bacia mediterrânica.

O que faz do horror de Gaza algo diferente de outros conflitos?
Há 50 anos, quando eu tinha 25 anos, testemunhei uma guerra suja que foi como um genocídio, no Vietname. Mas, naquele momento, tínhamos a percepção de que a guerra do Vietname era o início de um futuro possível. Quando os vietcongues conseguiram derrotar os agressores, tivemos a percepção de uma nova possibilidade... Estávamos errados. Os vietcongues não eram uma esperança para a humanidade. Mas nós, tal como milhões de pessoas, víamos ali uma possibilidade de futuro.

Agora, a verdadeira novidade é que a nova geração está consciente do facto de que o genocídio é a regra do mundo em que vivemos hoje. Quando olhamos para Gaza, estamos a olhar para o símbolo de um genocídio que está a acontecer em todo o lado, ao longo da fronteira entre o Norte e o Sul do mundo, de Myanmar [Birmânia] ao Sudão e ao mar Mediterrâneo, onde todos os dias migrantes são mortos pelos fascistas de Itália.

Em Futurabilidade defendia que havia outros futuros possíveis, inscritos na realidade actual, passíveis de serem desbloqueados. Não é perigoso abandonar a esperança, como está a fazer agora?
Futurabilidade tinha que ver com uma análise materialista do trabalho e da actividade social. Por isso, na última parte, escrevi que, apesar do triunfo de Donald Trump, apesar do “Brexit”, havia uma possibilidade. Uma possibilidade, não uma esperança: a possibilidade de solidariedade entre os trabalhadores cognitivos para criar um terreno comum de transformação.

Esta ideia está no movimento Occupy, de 2011, e está no movimento de 68, que foi o movimento dos trabalhadores intelectuais contra o imperialismo e o capitalismo.

A pandemia acelerou uma tendência que já estava inscrita na história da nova geração: solidão, distanciamento social, medo do corpo do outro. Esta é a transformação antropológica e psicológica que tornou a solidariedade impossível. Quando saímos da pandemia, descobrimos que a nossa solidão era definitiva. A solidão é a característica determinante da vida da geração digital.

Tenho trabalhado particularmente com jovens, estudantes, militantes, pessoas que falam comigo por razões psicanalíticas, e o que descubro é que, para eles, a solidão é o seu futuro. Não há nada que permita imaginar solidariedade no futuro. É por isso que digo que a experiência humana acabou.

Tem toda a razão quando diz que esta minha afirmação está a cancelar a possibilidade de esperança para o futuro. Mas eu respondo: a esperança agora é perigosa. O importante é estarmos conscientes do facto de que não temos possibilidade de ser humanos no futuro. Então, o que devemos fazer?
O meu último livro intitula-se Quit Everything [na versão inglesa, de 2024, de Disertate]. Desista de tudo. Abandone. Vá embora. Pare de procriar. Esta é a verdadeira política para o futuro.

No entanto, nos últimos anos, assistimos a alguns movimentos de reacção. Vimos, por exemplo, jovens a aderirem aos “sabbaths digitais”, um dia semanal com pouco ou nenhum uso de tecnologia digital. E objectos como a série Adolescência e o livro A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, provocaram grandes debates. Há uma maior consciência dos efeitos da tecnologia nas vidas, incluindo dos mais jovens?
Sim, mas é tarde de mais. A questão é que nenhuma campanha cultural, nenhuma terapia psicológica pode mudar a programação básica da mente. A geração que aprendeu mais palavras com uma máquina do que com a mãe não pode ser “reeducada”, não pode ser “curada”. Não se pode ajudar um adolescente a sair da prisão digital porque é o único mundo que conhece, porque a sua mente foi formatada de acordo com esse tipo de estímulo, de acordo com esse paradigma. Não creio que haja um caminho de volta do inferno digital.

Argumenta que a tecnologia e os crescentes automatismos (da economia à política) que governam a vida contemporânea contribuem para aquilo a que chama “era da impotência”. Como podemos sair dela?
A impotência é a característica definidora da vida política mundial nas últimas décadas.

A derrota política da esquerda, dos trabalhadores, está essencialmente ligada à relação automática entre as finanças e a sociedade. Veja o que aconteceu na Grécia em 2015. Nesse livro [Futurabilidade], falo muito sobre a Grécia. 61% da população grega votou contra o memorando [de resgate] financeiro. Mas, no final, Alexis Tsipras foi obrigado a ceder porque era impossível, porque o automatismo financeiro destruiu totalmente a democracia. A democracia é uma farsa e uma coisa inexistente quando as finanças ditam as decisões políticas e económicas dos governos.

Hoje somos impotentes intelectualmente, sexualmente, politicamente. A nossa potência é a bomba atómica. A nossa potência é a concentração de tecnologia e armas.

O seu primeiro livro, publicado em 1970, intitula-se Contro il lavoro, ou seja, contra o trabalho. Acreditava então que a tecnologia seria um aliado do ser humano — permitiria, por exemplo, a libertação do trabalho. O que correu mal?
Muitas coisas correram mal. A primeira coisa errada — muito errada — é a chamada esquerda. Em vez da autonomia social, o foco dos revolucionários sempre foi o poder político. A tecnologia em si é apenas uma possibilidade, mas a esquerda interpretou completamente mal a função e o potencial da tecnologia. Desde o início do século XX, os comunistas reduziram a tecnologia a uma mera ferramenta.

Nos últimos 50 anos, os anos da transformação electrónica e depois digital, os sindicatos consideraram a tecnologia como um inimigo, em vez de pensar que era uma possibilidade.

Quando dissemos “recusa do trabalho” era uma forma de dizer: vamos aceitar a mudança tecnológica e, simultaneamente, vamos lutar pela redução do tempo de trabalho. Os sindicatos e a esquerda em geral disseram algo diferente: é preciso defender os empregos contra a tecnologia.

Até agora, a inteligência artificial não levou a uma redução dos horários de trabalho. Em 1928, o economista britânico John Maynard Keynes escreveu um pequeno ensaio, "Possibilidades económicas para os nossos netos", no qual imaginava como seria o mundo dentro de um século. Escreveu Keynes que, em 2028, os padrões de vida teriam melhorado de tal forma que seria possível trabalhar apenas três horas por dia. Está à vista: a automação não nos deu esse mundo.
Aconteceu o contrário: hoje em dia, as pessoas trabalham mais por menos dinheiro. Mantenho a ideia de que a automação poderia ser uma oportunidade para reduzir o trabalho. Ela foi transformada numa ferramenta para aumentar os lucros, aumentar o poder militar e expandir o consumo inútil.

O problema não é a automação, mas a incapacidade antropológica e cultural de redefinir os objectivos sociais, as aspirações sociais. Deveriam ser trabalhar menos e reduzir o consumismo. Mas a frugalidade nunca foi considerada pelo movimento operário.

Fala muito em depressão, aplicando o conceito clínico a toda a sociedade capitalista.
Os psiquiatras dizem que os jovens estão deprimidos. Isso é verdade do ponto de vista da sintomatologia psiquiátrica, mas acho que há algo mais a entender: os jovens estão a ver a verdade.

James Hillman, um importante psicólogo, dizia que a depressão é o ponto mais próximo da verdade, a verdade da morte e da fragilidade humana. Assim, a depressão não deve ser entendida apenas do ponto de vista patológico. É claro que reconheço que existe um enorme problema terapêutico, mas há outro nível de compreensão da depressão. A depressão é uma forma de conhecimento, de compreensão. Os jovens olham para o presente, olham para o futuro e compreendem que não há futuro humano. Não há amor, não há sexo, não há prazer, não há respeito, não há ar respirável. Então, como podem não estar deprimidos? Eu não chamo a isso depressão, chamo deserção. Deserção é a compreensão de que não há saída e de que a única coisa que podemos fazer é viver em solidariedade diante da extinção da espécie humana.

Mas algo de positivo pode surgir dessa deserção?
Espero que haja uma cultura de alegria entre os desertores. Somos obrigados a desertar. Somos obrigados a abandonar a palavra guerra, a palavra bestialidade. Esta geração tem o direito de pensar na sua vida de forma alegre. O meu presente é feliz porque sei que não devo nada à humanidade. A humanidade acabou, mas eu ainda estou vivo.

A eleição de Barack Obama, em 2008, deu-lhe ânimo. E o sucesso de Zohran Mamdani, que venceu as primárias democratas de Nova Iorque, e a popularidade de alguém como Bernie Sanders, num país onde era quase tabu falar em socialismo?
Acho que todas as tentativas de criar espaços de humanidade devem ser saudadas como algo positivo. Adoro Zoran Mamdani, mas sei que ele não tem possibilidade de sucesso.

Durante os últimos dez ou 15 anos, muitas vezes esperámos algo novo da esquerda — na Grécia, em 2015, com [Jeremy] Corbyn [ex-líder do Partido Trabalhista britânico], com Sanders. Bem, esse entusiasmo é bom, partilho desse entusiasmo, mas não sou idiota, sei que estamos derrotados para sempre! A palavra “esquerda” não significa nada. Essa é a questão.

Partilho a alegria de estarmos juntos contra o fascismo. Mas sei que devo ir além dessa alegria temporária e criar as condições para sair da agonia da espécie humana. Como filósofo, a minha tarefa não é encontrar uma estratégia, é compreender. E o que compreendo é isto: a espécie humana não sobreviverá a este século. Temos de criar as condições para a alegria e a solidariedade durante a agonia.

domingo, 3 de agosto de 2025

Brian Eno citação

Estou cada vez mais convencido de que a nossa única esperança de salvar o planeta é começarmos a ter sentimentos diferentes em relação a ele: talvez se nos reencantarmos com a incrível improbabilidade da vida; talvez se sofrermos arrependimento e até vergonha pelo que já perdemos; talvez se nos sentirmos entusiasmados com os desafios que enfrentamos e com o que ainda se pode tornar possível. Em síntese, precisamos de nos voltar a apaixonar, mas desta vez pela Natureza, pela Civilização e pelas nossas esperanças para o futuro.


There were birds above, they sang the whole day throughAnd the sky revolves all pink to golden blueAll the roads through time, weave the world's long rhymeThen it all unravels in a sea of pearls and swine
There were bells above that rang the whole day throughAnd the sky was shot with light and hazy blueEarly days of winter sun, all the days turned into oneAll the sirens beckoning the crew
There were horns as loud as war that tore apart the skyThere were storms and floods of blood, a human highNever mind, my love, let's wait for the doveFly back to tell us there's a haven showing nigh
There were those who ran awayThere were those who had to stayIn the end, they all went the same way

sábado, 2 de agosto de 2025

A máfia do eucalipto

Fogo no parque da Peneda-Gerês já consumiu cerca de seis mil hectares (dados de 31 de Julho)

Por Nuno Gomes
Todos os anos, alguns com extrema gravidade, observamos a calamidade dos fogos florestais em Portugal. Portugal é o país da Europa que mais arde, tanto em termos absolutos como relativos, ultrapassando Espanha e Roménia por largos ha, com uma média anual de 155.000 ha ardidos. 
A tragédia de Pedrógão, em 2017, quando arderam mais de 500.000 ha, mais que em toda a Comunidade Europeia, lançou o alerta e foram identificados vários problemas no território, como o abandono florestal, o descontrolo urbanístico, o aumento da temperatura no Verão que torna a floresta mais inflamável e, claro, a expansão do eucalipto. A IA diz, com uma elevada carga de humor, que não é fácil plantar eucaliptos em Portugal. De facto foram estabelecidas regras e hoje não deveria ser possível plantar ou rearborizar eucaliptos sem autorização do ICNF, não se devia plantar em área de Rede Natura 2000, mas como se viu no Gerês é o que mais há por lá, a menos de 5 m do vizinho florestal ou de linhas de água temporárias (na prática as linhas de água de escorrência das encostas deviam ter faixas de 10 m sem eucaliptos), a 10 m dos terrenos agrícolas e linhas de água permanentes, e a 30 a 50 m das linhas de água navegáveis. 
E não se pode plantar onde não tenham existido eucaliptos nos últimos 10 anos. Contudo, o que se observa na prática é uma eucaliptação progressiva de Portugal, ultrapassando o eucalipto os 1,2 milhões de ha, a maior área florestal, que já pertenceu ao pinheiro-bravo, seguido do sobreiro. Qualquer pessoa pode na prática plantar eucaliptos nas suas propriedades sem regras porque o ICNF não fiscaliza, ou porque não tem meios ou porque os votos dos proprietários são importantes para os partidos no poder. 
Em breve, teremos um país totalmente eucaliptado, escarrando em todas as normas legais e do bom senso. E todos os anos teremos o drama de 2017 e deste ano, que só agora começou e ameaça tornar-se no pior de todos, com maior ou menor intensidade. 
Bastava que os eucaliptais que continuam a nascer ilegalmente tivessem mão pesada nas multas, que as celuloses fossem responsáveis e fizessem pedagogia nas suas próprias plantações e cumprissem as regras mínimas a que estão sujeitas, plantando, por exemplo, folhosas em todas as faixas onde os seus eucaliptos não podem estar, etc. 
Mas não, vivemos numa república das bananas onde as regras não são para cumprir mas para contornar. 
E não se pense que a máfia do eucalipto são as celuloses, são todos os que contornam as regras e aqueles que o permitem, ou seja, todos ou quase todos nós!

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Capitão Fantástico - um olhar ecológico e educativo sobre a liberdade e os limites do sistema


Capitão Fantástico (2016) merece destaque como obra cinematográfica que provoca, inspira e convida à introspeção profunda.

Realizado por Matt Ross e protagonizado por Viggo Mortensen, o filme acompanha Ben Cash, um pai que decide educar os seus seis filhos longe da sociedade de consumo, em comunhão com a natureza. Nesta vida auto-suficiente, as crianças aprendem filosofia, literatura, ecologia, nutrição, sobrevivência e pensamento crítico — tudo com base em valores como a autonomia, a verdade, o respeito pela natureza e a rejeição de dogmas.

Contudo, após a morte da mãe, a família é forçada a entrar novamente em contacto com o “mundo real”. O choque entre a utopia vivida na floresta e a realidade urbana traz à tona perguntas difíceis: será possível viver totalmente fora do sistema? Onde está o equilíbrio entre proteção e exposição ao mundo? Será que uma educação alternativa pode preparar verdadeiramente as crianças para enfrentar a sociedade convencional?

Com uma estética visual deslumbrante, uma banda sonora serena e interpretações autênticas, Capitão Fantástico é muito mais do que um filme. É um ensaio visual sobre ecologia profunda, pedagogia alternativa e a busca por coerência entre ideais e prática.

Recomendo vivamente a quem se interessa por biovida, transição ecológica, parentalidade consciente e alternativas de educação. É uma obra que abre espaço para diálogos fundamentais sobre o que significa “viver bem” neste planeta.

Para saber mais aqui