segunda-feira, 18 de maio de 2020

Francesco Tonucci: a casa como lugar de brincadeira e aprendizado durante a pandemia


Para uma live com audiência de 70 mil pessoas, o pensador italiano Francesco Tonucci constrói um cavalo de papel. Corta uma tira em duas partes, e transforma suas bordas em patas, cabeça e cauda.

Era com esse objeto simples que ele e seus irmãos brincavam quando pequenos e seus pais pediam que fizessem silêncio durante a sesta: “Éramos quatro crianças, numa cozinha pouco maior que um corredor, e ainda assim, inventamos brincadeiras. As crianças sempre dão um jeito.”

Tonucci recorda a história quando a audiência da live organizada pela plataforma de educação Integratek pede palavras de conforto para crianças confinadas em todo mundo e dividem a incerteza de futuro causada pela pandemia de Covid-19 (novo coronavírus).

“Eu e meus irmãos, por necessidade, inventamos um jogo para jogar sem barulho. As crianças de hoje, não tenham dúvidas, saberão inventar soluções, novas brincadeiras, mesmo que de máscaras, mesmo não podendo ter contato. Quanto tudo isso acabar, as crianças nos ensinarão algo. Deixem-nas sair, que confiemos neles e aprendamos com seu brincar.”

Pensador, pedagogo e desenhista, o italiano Francesco Tonucci é uma das vozes mais ativas e influentes do mundo no que diz respeito à participação social da infância na discussão pública sobre o futuro das cidades.

Célebre por ter criado a iniciativa “Cidade das Crianças”, que aposta na transformação das cidades a partir do olhar das crianças que nela habitam, Tonucci defende que as políticas públicas urbanas têm como tarefa garantir o direito ao brincar de meninos e meninas.

A escola que não muda, mesmo durante a pandemia
Se a crença do quase octogenário pensador na capacidade, autonomia e inteligência das crianças permanece inabalável, também segue assim sua aguerrida perseguição à escola tradicional.

No começo da live de duas horas, Tonucci provocou os participantes a pensar na crise do Covid-19 como oportunidade para a escola finalmente se reinventar, sob os princípios de uma educação integral:

“O objetivo primordial da escola não deveria ser conseguir resultados previstos, completar o programa, fazer provas. O objetivo da escola – e da família – é ajudar as crianças a descobrir suas personalidades, aptidões, vocações e oferecer instrumentos adequados para desenvolvê-las até o máximo de suas possibilidades.”

Isso é o oposto do que está acontecendo agora na maioria das escolas, com a migração de deveres e aula para o ambiente virtual. Além da perda de oportunidade de aprendizados sobre a pandemia, o pensador assinala que há os que ficaram de fora e a desigualdade será maior:

“Como é possível que crianças fiquem em casa utilizando livros escolares e fazendo tarefas? Em muitas famílias há somente uma mesa na casa. Imagine que nesta mesa a mãe trabalha, o pai cozinha, dois filhos com um só computador. Imagine então nas casas sem conexão! Se são escolas comprometidas com a educação, elas vão pensar nisso!”.

O macarrão, a planta, o jornal: a casa como espaço de aprendizado
Para educadores e pais, Tonucci propõe uma série de atividades que olhem para casa e seus espaços. Guiadas pelos princípios da brincadeira como um direito irrevogável das crianças, a autonomia e o protagonismo, as propostas entrelaçam crianças, educadores e pais, muitas vezes cindidos por tarefas escolares sem sentido.

“São atividades que permitem às crianças experimentar a satisfação em fazer coisas por si mesmas. Isso tem um efeito muito direto na autoestima e na construção de sentido e existência. Estas atividades, ao invés de tarefas escolares, produzem simpáticas experiências de colaboração entre pais e filhos, e entre pais e professores. Promovem experiências de igualdade de gênero e idade. São, por fim, atividades adequadas a cada unidade familiar, porque em cada uma das famílias se lava, se cozinha, se tira foto com o celular. Então ninguém se sente excluído ou inadequado.”

– Cozinhar: Para preparar comida se deve dosar, medir, ferver, misturar, todas operações cheias de sentido científico e potencialmente escolares. Imaginemos que o educador diga aos alunos que cada um fará uma massa, com um molho escolhido pela criança, que pode ser uma receita familiar ou procurada na internet. Os pais ajudarão, dando indicações e conselhos. Depois se come junto. Por último, a receita é escrita e trocada entre companheiros. Depois outros processos podem ser feitos, como preparar uma comida que nunca se fez. E assim, se faz um livro de receitas da classe.

– Caixa de histórias: As crianças devem pedir aos pais que passem fotos de seus anos anteriores, para reconstruir feitos, lugares e pessoas. Se possível, construir um powerpoint com fotos e explicações. Quando as crianças voltarem para a escola, poderão fazer um livro da classe. Haverá referências distintas, famílias múltiplas, pessoas que desapareceram, e imagens das quais rir junto. Será uma velha história, mas uma história de verdade.

– Diário: Os educadores pedem aos seus alunos que criem um diário. Que deve ser secreto, pois as crianças têm direito a uma vida privada. Especialmente em um período como esse, seria importância ter algo com o qual comunicar emoções, sentimentos, desejos e frustrações. Onde escrever poesias. O tempo que estamos vivendo é especial, raro e duro. E esperamos que não se perca de todo. Esta é uma experiência de verdadeira literatura, ainda mais quando a escola se abstém de validá-la [ao não ler o diário]. É um presente.

– Geometria: Os educadores podem pedir aos alunos para desenhar a planta de sua casa. Os desenhos podem ser fotografados e enviados para a classe, com cada criança descrevendo o seu. Também essa experiência pode ser um pedido para desenhar as cidades, e em cada um desses pedidos é possível aprofundamentos distintos. Para os mais pequenos será necessária ajuda dos pais para fotografar, mas nunca nem eles ou educadores devem ensinar a fazer um mapa ou planta. Vão conhecer o mundo pelas crianças. Esta proposta pode sugerir algumas elaborações geométricas, mas não com problemas abstratos, e sim na realidade onde estão vivendo.

– A leitura sem propósito: Os educadores podem pedir às crianças que leiam um livro. Mas não um livro para todos, porque não há um livro igual para todas as crianças. E sim um livro que cada um buscará em sua casa. Sobre essa tarefa, o compromisso é não pedir tarefas. Nem resumos, nem críticas. Elas podem falar com os amigos do que se passa no livro, se gostaram, ou não. Mas deve ser possível lê-lo em liberdade, se preferível, num lugar privado. Depois deste primeiro livro, outro e outro, durante e depois do coronavírus.

– A leitura em família: Uma leitura em voz alta, como um teatro. Se decide um horário – proponho meia hora – um espaço específico, um livro interessante e não necessariamente para crianças, e um adulto que o leia em voz alta, todos os dias, até terminá-lo. Se isso é bem feito, se criará uma relação intelectual com o livro e uma verdadeira aprendizagem de leitura, e senão a capacidade de decifrar signos, então o gosto, o prazer de ler.

– Jornal: A história contemporânea leva o jornal as nossas casas pela internet e TV. Mas, um dia por semana, o adulto pode comprar um jornal. Juntos com as crianças eles verão as manchetes, vão escolher a notícia mais interessante para a criança, ler juntos. Depois, se possível, conectar-se com a escola e com o educador ler as notícias de outras crianças juntas, podendo fazer um jornal que faça sentido para a classe.

– Correspondência: No meu tempo, crianças da montanha trocavam cartas com crianças do mar, neste método de comunicação sem tecnologia. Este é um bom momento para retomar isso. As crianças podem trocar cartas, fitas de áudio e vídeo. Essa é uma proposta educativa que dá sentido real para a comunicação, porque hoje as crianças têm muitos meios mas pouco costume de escrever.

– Natureza: Cada aluno pode cuidar de uma planta presente na casa ou pedir que os pais comprem no mercado. Ela será um objeto de observação, desenho, fotografia, e a criança acompanhará seu desenvolvimento, características e mudanças. As crianças podem trocar essa experiência com companheiras de escola e esta será então uma lição de ciências naturais. É possível também observar pequenos animais, como insetos ou minhocas.

– Arte: Indico a arte como última mas não como menor atividade, pelo contrário, como algo que deveria ocupar muito tempo e energias das crianças. A arte relaxa e dá satisfação. É importante que os educadores convidem as crianças a aproveitar o tempo para criar diversas expressões artísticas, utilizando as técnicas mais distintas. Para além do lápis e caneta, sugerir a farinha, as folhas da natureza, botões, fios para modelar animais e personagens, pintar pedras. As possibilidades são infinitas.

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