O morcego-rato-grande (Myotis myotis)
ANA RAINHO
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São animais nocturnos que metiam medo, associados até à bruxaria, e que as pessoas expulsavam das suas casas e das igrejas à vassourada. Muito mudou entretanto, agora são protegidos e, nos últimos dois anos, muita gente tornou-se voluntária de um projecto que deu origem ao Atlas dos Morcegos de Portugal Continental, apresentado ontem e com edição do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Este projecto partiu da ideia de um grupo de voluntários que pretendia aglutinar, pela primeira vez, toda a informação dispersa sobre morcegos em Portugal continental. Era importante “conhecer melhor os seus abrigos, para termos mais informação e actuarmos na conservação das espécies”, diz a bióloga Luísa Rodrigues, técnica do ICNF envolvida no projecto, com coordenação nacional de Ana Rainho, também do ICNF.
O primeiro trabalho publicado sobre os morcegos de Portugal continental remonta a 1863, quando o naturalista José Vicente Barbosa du Bocage apresentou a primeira lista de espécies no país. Na década de 1960 houve publicações pontuais, mas foi na década de 1970 que a equipa do biólogo Jorge Palmeirim começou a fazer a recolha sistematizada de informação sobre morcegos.
O trabalho do atlas surgiu integrado no Ano do Morcego, uma campanha que começou 2011 e terminou em 2012 e incluiu ainda dados de 2010. Participaram 159 pessoas, desde biólogos, técnicos e, também, cidadãos voluntários que desenvolveram trabalho no terreno. Houve ainda quem ajudasse através da Internet, dando informações ou pistas sobre a localização de morcegos.
Muitas destas suspeitas resultavam de relatos antigos sobre o paradeiro de morcegos, que mais tarde, com este trabalho, até se confirmaram. Para quem pouco sabia de morcegos, fizeram-se cursos sobre estes animais e os sons que emitem. No fundo, apenas era necessário “ter o gosto e esforçar-se”, diz a bióloga.
Sabe-se que existem 25 espécies de morcegos em Portugal continental (nos Açores e na Madeira, além dessas espécies, há mais duas). Durante o projecto, detectaram-se 24 espécies no Continente: ficou por encontrar o morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula), espécie cuja presença tinha sido registada no Norte do país.
Consoante a espécie, os morcegos podem alimentar-se de fruta, néctar e pólen das flores, peixe, carne e, claro, sangue. Podem caçar alimentos do chão ou efectuar voos a grandes altitudes, acima da copa das árvores e, nas cidades, indo para lá da altura dos prédios, como é o caso do morcego-rabudo (Tadarida teniotis).
Quanto ao peso, os morcegos portugueses têm entre cerca de cinco gramas (como um pacote de açúcar do café) e, no máximo, 45 gramas.
Para compilar toda a informação do atlas, que custa oito euros, os participantes observaram morcegos que se encontravam tanto em abrigos como em voo. Nos abrigos, registava-se o número de indivíduos, o número de machos e de fêmeas, o número de fêmeas com crias, a temperatura ambiente e a humidade, se existia alguma ameaça e se era preciso tomar medidas a curto prazo. Quanto aos que estavam a voar, assinalavam-se coordenadas geográficas, mas também características do terreno.
Apesar de terem uma grande longevidade — podem viver até 30 anos —, como têm apenas uma cria por ano constituem o “grupo mais ameaçado da nossa fauna”, frisa Jorge Palmeirim, da Faculdade de Ciências da Universidade Lisboa. As mais ameaçadas são as espécies cavernícolas que habitam, por exemplo, grutas ou minas abandonadas: é o caso do morcego-rato-pequeno (Myotis blythii) e do morcego-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale).
As ameaças podem ser intencionais mas, também, inadvertidas. Ter visitantes numa gruta com morcegos no período de hibernação ou de maternidade é logo uma perturbação para eles. Mas, em geral, os morcegos estão em risco se os obrigarmos a despender energia em excesso na altura da hibernação, forçando-os a voar, se lhes destruirmos as florestas onde vivem ou se lhes provocarmos alterações na alimentação.
Os pesticidas podem ser também um factor de risco, ao diminuírem o número de insectos disponíveis como fonte de alimento e ao comerem animais contaminados. “Não há dados concretos. De vez em quando, encontramos muitos morcegos mortos e calcula-se que os pesticidas sejam a causa”, diz Luísa Rodrigues.
O desaparecimento dos morcegos teria consequências para nós próprios. Como diz Jorge Palmeirim, eles são importantes para a “manutenção do equilíbrio dos ecossistemas naturais e humanizados”.
A percepção actual das pessoas sobre os morcegos mudou muito nos últimos 30 anos e perseguição directa já não ocorre com tanta regularidade. Jorge Palmeirim conta, entre gargalhadas, que antigamente, quando dizia às pessoas que trabalhava com morcegos, elas perguntavam-lhe se era bruxo. “Já muita gente tem simpatia por morcegos. A televisão tem mudado a percepção das pessoas. Apesar de tudo, os morcegos continuam a ter uma imagem negativa.”
A este propósito, Luísa Rodrigues diz que são cada vez mais as pessoas que telefonam para o ICNF a contar que têm morcegos em casa, que cuidam deles e que querem ter mais. E há ainda quem não os tenha em casa e deseja tê-los. “Começa a haver uma aceitação das espécies e do respeito que devemos ter pelos seres vivos.”
Esta fotografia dos morcegos de Portugal continental vai agora permitir fazer comparações e ver o que está a acontecer às suas populações.
Texto editado por Teresa Firmino
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